Em 1988 foi realizada uma consulta popular
sobre a continuidade do general Augusto Pinochet no poder do Chile. Parte da
oposição ao ditador enxergou a votação como a única forma de encerrar a
ditadura chilena, marcada por um longo período de perseguição política,
desaparecimentos, mortes, concentração de poder, suspensão dos direitos
fundamentais e por um choque neoliberal – importado - brutal, que deixou 40% da
população em péssimas condições econômicas. Pela ótica de René Saavedra, um
publicitário chileno, acompanhamos o desenrolar das campanhas pela permanência
do general (SIM) ou por sua saída (NÃO).
Logo de início já conhecemos as duas faces do governo pinochetista:
de um lado alguns pequenos grupos privilegiados com a “liberdade econômica” e
de outro o terror da ditadura, com perseguição a opositores (GALEANO, 1987). Essas faces nos são apresentadas dentro da casa
de René, na convivência com sua companheira e filho: enquanto o publicitário
tinha uma vida confortável – podendo adquirir até mesmo os últimos lançamentos
tecnológicos, como o micro-ondas – sua companheira mora em uma casa de fachada
nada pomposa e é presa e agredida inúmeras vezes durante o filme. Todavia, há
um componente comum: os dois trabalham para o fim da ditadura, de maneiras
diferentes.
A companheira de René era uma militante, que enfrentava os
militares na rua. René nos foi apresentado conformado com o regime, posto que,
ao ser convidado para a campanha do NÃO apresentou alguma resistência inicial,
que em parte se deveu ao chefe – publicitário responsável pela campanha do SIM
– e, em parte, pelo terror que a ditadura conseguia transmitir, onde os
indignados com o sistema eram tratados como traidores da pátria, exilados em
sua própria terra, se tornando cada vez menos dispostos a se indignar contra a injustiça (GALEANO, 1987).
A campanha pelo SIM era baseada em uma
distorção que pretendia fazer entender o governo de Pinochet como um governo
legal/legítimo, com menos “aparência” militar. Prova disso é que o publicitário
e alguns ministros insistem para que o general aparecesse sem a farda,
reforçando uma imagem mais paternal de Pinochet. “Obrigado por nos dar onde
morar, presidente!” dizia uma criança na propaganda. Era uma operação mental
para atingir a subjetividade social de forma a tornar dominante a ideia de que
o regime chileno era legitimo (ROUQUIE, s/d).
A campanha pelo NÃO apresentou várias
dificuldades: havia muitos partidos na oposição, haviam dúvidas sobre retratar
ou não a face violenta do regime. Fora o medo de que o outro lado não aceitasse
o resultado. Fato é que a campanha pelo NÃO foi “alegre”, com poucas representações
do terror instaurado por Pinochet. O objetivo era tornar o NÃO mais tragável, e
aqui há várias questões levantadas no próprio filme e que precisam ser
debatidas, como: quem era essa gente feliz? o que estavam festejando? era
realmente tempo de alegria?, mas que careceriam de mais que o limite de espaço
desse texto.
O filme acabou com o resultado que já
conhecemos: o NÃO venceu. Isso concretiza a afirmação de Rouquié (s/d) sobre as eleições: não são mais do que uma
forma de expressar as relações de força. Assim que a consulta publica apontou
um vencedor, o comitê pelo “NÃO” foi cercado e teve a luz cortada. Porém,
quando os generais começam a abandonar Pinochet – o que é transmitido pela
televisão – as relações de força mudam e o governo cai, aceitando a vitória dos
opositores.
Referências
bibliográficas
Rouquié, Alain. Dictadores,
militares y legitimidad en América Latina. Revista Crítica e Utopia,
N. 5.
GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América
Latina. (Pósfacio – Sete anos despois) 25ª edição. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1987 [1976].
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