segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Resenha do filme “NO” (Diretor: Pablo Larrain)

Em 1988 foi realizada uma consulta popular sobre a continuidade do general Augusto Pinochet no poder do Chile. Parte da oposição ao ditador enxergou a votação como a única forma de encerrar a ditadura chilena, marcada por um longo período de perseguição política, desaparecimentos, mortes, concentração de poder, suspensão dos direitos fundamentais e por um choque neoliberal – importado - brutal, que deixou 40% da população em péssimas condições econômicas. Pela ótica de René Saavedra, um publicitário chileno, acompanhamos o desenrolar das campanhas pela permanência do general (SIM) ou por sua saída (NÃO).

Logo de início já conhecemos as duas faces do governo pinochetista: de um lado alguns pequenos grupos privilegiados com a “liberdade econômica” e de outro o terror da ditadura, com perseguição a opositores (GALEANO, 1987). Essas faces nos são apresentadas dentro da casa de René, na convivência com sua companheira e filho: enquanto o publicitário tinha uma vida confortável – podendo adquirir até mesmo os últimos lançamentos tecnológicos, como o micro-ondas – sua companheira mora em uma casa de fachada nada pomposa e é presa e agredida inúmeras vezes durante o filme. Todavia, há um componente comum: os dois trabalham para o fim da ditadura, de maneiras diferentes.

A companheira de René era uma militante, que enfrentava os militares na rua. René nos foi apresentado conformado com o regime, posto que, ao ser convidado para a campanha do NÃO apresentou alguma resistência inicial, que em parte se deveu ao chefe – publicitário responsável pela campanha do SIM – e, em parte, pelo terror que a ditadura conseguia transmitir, onde os indignados com o sistema eram tratados como traidores da pátria, exilados em sua própria terra, se tornando cada vez menos dispostos a  se indignar contra a injustiça (GALEANO, 1987).

A campanha pelo SIM era baseada em uma distorção que pretendia fazer entender o governo de Pinochet como um governo legal/legítimo, com menos “aparência” militar. Prova disso é que o publicitário e alguns ministros insistem para que o general aparecesse sem a farda, reforçando uma imagem mais paternal de Pinochet. “Obrigado por nos dar onde morar, presidente!” dizia uma criança na propaganda. Era uma operação mental para atingir a subjetividade social de forma a tornar dominante a ideia de que o regime chileno era legitimo (ROUQUIE, s/d). 

A campanha pelo NÃO apresentou várias dificuldades: havia muitos partidos na oposição, haviam dúvidas sobre retratar ou não a face violenta do regime. Fora o medo de que o outro lado não aceitasse o resultado. Fato é que a campanha pelo NÃO foi “alegre”, com poucas representações do terror instaurado por Pinochet. O objetivo era tornar o NÃO mais tragável, e aqui há várias questões levantadas no próprio filme e que precisam ser debatidas, como: quem era essa gente feliz? o que estavam festejando? era realmente tempo de alegria?, mas que careceriam de mais que o limite de espaço desse texto.

O filme acabou com o resultado que já conhecemos: o NÃO venceu. Isso concretiza a afirmação de Rouquié (s/d) sobre as eleições: não são mais do que uma forma de expressar as relações de força. Assim que a consulta publica apontou um vencedor, o comitê pelo “NÃO” foi cercado e teve a luz cortada. Porém, quando os generais começam a abandonar Pinochet – o que é transmitido pela televisão – as relações de força mudam e o governo cai, aceitando a vitória dos opositores.

 

Referências bibliográficas

Rouquié, Alain. Dictadores, militares y legitimidad en América Latina. Revista Crítica e Utopia, N. 5.  

GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina.  (Pósfacio – Sete anos despois) 25ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987 [1976]. 

 

  

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