segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Resenha de “Sin nombre” (Diretor: Cary Fukunaga)

 

"Sin Nombre" é um filme sensível às adversidades que as pessoas enfrentam para chegar ao norte global. A questão da imigração ilegal é central. As pessoas que se submetem a esse processo colocam suas vidas em risco por semanas ou meses em busca do fictício "sonho americano". O filme narra duas histórias. Uma envolve Sayra, uma jovem hondurenha que se junta ao pai e ao tio em uma viagem pela Guatemala e pelo México com o objetivo de encontrar parentes em Nova Jersey. O outro envolve Willy, apelidado de Casper, um jovem membro de uma gangue do México, que se junta a seu líder e a um recruta de 12 anos para roubar os imigrantes no topo de vagões de carga. Seus caminhos se cruzam. As motivações são diferentes.  A história de Sayra é “clássica”: ela e seus parentes são motivados pela busca por melhores condições de vida em Nova Jersey. Casper, por outro lado, viaja depois de ter matado o líder de sua gangue, fato pelo qual sabe que morrerá. Casper cria um vínculo com Sayra após tê-la salvado de um estupro. O problema dessa união é que ele é um homem condenado, ninguém o protegerá das gangues.

A união dos dois demonstra o quanto as migrações modernas estão fortemente ligadas com a racialização, o colonialismo, a expansão do capitalismo e as decorrentes estruturas de dominação e, principalmente, desigualdades sociais. Além de jogar luz sobre o espectro amplo de fatores que podem levar a migração: trabalho, trânsito, união familiar, causas ambientais, aposentadoria, estudo, aspectos afetivos, gênero, conflitos e guerras (o fator mais latente no filme), entre outros. Devendo ser interpretada sob o prisma de múltiplos aspectos que se conectam, sendo eles o: social, cultural, histórico, geográfico, econômico, entre outros (CAVALCANTI et.al, 2017).

De uma forma ou de outra, ambos acabam caindo na ilusão do "sonho americano". O sonho é chegar aos Estados Unidos. O pesadelo é fazer a jornada para chegar lá. As circunstâncias nas quais os protagonistas se encontravam não eram muito promissoras e Nova Jersey e o Texas acabam representando como um paraíso para onde os protagonistas podem fugir. O filme é sobre a imigração ilegal, porém quase nada de seu tempo de execução acontece dentro das fronteiras dos Estados Unidos. O foco central são os fatores que fazem com que alguns indivíduos corram o risco de encarceramento, deportação – no caso do tio de Sayra – e até a morte – como se sucedeu com o pai da protagonista -  por uma chance de cruzar a fronteira e escapar dos ciclos de pobreza, impotência e violência de gangues, reforçando o papel das consequências da expansão do capitalismo nas migrações.

No caminho as personagens encontram vários locais de apoio aos imigrantes, organizações privadas e instituições voluntárias tornam o projeto migratório um pouco mais fácil. São instituições e organizações que ocuparam o espaço no mercado criado pelo desequilíbrio entre o número de pessoas que pretendem entrar nos países ricos e o número de vistos concedidos para entrada neles, atuando até mesmo no mercado ilegal, promovendo serviços de transporte – como o caso da “tia” de Casper – ou travessia de fronteira além de trabalho para imigrantes sem identidade, falsificação de documentos, casamentos por conveniência, entre outros. Há também instituições voluntárias – como é o caso da Casa de Caridade gerida por freiras no longa – que fornecem orientações, serviços de assistência básica e assessoramento jurídico. Com o tempo e o número de imigrantes que obtém sucesso na viagem, essas entidades vão se tornando mais conhecidas e “tornam-se suportes fundamentais que viabilizam os projetos migratórios, dando origem à concepção de indústria migratória” (CAVALCANTI et.al, 2017).

Há também que se falar da pessoa que espera os imigrantes no fim de sua jornada. A pessoa de quem a protagonista é obrigada a decorar o número de telefone na primeira metade do longa. Ela é a representação das redes migratórias em que as pessoas se apoiam para ganhar acesso a recursos e diminuir possíveis riscos econômicos, sociais e psicológicos do processo migratório, estremecendo as bases individualistas da ideologia capitalista (CAVALCANTI et.al, 2017).

É impossível deixar de citar o pequeno Smiley, com seu sorriso cativante, é o personagem mais assustador, por demonstrar como um efeito poderoso, mesmo hipnótico, a cultura de gangue pode ter sobre os desassistidos. A seus olhos, o Mago – líder da gangue assassinado por Casper no trem – é ​​uma inspiração. A gangue oferece status de colega e ocupa o papel de prestadora de serviços sociais que deveria ser do estado. Para oprimidos e marginalizados, a participação na gangue oferece a oportunidade de ser respeitado mesmo que por meio do medo e da intimidação.

 

Referência

CAVALCANTI, Leonardo, et.al., Dicionário crítico de migrações internacionais. Ed. UnB. Brasília. 2017. (Introdução - Um convite às teorias e conceitos sobre migrações internacionais / Verbetes: Imigrante (imigração) e Indústria das migrações).

 

 

 

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