É
assustador imaginar que em pleno século XXI ainda haja espaço no debate acadêmico
para teorias em que o social aparece como biológico para explicar desigualdades
de renda e desenvolvimento educacional através da composição genética de cada
pessoa, invocando raças “superiores” e “inferiores” (NAVARRO, 2013). É
assustador, porém aconteceu – e acontece – como nos revela o pequeno texto de Navarro
(2013), em que ficou exposto um estudo de Harvard, claramente racista, cheio de
inconsistências metodológicas que defendia uma falsa uniformidade genética para
explicar a pobreza latino-americana. Essa falácia poderia ser desconstruída de
muitas formas, porém, façamos desse momento algo proveitoso, nos debruçando
sobre o filme “Amores Perros” (2000), dirigido por Alejandro González Iñárritu.
O
longa agregou três histórias diferentes envolvendo traição, violências,
diferentes classes sociais e cachorros. Não existiam heróis ou vilões, eram
pessoas normais sofrendo com as consequências das escolhas que faziam,
demonstrando que independente de genética, no fim são nossas escolhas que
realmente importam. Escolher tentar seduzir a esposa do irmão, escolher
abandonar a mulher e filhas para se casar novamente, escolher matar, escolher
cuidar, escolher ajudar, penosamente escolher.
Escolhas
limitadas por classes sociais, obviamente. E a melhor demonstração dessas
limitações impostas por classes são os cachorros: na primeira parte, intitulada
Octavio y Susana, os cachorros são amados como método de fazer dinheiro. Os
animais são colocados para brigar em rinhas sangrentas. São reflexo da
violência que os donos sofriam cotidianamente, apertados em casas pequenas, sem
empregos de qualidade, preocupados com o bem estar de crianças, vivenciando
abusos, em suma, desassistidos. Na segunda parte, o casal Daniel e Valeria,
empresário e modelo, enchem o cachorro de mimos, porque eles não precisam fazer
dinheiro com o cachorro, e mesmo assim, acabam enfiando o cachorro num buraco
(literal e metaforicamente).
A
terceira história é diferente das demais: o Chivo, um caminhante que cuidava de
inúmeros cachorros, estava numa jornada de redenção. Ele é a demonstração pura
e simples de que a vida, pra muito além de expressões do genótipo, é feita de
escolhas: ele escolheu abandonar a família e o emprego, escolheu acreditar em
um mundo melhor, escolheu lutar contra as limitações que lhe foram impostas
depois da prisão – por métodos violentos, mas como julga-lo nas condições que o
cercava? – e, diferentemente das outras duas histórias em que as escolhas
caminharam pra dor e morte, a caminhada de vida de Chivo é ascendente, encaixotando
o argumento do estudo de Harvard.
Referências
NAVARRO, Vicenç, Las teorias
geneticistas de las desigualdades, Público, 15 de agosto de 2013.
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