segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Resenha de “Amores Perros” (Dir. Alejandro González Iñárritu)

 

É assustador imaginar que em pleno século XXI ainda haja espaço no debate acadêmico para teorias em que o social aparece como biológico para explicar desigualdades de renda e desenvolvimento educacional através da composição genética de cada pessoa, invocando raças “superiores” e “inferiores” (NAVARRO, 2013). É assustador, porém aconteceu – e acontece – como nos revela o pequeno texto de Navarro (2013), em que ficou exposto um estudo de Harvard, claramente racista, cheio de inconsistências metodológicas que defendia uma falsa uniformidade genética para explicar a pobreza latino-americana. Essa falácia poderia ser desconstruída de muitas formas, porém, façamos desse momento algo proveitoso, nos debruçando sobre o filme “Amores Perros” (2000), dirigido por Alejandro González Iñárritu.

O longa agregou três histórias diferentes envolvendo traição, violências, diferentes classes sociais e cachorros. Não existiam heróis ou vilões, eram pessoas normais sofrendo com as consequências das escolhas que faziam, demonstrando que independente de genética, no fim são nossas escolhas que realmente importam. Escolher tentar seduzir a esposa do irmão, escolher abandonar a mulher e filhas para se casar novamente, escolher matar, escolher cuidar, escolher ajudar, penosamente escolher.

Escolhas limitadas por classes sociais, obviamente. E a melhor demonstração dessas limitações impostas por classes são os cachorros: na primeira parte, intitulada Octavio y Susana, os cachorros são amados como método de fazer dinheiro. Os animais são colocados para brigar em rinhas sangrentas. São reflexo da violência que os donos sofriam cotidianamente, apertados em casas pequenas, sem empregos de qualidade, preocupados com o bem estar de crianças, vivenciando abusos, em suma, desassistidos. Na segunda parte, o casal Daniel e Valeria, empresário e modelo, enchem o cachorro de mimos, porque eles não precisam fazer dinheiro com o cachorro, e mesmo assim, acabam enfiando o cachorro num buraco (literal e metaforicamente).

A terceira história é diferente das demais: o Chivo, um caminhante que cuidava de inúmeros cachorros, estava numa jornada de redenção. Ele é a demonstração pura e simples de que a vida, pra muito além de expressões do genótipo, é feita de escolhas: ele escolheu abandonar a família e o emprego, escolheu acreditar em um mundo melhor, escolheu lutar contra as limitações que lhe foram impostas depois da prisão – por métodos violentos, mas como julga-lo nas condições que o cercava? – e, diferentemente das outras duas histórias em que as escolhas caminharam pra dor e morte, a caminhada de vida de Chivo é ascendente, encaixotando o argumento do estudo de Harvard.

 

Referências

NAVARRO, Vicenç, Las teorias geneticistas de las desigualdades, Público, 15 de agosto de 2013.

 

 

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