SANTOS, Carlos Alexandre B. Plínio dos. “As comunidades negras rurais nas ciências sociais no Brasil: de Nina Rodrigues à era dos programas de pós-graduação em antropologia”, Anuário Antropológico. V.40 n.1, 2015. [Online] (Pp.75-106).
Lendo os dois textos, prefiro resenhar o primeiro, do prof. Carlos Alexandre dos Santos, por preferir a forma como o autor escolheu para sintetizar sua bibliografia.
No texto há um mapeamento do que já foi produzido sobre o negro em 4 períodos historicamente diferenciados, sendo eles respectivamente: histórico, carismático, burocrático e dos estudos rurais.
O primeiro período compreende a segunda metade do século XIX até às primeiras décadas do século XX. É marcado por uma produção pautada no determinismo racial, partindo de uma concepção evolucionista muito influenciada pelas ciências naturais para tentar responder questões sociais latentes (criminalidade e mestiçagem). É um período em que os pesquisadores olhavam para os negros tentando encontrar o motivo para problemas que afligiam especialmente os brancos, resultando num etnocentrismo cheio de lacunas, característica da maioria dos estudos com teor determinista.
O período carismático compreende basicamente o período dos governos Vargas, marcados por um movimento de reescrita da história e das teorias sobre o Brasil. É nessa fase que o país se torna uma vitrine internacional da "democracia racial", mito que afirmava não haver racismo no Brasil. Os estudos deixaram o paradigma evolucionista e passaram a utilizar o conceito de estrutura, apoiando as teses defendidas pelos autores em estudos empíricos com foco no que ficou conhecido como "problema racial". Se no período anterior a produção acadêmica se preocupou com encontrar as raízes dos problemas dos brancos, aqui a ideia central era esconder os problemas.
Como reflexo do período carismático e da crítica a democracia racial que marcou o seu fim, organizações internacionais passaram a investir em estudos sobre a real integração do negro na sociedade ocidental. Buscando justificar uma integração parcial constatada em diversos estudos, foi criado o paradigma da aculturação, que via o apagamento das raízes dos não brancos ao participarem da vida em sociedade. Foi importante para a época por denunciar uma série de atos empreendidos pela ditadura militar no campo e nas cidades, atropelando os "indesejados". O problema da aculturação, denunciado anos mais tarde, é justamente deixar de notar a resistência na vida cotidiana de inúmeras comunidades negras espalhadas pelo país.
E, por fim, o período dos estudos rurais, no qual ainda nos encontramos, quando viramos a chave do paradigma da aculturação e passamos a olhar as inúmeras comunidades negras (no campo e na cidade) como remanescentes de quilombo. Nessa fase, houve um destaque maior para as comunidades rurais até então sem muita atenção dos pesquisadores. É a fase de expansão dos programas de pós-graduação em Antropologia pelo país, levando as inquietações próprias dessa área de conhecimento para "os sertões". É importante dizer também que é nessa fase que os interlocutores de pesquisa passam a ocupar espaços da academia trazendo novas indagações à primazia branca e ocidental do fazer científico.
Já expus muito do que penso ao longo da resenha, mas - para encerrar - gostaria de acrescentar que esse texto me deu uma ideia para uma pós graduação: estudar a função social dos "papéis da terra", como foi a inserção e a construção da propriedade ocidental entre os Kalunga na margem do Prata para que em 2021, mesmo moradores que não dominam a leitura, estejam discutindo qual o melhor modelo de titulação e exigindo os "papéis da terra". Me parece que há fases de desenvolvimento dessa história recente de interação formal entre a comunidade e os órgãos de gestão fundiária do Estado e da União.
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