O conceito de poder em Maquiavel
“O Príncipe” é um manual de conduta para aqueles que ocupam altos cargos ou para os que cobiçam esses cargos. O livro inicia-se apresentando as formas de alcançar o poder, que são: a sorte (fortuna) ou o mérito. A alternância entre as formas citadas caracteriza regimes mistos. É por vezes repetido que o cargo alcançado pela sorte é mais difícil de se manter que o alçado pelo mérito, e para manter-se no poder, para manter o regime, tudo se torna válido (MAQUIAVEL, 1469;1527, p.05-19).
A ideia que domina a escrita do autor é a de que os fins justificam os meios, logo a mentira, a injúria e a violência (modo de combater dos animais) são aceitas e por vezes citadas como formas de chegar ao poder e garantir continuidade. É colocada até mesmo a possibilidade de aniquilar todos os moradores de uma região e povoá-la com adeptos do regime do dominador (MAQUIAVEL, 1469;1527, p.24-89)
Com um uso hábil da história “magistra vitae”, ou seja, da história exemplar, cíclica, com uma perspectiva pedagógica, o escritor quatrocentista monta uma abordagem qualitativa sobre o estado, o poder, a ética, o conflito, em síntese, sobre a política. Mas não é isso que faz de “O Príncipe” uma obra ímpar, e sim o fato de que Maquiavel abandona a visão idealista, do “dever ser”, e parte para a trilha realista, do “ser”.
Antes de Maquiavel e do movimento renascentista, o pensamento político medieval, oriundo dos escritos de St. Agostinho, era baseado na autoridade cristã que partia da alegação de um poder espiritual, que pertencia a Igreja e o transferiu temporariamente aos reis, para que salvasse as almas dos seus súditos edificando o reino de Deus na terra. Outra questão era a moralidade cristã que orientava a ideia de “bem comum” e tinha o soberano como um exemplo a ser seguido. Ou seja, idealizava-se o governo, “devia ser” como descrito.
O autor rompe essa linha de pensamento garantindo um tom real a sua narrativa de política. Esse tom parte do pressuposto de que todo homem deve ser visto como um egoísta que vai agir sempre de modo a beneficiar a si mesmo (característica do realismo político), em uma busca contínua pelo poder e sua manutenção. Dessa forma a moral da política não pode mais se basear na moral cristã, a ética política é única, pois tudo se justifica, de omissões a massacres, para o bem do estado, para a continuidade deste. O poder passa a ser material, em oposição ao poder moral. Não é a bondade ou a moralidade que assegura a ordem e a vida dos indivíduos, a submissão e a obediência sim. Em suma, a política para Maquiavel situa-se na continuidade do regime e tem seus próprios parâmetros, porque no fim é a história que irá julgar as ações políticas. (MAQUIAVEL, 1469;1527, p. 05-129)
A astúcia e a violência são paralelos à ideia de poder em “O Príncipe” de Maquiavel. Tendo a discordar de Maquiavel não por princípios morais ou éticos, mas pelo fato parecer ignorar a existência de poderes marginais, descentralizados. Nesse sentido, tenho maior convergência com a linha foucaultiana, onde o poder não é mais algo visível, com certa autonomia, associado ao conhecimento e está presente em toda parte.
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