Teoria Sociológica I
Discentes: Francisco Sousa (Matrícula: 190045809) e Laura Borges (Matrícula: 180104608)
ATIVIDADE FINAL
QUESTÃO 01.
Em seu diagnóstico do que é peculiar à modernidade ocidental, Weber sustenta que a sociedade abriga um grau historicamente desconhecido de racionalização da conduta nos mais diversos setores da vida humana. Na esfera econômica, por exemplo, a forma moderna de capitalismo envolve a disciplina racional do trabalho e a organização racional da produção com vistas ao lucro tomado como um fim em si próprio.
Um dos pilares estruturais do capitalismo ocidental-moderno foi uma forma pouco maleável de conduta racional-valorativa de vida: a ética da vocação do protestantismo ascético. A história do capitalismo moderno é marcada pela expansão de escopo da ação racional-instrumental e, paralelamente, pelo encolhimento do alcance da ação racional-valorativa, características evidentes na continuação da citação apresentada na questão:
“No que a ascese se pôs a transformar o mundo e a produzir no mundo os seus efeitos, os bens exteriores deste mundo ganharam poder crescente e por fim irresistível sobre os seres humanos como nunca antes na história. Hoje seu espírito safou-se dessa crosta. O capitalismo vitorioso, desde quando se apóia em bases mecânicas, não precisa mais desse arrimo. Também a rósea galhardia de sua risonha herdeira, a Ilustração, parece definitivamente fadada a empalidecer, e a ideia do ‘dever profissional’ ronda nossa vida como um fantasma das crenças religiosas de outrora” (WEBER, 2004: 165).
Para, então, responder a questão sobre como o estímulo psicológico se relaciona com o desenvolvimento do capitalismo moderno precisamos jogar luz sobre a importância que Weber confere aos afetos como motores subjetivos da conduta humana, ilustrada, em A ética protestante e o espírito do capitalismo (2004) com as experiências de “solidão interior” (p.95) e angústia diante da incerteza quanto à própria salvação levaram fiéis protestantes a uma práxis religiosamente motivada, balizando a racionalização da atividade econômica no alvorecer do capitalismo ocidental moderno. Entre as regras éticas da doutrina de um lado, e a conduta prática dos fiéis de outro, intervieram o que Weber chama de “motivações”, “prêmios” ou “estímulos psicológicos”:
“não nos importa aquilo que era ensinado teórica e oficialmente nos compêndios éticos da época mas antes rastrear estímulos psicológicos que davam a direção da conduta de vida e mantinham o indivíduo ligado nela” (WEBER, 2004: 89).
A pressão emocional pela busca de sinais comprobatórios da própria salvação, uma consequência da doutrina da predestinação, teve como efeito prático um “ascetismo intramundano” que servia à dissipação das dúvidas quanto ao destino incerto, permitindo ao capitalismo ocidental moderno um passo largo rumo a racionalização geral alimentada por estímulos psicológicos particulares.
QUESTÃO 02.
Anteriormente à metodologia desenvolvida pelos marxistas, a concepção aceita para a análise dos processos históricos era a formulada por Hegel, onde a manifestação da razão ditava os processos sociais, que eram frutos de um processo de auto-sucessão advindo do conflito inerente a esta. Para Hegel, a unidade dialética era o que determinava os fatos, ou seja, a relação oposta entre totalidade e individualidade era o que tornava compreensível a conceituação dos fenômenos e o que constituía a vida social.
Nessa dinâmica, entendida conceitualmente como ótica da dialética, o sujeito é entendido como transitório ao encontrar-se inerente a essa dinâmica de autosucessão das ordens sociais, mas ao mesmo tempo é quem possui o entendimento que vai além da observação passiva dos fatos. No entanto, segundo Hegel, o ser humano era entendido dentro deste processo como prisioneiro de uma consciência alienada, e só seria livre após a tomada da autoconsciência por meio da razão. A história da humanidade consistiria então, nesse processo onde a razão causa a recuperação da consciência.
Ludwig Feuerbach - pensador neo-hegeliano cujo Marx e Engels costuraram fortes críticas - entendia que a alienação do indivíduo tinha suas raízes na religião, instituição que, embora criada pelo próprio homem, os colocava em uma posição de dependência e inferioridade. Essa teoria, fundamento do materialismo dialético, acreditava que a consciência humana apenas seria liberta com a crítica religiosa, de modo a desarticular a influência exercida pela Igreja.
Para Marx, por outro lado, essa alienação advém da instituição da propriedade privada e está ligada às condições materiais de vida. A razão, na teoria marxista, consistiria não apenas num instrumento de aferição da realidade - ela também atuaria na construção social de justiça. A tomada da consciência, na sociedade política, seria feita por meio da ação política, onde o processo de transformação da ordem social liderada pelo proletariado seria o que libertaria os indivíduos da dita consciência alienada.
Marx e Engels articularam a teoria marxista de modo a argumentar contra as teses de Feuerbach por meio de uma visão histórica do materialismo dialético. Segundo os autores, o mundo não seria apenas um objeto de contemplação, como admitia Feuerbach, mas sim um produto da ação humana que se transforma através de forças revolucionárias. A metodologia marxista de análise da vida social objetivaria, então, compreender as leis intrínsecas aos fenômenos sociais de transformação - e seria denominado materialismo histórico-dialético. Em síntese, o ponto de partida da análise a partir desse método seria as condições materiais de existência (já existentes ou criadas pelos indivíduos), que delimitariam as relações materiais estabelecidas pelo modo de produção.
“A forma como os indivíduos manifestam sua vida reflete muito exatamente aquilo que são. O que são coincide, portanto, com a sua produção, isto é, tanto com aquilo que produzem, como com a forma como produzem. Aquilo que os indivíduos são depende, portanto, das condições materiais de sua produção.” (MARX & ENGELS, 1976, p.19)
O modo de produção condiciona os processos sociais a partir da consciência dos sujeitos determinada pelo ser social. Ao atingir um determinado estágio de desenvolvimento, as forças produtivas presentes em uma sociedade entram em choque/contradição com as relações de produção vigentes, deixando de ser motores do desenvolvimento das forças produtivas e se tornando obstáculos. Nesse contexto de conflito de classes, abre-se espaço para a revolução social, motor da história.
“As formas econômicas sob as quais os homens produzem, consomem e trocam são transitórias e históricas. Ao adquirir novas forças produtivas, os homens mudam seu modo de produção, e com o modo de produção mudam as relações econômicas, que não eram mais que as relações necessárias daquele modo concreto de produção... as categorias econômicas não são mais que abstrações destas relações reais e são verdades unicamente enquanto essas relações subsistem.” (MARX, 1975, p. 472-475)
Partindo para as contribuições de Durkheim para a metodologia das Ciências Sociais, podemos afirmar que, além de prover fortes contribuições para a antropologia francesa, o autor foi o pilar fundamental da consolidação da Sociologia enquanto ciência que se utiliza de um método, tal qual as ciências naturais. Influenciado por correntes como o darwinismo e a filosofia racionalista de Immanuel Kant, Durkheim acreditava que, como um organismo vivo, a sociedade era regida de uma forma orgânica e coesa. O funcionalismo, compreendido por Durkheim como a forma que se dá a organização de uma sociedade, entendia que em um corpo social, cada parte contribui para a formação do todo, garantindo assim sua estabilidade e coesão.
Com isso, entendemos a teoria funcionalista como uma visão sistêmica da organização social: cada indivíduo ou grupo de indivíduos, assim, possui uma função social, ou seja, uma atividade que se mostra fundamental para o funcionamento do todo, bem como um organismo vivo - comparação utilizada pelos funcionalistas para demonstrar o paradoxo entre vida social e vida orgânica. Durkheim entendia a Sociologia como a ciência das instituições e das estruturas, bem como o campo do saber que compreenderia o seu funcionamento. Portanto, as estruturas e as funções sociais não seriam componentes isolados; o não funcionamento de uma função social compromete a coesão social, podendo vir a gerar o que Durkheim entendia por anomalias.
O objeto de estudo da Sociologia enquanto ciência que se utiliza do método funcionalista seria os fatos sociais, entendendo-os como maneiras gerais/coletivas de pensar, agir e sentir que são externas aos indivíduos, impondo-se de maneira coercitiva. Os fatos sociais são causados apenas por outros fatos sociais e se diferem dos fenômenos psíquicos e orgânicos. O fato social seria algo que exerceria uma espécie de influência - ou até autoridade - nas ações, pensamentos e sentimentos dos indivíduos, o que levaria a formulação de uma consciência coletiva social.
Porém, para alcançar o entendimento dos fatos sociais, era preciso que o cientista seguisse regras rigorosas a fim de garantir a objetividade científica. Buscando inspiração nas ciências duras/exatas, Durkheim define os pilares da análise dos fatos sociais: primeiro, seria necessário tratá-los como coisas (com existência objetiva), externas ao indivíduo, ou seja, além de classificá-los nesta ou naquela categoria do real; ao tratar os fatos como coisas, seria possível observar diante deles uma certa atitude mental coletiva, abandonando as representações que fizemos eventualmente deles ao longo da vida (abandonando a subjetividade, as prenoções, os maniqueísmos e o senso comum).
Essa consciência coletiva escancara o cerne do pensamento durkheimiano: para o autor, a vida social encontra-se no todo, e não nas partes. A sociedade, mais do que a soma dos indivíduos que a compõem, seria a síntese de suas ações e sentimentos particulares. Essa síntese seria o que daria vida à consciência exterior, desprendida da consciência individual, e é nessa consciência coletiva que encontramos os fundamentos dos fatos sociais.
A aplicação desse método pode ser encontrada na obra O Suicídio, onde Durkheim estudou o suicídio para demonstar, dentro dessa definição particular de ciência, que sobre esse fato social há uma determinação social, externa ao indivíduo. Sua hipótese é que a soma dos suicídios em uma sociedade deve ser tratada como um fato que somente pode ser explicado em sua totalidade pela sociologia, não por motivações pessoais dos atos de autodestruição. Sua unidade de análise é a sociedade e não o indivíduo.
Por fim, podemos identificar as fortes contribuições de Max Weber para a construção das abordagens metodológicas das Ciências Sociais. Com sua teoria compreensiva, Weber busca compreender os aspectos profundos que um fenômeno social possui, levando o nível da análise para além de seus aspectos exteriores. Para isso, o autor observa os tipos ideais, que seriam uma espécie de conjunto de conceitos onde características desses fenômenos sociais seriam descritas e enfatizadas.
O objetivo da análise dos tipos ideais, juntamente à defesa de uma neutralidade axiológica, seria a busca por uma objetividade maior nas Ciências Sociais. Para Weber, o cientista social deveria manter certo distanciamento de valores de sua análise; por mais que seja de entendimento comum que não seria possível atingir uma neutralidade absoluta na ciência, o investigador deveria se esforçar para separar suas crenças - não completamente - de sua pesquisa.
O objeto das Ciências Sociais, na metodologia weberiana, seria compreender a relação de sentido entre as ações sociais. Opondo-se à metodologia utilizada nas ciências naturais, Weber explica que as ações e relações sociais não poderiam ser explicadas por uma mera relação de causa e efeito. A partir disso, o autor desenvolve sua metodologia compreensiva buscando captar os sentidos intrínsecos às ações sociais.
“(...) Deve-se entender por sociologia (no sentido aqui aceito desta palavra, empregada com tão diversos significados): uma ciência que pretende entender, interpretando-a, a ação social para, desta maneira, explicá-la causalmente em seu desenvolvimento e efeitos. Por "ação" deve-se entender uma conduta humana (que pode consistir num ato externo ou interno; numa condição ou numa permissão) sempre que o sujeito ou os sujeitos da ação envolvam-na de um sentido subjetivo. A "ação social", portanto, é uma ação em que o sentido indicado por seu sujeito, ou sujeitos, refere-se à conduta de outros, orientando-se por esta em seu desenvolvimento. (WEBER, 1969, I, 5)”
Os tipos ideais, instrumentos conceituados por Weber para compreender a realidade sem necessariamente fazer parte dela, trabalham como uma espécie de ferramenta de análise da realidade empírica das ações sociais - não do curso da ação em si, mas sim a possibilidade de um desenvolvimento racional ideal:
“O método científico que consiste na construção de tipos, investiga e expõe todas as conexões de sentido irracionais, afetivamente condicionadas, do comportamento que influem na ação, como "desvios" de um desenvolvimento da mesma, "construído" como puramente racional segundo fins determinados. (...) A construção de uma ação rigorosamente racional segundo fins determinados serve nestes casos à sociologia - em razão de sua evidente inteligibilidade e (enquanto racional) de sua univocidade - como um tipo (tipo ideal), mediante o qual se pode compreender a ação real, influenciada por irracionalidades de toda espécie (emoções, erros), como um desvio do desenvolvimento esperado da ação racional.” (WEBER, 1969, I, 7)
Referências
DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. São Paulo, Ed. Nacional, 1966
DURKHEIM, Émile. O Suicídio. Rio de Janeiro, Zahar, 1982. (Introdução, Livro II, Cap. I, II e III).
MARX, K. Carta a Annenkov, 28/12/1846. In: MARX, K.; ENGELS, F. Obras escogidas de Marx y Engels. Madrid: Fundamentos, 1975. 2 V.
MARX, Karl, O Capital - Livro 1. São Paulo, Boitempo, 2011
MARX, K. e ENGELS, F. A Ideologia Alemã. São Paulo, Martins Fontes, 2001
QUINTANEIRO, Tania, BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira, OLIVEIRA, Márcia Gardênia. Um toque de clássicos: Marx, Durkheim e Weber. Belo Horizonte, Ed. UFMG, 2002.
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo. Companhia das Letras, 2004.
WEBER, Max. Economia y sociedad. México. Fondo de Cultura Económica, 1969.
WEBER, Max. Metodologia das Ciências Sociais. M. Weber - Campinas, Ed. Cortez/Unicamp, 1992, Vol. 1 e 2.