terça-feira, 12 de julho de 2022

Teoria Sociológica I - ATIVIDADE FINAL

Teoria Sociológica I  

Discentes: Francisco Sousa (Matrícula: 190045809) e Laura Borges (Matrícula: 180104608)

 

ATIVIDADE FINAL

 

QUESTÃO 01. 

 

Em seu diagnóstico do que é peculiar à modernidade ocidental, Weber sustenta que a sociedade abriga um grau historicamente desconhecido de racionalização da conduta nos mais diversos setores da vida humana. Na esfera econômica, por exemplo, a forma moderna de capitalismo envolve a disciplina racional do trabalho e a organização racional da produção com vistas ao lucro tomado como um fim em si próprio.

Um dos pilares estruturais do capitalismo ocidental-moderno foi uma forma pouco maleável de conduta racional-valorativa de vida: a ética da vocação do protestantismo ascético. A história do capitalismo moderno é marcada pela expansão de escopo da ação racional-instrumental e, paralelamente, pelo encolhimento do alcance da ação racional-valorativa, características evidentes na continuação da citação apresentada na questão: 

 

“No que a ascese se pôs a transformar o mundo e a produzir no mundo os seus efeitos, os bens exteriores deste mundo ganharam poder crescente e por fim irresistível sobre os seres humanos como nunca antes na história. Hoje seu espírito safou-se dessa crosta. O capitalismo vitorioso, desde quando se apóia em bases mecânicas, não precisa mais desse arrimo. Também a rósea galhardia de sua risonha herdeira, a Ilustração, parece definitivamente fadada a empalidecer, e a ideia do ‘dever profissional’ ronda nossa vida como um fantasma das crenças religiosas de outrora” (WEBER, 2004: 165).

 

Para, então, responder a questão sobre como o estímulo psicológico se relaciona com o desenvolvimento do capitalismo moderno precisamos jogar luz sobre a importância que Weber confere aos afetos como motores subjetivos da conduta humana, ilustrada, em A ética protestante e o espírito do capitalismo (2004) com as experiências de “solidão interior” (p.95) e angústia diante da incerteza quanto à própria salvação levaram fiéis protestantes a uma práxis religiosamente motivada, balizando a racionalização da atividade econômica no alvorecer do capitalismo ocidental moderno. Entre as regras éticas da doutrina de um lado, e a conduta prática dos fiéis de outro, intervieram o que Weber chama de “motivações”, “prêmios” ou “estímulos psicológicos”:

 

“não nos importa aquilo que era ensinado teórica e oficialmente nos compêndios éticos da época mas antes rastrear estímulos psicológicos que davam a direção da conduta de vida e mantinham o indivíduo ligado nela” (WEBER, 2004: 89).

 

A pressão emocional pela busca de sinais comprobatórios da própria salvação, uma consequência da doutrina da predestinação, teve como efeito prático um “ascetismo intramundano” que servia à dissipação das dúvidas quanto ao destino incerto, permitindo ao capitalismo ocidental moderno um passo largo rumo a racionalização geral alimentada por estímulos psicológicos particulares. 

 

QUESTÃO 02. 

 

Anteriormente à metodologia desenvolvida pelos marxistas, a concepção aceita para a análise dos processos históricos era a formulada por Hegel, onde a manifestação da razão ditava os processos sociais, que eram frutos de um processo de auto-sucessão advindo do conflito inerente a esta. Para Hegel, a unidade dialética era o que determinava os fatos, ou seja, a relação oposta entre totalidade e individualidade era o que tornava compreensível a conceituação dos fenômenos e o que constituía a vida social. 

Nessa dinâmica, entendida conceitualmente como ótica da dialética, o sujeito é entendido como transitório ao encontrar-se inerente a essa dinâmica de autosucessão das ordens sociais, mas ao mesmo tempo é quem possui o entendimento que vai além da observação passiva dos fatos. No entanto, segundo Hegel, o ser humano era entendido dentro deste processo como prisioneiro de uma consciência alienada, e só seria livre após a tomada da autoconsciência por meio da razão. A história da humanidade consistiria então, nesse processo onde a razão causa a recuperação da consciência.

Ludwig Feuerbach - pensador neo-hegeliano cujo Marx e Engels costuraram fortes críticas - entendia que a alienação do indivíduo tinha suas raízes na religião, instituição que, embora criada pelo próprio homem, os colocava em uma posição de dependência e inferioridade. Essa teoria, fundamento do materialismo dialético, acreditava que a consciência humana apenas seria liberta com a crítica religiosa, de modo a desarticular a influência exercida pela Igreja. 

Para Marx, por outro lado, essa alienação advém da instituição da propriedade privada e está ligada às condições materiais de vida. A razão, na teoria marxista, consistiria não apenas num instrumento de aferição da realidade - ela também atuaria na construção social de justiça. A tomada da consciência, na sociedade política, seria feita por meio da ação política, onde o processo de transformação da ordem social liderada pelo proletariado seria o que libertaria os indivíduos da dita consciência alienada.

Marx e Engels articularam a teoria marxista de modo a argumentar contra as teses de Feuerbach por meio de uma visão histórica do materialismo dialético. Segundo os autores, o mundo não seria apenas um objeto de contemplação, como admitia Feuerbach, mas sim um produto da ação humana que se transforma através de forças revolucionárias. A metodologia marxista de análise da vida social objetivaria, então, compreender as leis intrínsecas aos fenômenos sociais de transformação - e seria denominado materialismo histórico-dialético. Em síntese, o ponto de partida da análise a partir desse método seria as condições materiais de existência (já existentes ou criadas pelos indivíduos), que delimitariam as relações materiais estabelecidas pelo modo de produção. 


“A  forma  como  os  indivíduos  manifestam sua vida reflete muito exatamente aquilo que são. O que são coincide, portanto, com a  sua  produção,  isto  é,  tanto  com  aquilo  que  produzem,  como  com  a  forma  como produzem. Aquilo que os indivíduos são depende, portanto, das condições materiais de sua produção.” (MARX & ENGELS, 1976, p.19)

 

O modo de produção condiciona os processos sociais a partir da consciência dos sujeitos determinada pelo ser social. Ao atingir um determinado estágio de desenvolvimento, as forças produtivas presentes em uma sociedade entram em choque/contradição com as relações de produção vigentes, deixando de ser motores do desenvolvimento das forças produtivas e se tornando obstáculos. Nesse contexto de conflito de classes, abre-se espaço para a revolução social, motor da história.  

 

“As  formas econômicas sob as quais os  homens produzem,  consomem e trocam são transitórias e históricas. Ao adquirir novas forças produtivas, os homens mudam seu modo de produção, e com o modo de produção mudam as relações econômicas, que não eram mais que as relações necessárias daquele modo concreto de produção... as categorias  econômicas  não  são  mais  que  abstrações  destas  relações  reais  e  são verdades unicamente enquanto essas relações subsistem.” (MARX, 1975, p. 472-475)

Partindo para as contribuições de Durkheim para a metodologia das Ciências Sociais, podemos afirmar que, além de prover fortes contribuições para a antropologia francesa, o autor foi o pilar fundamental da consolidação da Sociologia enquanto ciência que se utiliza de um método, tal qual as ciências naturais. Influenciado por correntes como o darwinismo e a filosofia racionalista de Immanuel Kant, Durkheim acreditava que, como um organismo vivo, a sociedade era regida de uma forma orgânica e coesa. O funcionalismo, compreendido por Durkheim como a forma que se dá a organização de uma sociedade, entendia que em um corpo social, cada parte contribui para a formação do todo, garantindo assim sua estabilidade e coesão. 

Com isso, entendemos a teoria funcionalista como uma visão sistêmica da organização social: cada indivíduo ou grupo de indivíduos, assim, possui uma função social, ou seja, uma atividade que se mostra fundamental para o funcionamento do todo, bem como um organismo vivo - comparação utilizada pelos funcionalistas para demonstrar o paradoxo entre vida social e vida orgânica. Durkheim entendia a Sociologia como a ciência das instituições e das estruturas, bem como o campo do saber que compreenderia o seu funcionamento. Portanto, as estruturas e as funções sociais não seriam componentes isolados; o não funcionamento de uma função social compromete a coesão social, podendo vir a gerar o que Durkheim entendia por anomalias.

O objeto de estudo da Sociologia enquanto ciência que se utiliza do método funcionalista seria os fatos sociais, entendendo-os como maneiras gerais/coletivas de pensar, agir e sentir que são externas aos indivíduos, impondo-se de maneira coercitiva. Os fatos sociais são causados apenas por outros fatos sociais e se diferem dos fenômenos psíquicos e orgânicos. O fato social seria algo que exerceria uma espécie de influência - ou até autoridade - nas ações, pensamentos e sentimentos dos indivíduos, o que levaria a formulação de uma consciência coletiva social. 

Porém, para alcançar o entendimento dos fatos sociais, era preciso que o cientista seguisse regras rigorosas a fim de garantir a objetividade científica. Buscando inspiração nas ciências duras/exatas, Durkheim define os pilares da análise dos fatos sociais: primeiro, seria necessário tratá-los como coisas (com existência objetiva), externas ao indivíduo, ou seja, além de classificá-los nesta ou naquela categoria do real; ao tratar os fatos como coisas, seria possível observar diante deles uma certa atitude mental coletiva, abandonando as representações que fizemos eventualmente deles ao longo da vida (abandonando a subjetividade, as prenoções, os maniqueísmos e o senso comum). 

Essa consciência coletiva escancara o cerne do pensamento durkheimiano: para o autor, a vida social encontra-se no todo, e não nas partes. A sociedade, mais do que a soma dos indivíduos que a compõem, seria a síntese de suas ações e sentimentos particulares. Essa síntese seria o que daria vida à consciência exterior, desprendida da consciência individual, e é nessa consciência coletiva que encontramos os fundamentos dos fatos sociais. 

A aplicação desse método pode ser encontrada na obra O Suicídio, onde Durkheim estudou o suicídio para demonstar,  dentro dessa definição particular de ciência, que sobre esse fato social há uma determinação social, externa ao indivíduo. Sua hipótese é que a soma dos suicídios em uma sociedade deve ser tratada como um fato que somente pode ser explicado em sua totalidade pela sociologia, não por motivações pessoais dos atos de autodestruição. Sua unidade de análise é a sociedade e não o indivíduo.

Por fim, podemos identificar as fortes contribuições de Max Weber para a construção das abordagens metodológicas das Ciências Sociais. Com sua teoria compreensiva, Weber busca compreender os aspectos profundos que um fenômeno social possui, levando o nível da análise para além de seus aspectos exteriores. Para isso, o autor observa os tipos ideais, que seriam uma espécie de conjunto de conceitos onde características desses fenômenos sociais seriam descritas e enfatizadas. 

O objetivo da análise dos tipos ideais, juntamente à defesa de uma neutralidade axiológica, seria a busca por uma objetividade maior nas Ciências Sociais. Para Weber, o cientista social deveria manter certo distanciamento de valores de sua análise; por mais que seja de entendimento comum que não seria possível atingir uma neutralidade absoluta na ciência, o investigador deveria se esforçar para separar suas crenças - não completamente - de sua pesquisa.

O objeto das Ciências Sociais, na metodologia weberiana, seria compreender a relação de sentido entre as ações sociais. Opondo-se à metodologia utilizada nas ciências naturais, Weber explica que as ações e relações sociais não poderiam ser explicadas por uma mera relação de causa e efeito. A partir disso, o autor desenvolve sua metodologia compreensiva buscando captar os sentidos intrínsecos às ações sociais. 

“(...) Deve-se entender por sociologia (no sentido aqui aceito desta palavra, empregada com tão diversos significados): uma ciência que pretende entender, interpretando-a, a ação social para, desta maneira, explicá-la causalmente em seu desenvolvimento e efeitos. Por "ação" deve-se entender uma conduta humana (que pode consistir num ato externo ou interno; numa condição ou numa permissão) sempre que o sujeito ou os sujeitos da ação envolvam-na de um sentido subjetivo. A "ação social", portanto, é uma ação em que o sentido indicado por seu sujeito, ou sujeitos, refere-se à conduta de outros, orientando-se por esta em seu desenvolvimento. (WEBER, 1969, I, 5)”

Os tipos ideais, instrumentos conceituados por Weber para compreender a realidade sem necessariamente fazer parte dela, trabalham como uma espécie de ferramenta de análise da realidade empírica das ações sociais - não do curso da ação em si, mas sim a possibilidade de um desenvolvimento racional ideal:

“O método científico que consiste na construção de tipos, investiga e expõe todas as conexões de sentido irracionais, afetivamente condicionadas, do comportamento que influem na ação, como "desvios" de um desenvolvimento da mesma, "construído" como puramente racional segundo fins determinados. (...) A construção de uma ação rigorosamente racional segundo fins determinados serve nestes casos à sociologia - em razão de sua evidente inteligibilidade e (enquanto racional) de sua univocidade - como um tipo (tipo ideal), mediante o qual se pode compreender a ação real, influenciada por irracionalidades de toda espécie (emoções, erros), como um desvio do desenvolvimento esperado da ação racional.” (WEBER, 1969, I, 7)

 

 

Referências

 

DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. São Paulo, Ed. Nacional, 1966

DURKHEIM, Émile. O Suicídio. Rio de Janeiro, Zahar, 1982. (Introdução, Livro II, Cap. I, II e III).

MARX, K. Carta a Annenkov, 28/12/1846. In: MARX, K.; ENGELS, F. Obras escogidas de Marx y Engels. Madrid: Fundamentos, 1975. 2 V. 

MARX, Karl, O Capital -  Livro 1. São Paulo, Boitempo, 2011

MARX, K. e ENGELS, F. A Ideologia Alemã. São Paulo, Martins Fontes, 2001 

QUINTANEIRO, Tania, BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira, OLIVEIRA, Márcia Gardênia. Um toque de clássicos: Marx, Durkheim e Weber. Belo Horizonte, Ed. UFMG, 2002.

WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo. Companhia das Letras, 2004. 

WEBER, Max. Economia y sociedad. México. Fondo de Cultura Económica, 1969.

WEBER, Max. Metodologia das Ciências Sociais. M. Weber - Campinas, Ed. Cortez/Unicamp, 1992, Vol. 1 e 2.


NOTAS SOBRE UM ANIVERSÁRIO PARA O QUILOMBO KALUNGA

 NOTAS SOBRE UM ANIVERSÁRIO PARA O QUILOMBO KALUNGA


Francisco Octávio Bittencourt de Sousa


Antes de qualquer coisa, é importante destacar que o que há nesse texto são apenas sugestões de um pesquisador interessado na história fundiária desse país e na obtenção da cidadania pela terra. Dessa forma, as observações feitas são de tom ensaístico e propositivo, apoiadas sobre os estudos que realizei nos últimos dois anos a respeito da grilagem de terras em um fragmento do território Kalunga, o imóvel Bonito. Para tal estudo foi necessária uma rigorosa revisão bibliográfica a partir da qual teço meus comentários. 

A comemoração de um aniversário é dividir conquistas e alegrias com outras pessoas, fortalecendo a rede de relações que cultivamos. Além disso, na celebração é comum recordar o que se tem e traçar planos sobre o que se quer alcançar. Isso para além da demarcação temporal de existência. 

O aniversário de uma pessoa é simples de ser definido, trata-se da data de nascimento que consta nos registros de nascimento, batismo etc. O aniversário de uma organização já pode variar um pouco, tendo marcos temporais simbólicos e oficiais, registrados - por exemplo - no momento de regularização da entidade. 

Um evento que se prolonga ao longo do tempo também gera alguma confusão para a definição de um aniversário. Nesses casos, normalmente se apela para a data de começo ou fim, também registrada em algum tipo de documento: um jornal, um panfleto, uma lei etc. Ou seja, os aniversários aparentam ter, na maioria dos casos, algum respaldo legal, documental.

Daí surge uma dúvida: como definir uma data de aniversário para uma organização criada à margem da legalidade e que os atuais membros optaram pelo esquecimento das origens por se tratar de um passado manchado de sangue?  Essa é a questão que me atormentou durante a tarde do dia 19 de maio de 2022, enquanto pensava sobre os Kalunga. 

De início, gostaria de desmentir algumas afirmações que estão entremeadas no imaginário coletivo quando falamos de quilombo. A primeira delas diz respeito ao próprio dinamismo dos quilombos: quilombos sempre atraíram forte repressão e vários foram desmantelados por incursões militares, mas isso não impedia que os habitantes dos quilombos - escravizados fugidos, indígenas, brancos pobres etc - voltassem a se organizar nesses espaços móveis de resistência. 

É comum também que criem uma relação entre quilombo e isolamento, o que é uma farsa desmentida desde a década de 70 pelo menos. É provável que muitos núcleos populacionais do que em algum momento se chamou de sertões só tenham existido - e mesmo prosperado - graças à existência de quilombos nas proximidades. Os quilombos proviam não só alimentos, como também força de trabalho, com estruturas econômicas complexas.

Por esses e outros fatos, contar a história e definir o aniversário de um quilombo nem sempre é tarefa simples. Os quilombos estão em movimento, misturados nos registros policiais, comerciais, jurídicos e na memória coletiva dos remanescentes. 

Por onde começar então? Minha primeira resposta seria pelos próprios Kalunga, porém, como dito anteriormente: durante minha pesquisa de campo, notei que - ao menos no fragmento da comunidade estudado - optou-se por um apagamento seletivo da memória “de guerra” em si, das origens (sempre) violentas de um quilombo. 

Constatado o apagamento, resta então as fontes oficiais. Em 1722, o bandeirante Bartolomeu Bueno da Silva, juntamente com João Leite da Silva Ortiz, chegou àquelas terras que iriam ser chamadas de "minas dos Goiases", nome de um povo indígena que vivia na região. Foi então que começou a exploração das minas. Atrás do ouro tinham vindo bandeirantes, mineradores e seus escravizados.

A distância de mais de 1.500 quilômetros entre Salvador e Vila Boa, provocava a morte de inúmeras pessoas pelo caminho, pois chegavam esgotados da travessia do Atlântico. Muitos cativos permaneciam temporariamente na Bahia, Rio de Janeiro e Minas Gerais, antes de serem negociados e enviados para Goiás. Em condições melhores que os escravizados, Luís da Cunha Menezes, demorou 37 dias de viagem para tomar posse no cargo de capitão geral de Goiás.

A distância entre Goiás e os portos litorâneos tornava o tráfico para o “sertão” bastante oneroso. Havia o risco de “perder a mercadoria” ao longo do caminho, seja por fuga, morte por doenças, ou ataques dos naturais da terra. Por outro lado, essa distância proporcionava aos traficantes de escravos a certeza de que atividades ilícitas, como contrabando, dificilmente seriam descobertas. Contudo, não só traficantes e sonegadores se beneficiaram da extensão da capitania.

A história oficial dos quilombos de Goiás pode ter começado com um bando em 1727 que ameaçava punir com açoites os africanos que em fuga se abrigavam junto a outros moradores e  intimidava com multa a quem não lhes denunciasse a fuga. É improvável, no entanto, que a década  de 1720  marcasse o início do quilombismo em  Goiás  porque  os  escravos  indígenas  já   fugiam  no  século  XVII,  e  nós  acreditamos  que  africanos  fugidos  do Maranhão, Bahia e Pernambuco percorreram a rota do sertão com destino ao norte e nordeste de Goiás.

O primeiro grande quilombo assinalado da região situa-se próximo ao Rio das Mortes, em 1746, nos vastos campos e serras que separavam Minas Gerais dos Goyases. Consta que mais de seiscentos fugitivos lá se concentravam, numa sociedade organizada com rei e rainha.  Esse quilombo foi destruído em 1751 por Bartolomeu Bueno Prado.

Em 1760, dom João Manoel de Melo, aponta alguns quilombos no vale do Rio Paranã, onde se congregavam duzentos negros que estavam situados em regiões férteis e propícias á agricultura, em que promoveram roças e pomares. Esses desenvolveram-se a partir das contínuas fugas das lavras das minas da região dos afluentes do Rio Paranã e do Tocantins no século XVIII, estas fugas se intensificaram, principalmente nas minas do arraias de São João da Palma, Conceição, Natividade, Flores, Arraias, São Félix e Cavalcante.

No final do século XVIII, os índios apinajés tinham sido acusados de assaltarem o quilombo de Pederneiras para roubar ferramentas. Antes disso, os índios avá-canoeiro já eram conhecidos por seus contatos com os quilombolas. Nesse período há evidências de que muitos quilombolas estavam migrando para regiões mais interioranas das Minas Gerais e também Goiás, procurando novas áreas para se protegerem da repressão.

Enfim, espero que tais fatos sejam suficientes para apoiar a tese de que a história dos Kalunga provavelmente começou ainda no século XVII, com os escravizados fugidos de outras regiões do país. No século XVII, na Bahia a realidade colonial era de constantes fugas de escravos, expansão de quilombos, “entradas” para o sertão e políticas dos senhores e da administração régia para coibir as revoltas e motins estavam presentes. Os conflitos relacionados a escravidão indígena no Maranhão empurravam as populações perseguidas ora por escravizadores ora por catequisadores cada vez mais para o sul. E a elite escravocrata de Pernambuco comandou parte do tráfico interno até o século XVIII. 

Considerando ao menos uma geração anterior ao evento de 1727, alcançamos a década de 1690. Me parece, levando em consideração todos os apontamentos feitos, uma boa década para situar o surgimento do que mais tarde viria a ser conhecido como Quilombo Kalunga. Partindo de 1690 comemoramos, neste ano de 2022, 332 anos do quilombo.

Somente com relatos orais, já havíamos alcançado 200 anos de história. Anteriormente citei um certo apagamento seletivo da memória coletiva a respeito dos eventos passados da história dos Kalunga. Pois bem, esse apagamento foi constatado no "Estudo sobre a ocupação Kalunga da área que compõe o imóvel Bonito, na margem dos rios Paranã e Prata", que consta em anexo na minha monografia.

Para esse estudo, entrevistamos 30 anciões do território, e percebemos que a memória coletiva se moldou em torno das festas e celebrações religiosas locais. Com base nessa revisão inicial dos dados pudemos retornar para, ao menos, 150 anos com uma ocupação já consolidada, em que ocorriam festejos e incursões da Igreja Católica. Se considerarmos um período mínimo de 50 anos para atingir tal nível de organização, alcançaremos os 200 anos de ocupação, chegando a 1821.

Nossa conclusão foi que a memória coletiva da população se confunde com a história contada pelos historiadores e há provas cabais dos relatos nos arquivos da paróquia local. Tais registros nos permitem recuperar mais antepassados e atingir um período ainda mais longo de ocupação, como fica claro nesse ensaio.

Espero que essas conclusões sejam questionadas e estudadas, ensejando maiores debates sobre a história do povo Kalunga. O texto tem um tom ensaístico e propositivo, não almejando responder todas as perguntas sobre essa trajetória de resistência. Havendo novos estudos, peço que por favor revejam minhas afirmações. 

Estimada a idade, resta então encontrar uma data para a comemoração. Aqui não há receita. Minha proposta é que encontrem uma data importante para a comunidade e sua história. Talvez, como sugestão, o 21 de janeiro, em que foi sancionada a Lei Estadual n° 11.409/91, que criou o Sítio Histórico Kalunga; ou o 2 de agosto, quando - em 1983 - foi feita a primeira reivindicação escrita dos Kalunga ao IDAGO. Quem sabe o 10 de dezembro, quando - em 1985 - fica autorizado o poder executivo do Estado de Goiás a doar terras para uso da comunidade Kalunga. Talvez a data de nascimento do Kalunga mais velho ainda vivo ou de uma das lideranças; a data de fundação da AQK etc

A data, bem como a idade, serão símbolos da antiguidade da ocupação Kalunga do território e da renovação dos laços da rede de relações da comunidade e seus aliados. Não tendo mais nada a acrescentar, agradeço o leitor e o convido a ajudar a compor essa história de luta e resistência no cerrado goiano. 



Interação professor-aluno, avaliação do conhecimento, produção da queixa e do fracasso escolar

Psicologia da Educação

Estudo Dirigido 4

Unidade 3 – Interação professor-aluno, avaliação do conhecimento, produção da queixa e do fracasso escolar

Valor total da avaliação: 20,0 pontos


1. Imagem 2

Analisando a imagem, fica nítido que o professor aparece no que considero, depois de todas as discussões na disciplina, como seu principal papel: facilitador/catalisador do processo de descoberta do aluno. 

Notamos, até mesmo pelo sorriso dos alunos, que o professor atua ali incentivando a autonomia e o desenvolvimento da estrutura cognitiva através do contato do próprio sujeito com a nova informação. A hierarquia não pressiona os discentes, mas reforça um vínculo de apoio mútuo, motivando a participação.

Tal fato reforça a participação e a interação dos alunos, pois cria um ambiente acolhedor, de aceitação mútua e colaboração. Repare que há uma interação bidirecional, dialógica, em que a partilha do conhecimento se dá de forma cooperativa. 

Por que, afinal, eu digo que o papel do professor é de catalisador do processo de aprendizagem? Depois de tantas atividades usando esse adjetivo, cabe aqui uma breve explicação. Um catalisador é uma substância que aumenta a velocidade de uma reação química sem estar sendo consumido por ela. O catalisador não tem efeito sobre o equilíbrio de uma reação, ele pode acelerar ou retardar a velocidade na qual uma reação atinge o equilíbrio, mas ele não afeta a composição no equilíbrio. Seu papel é oferecer uma rota mais rápida para o mesmo destino.

Eu acredito que todo sujeito, dentro ou fora de um ambiente escolar terá um processo de desenvolvimento cognitivo. O bom professor entra nessa equação como essa substância que acelera, que facilita esse processo, assim como o catalisador da química. Por outro lado, o mal professor acaba retardando ou dificultando o processo de aprendizagem. 

Resumo neste curtíssimo texto o que penso ser o papel do bom professor, um catalisador que atua diretamente na aprendizagem e no desenvolvimento do sujeito, inspirando, motivando, acolhendo. 


2. a- A aprendizagem ativa é aquela que não apenas parte dos conhecimentos já obtidos, mas incentiva o aluno a - em interação com a informação - construir novos esquemas próprios. Me parece ser o caso de colocar uma turma diante de uma situação problema e pedir por sugestões, a exemplo do debate sobre cotas na área de ciências sociais (na qual vou me formar): uma boa atividade para estimular a aprendizagem ativa seria, por exemplo, botar "cotas" no quadro e pedir para que a turma apresenta conceitos, ideias e, a partir das sugestões, buscar soluções criativas.


b- Segue na mesma linha da resposta anterior: duas cabeças pensando funcionam melhor que uma! Chamar os alunos para que juntos encontrem soluções para situações complexas. Nas ciências sociais, um bom exemplo seria o debate sobre a questão climática: pensar se soluções individuais são suficientes, ou se o problema só pode ser pensado em conjunto, em cooperação.


c- Esse tópico toca novamente no professor catalisador, o professor que não impõe, mas troca, constrói junto, facilita essa interação do aluno com a nova informação. O exemplo das cotas parece interessante, pois possibilita essa construção coletiva.


d- Importante reconhecer que cada sujeito tem seu tempo para obter um determinado resultado, e aí voltamos ao professor catalisar, que - junto com o aluno - pode acelerar ou retardar o processo. Mas, antes de tudo, é importante compreender o tempo específico de cada sujeito, dando prazos adequados para que todos consigam realizar determinada tarefa. Eu tenho um contra exemplo disso: recordo que no meu ensino médio, na disciplina de Teoria das Estruturas, o tempo de realização das provas era o seguinte: a partir do momento que o primeiro aluno entregasse, todos os outros tinham mais uma hora para terminar. Ou seja: criava-se um ambiente de concorrência horrível, em que as pessoas que entregavam a avaliação primeiro se sentiam responsáveis pelo mau desempenho das que demoravam mais tempo. 


3. 

A avaliação somativa/tradicional é caracterizada pelo estabelecimento de requisitos de valor a priori, fixando um ponto (ou seja, é focada em conteúdos específicos, com pouco espaço para desenvolvimento de interesses subjetivos e sem reconhecimento da dinâmica do processo educativo) que o aluno deve alcançar e avaliando a partir do sucesso ou fracasso em alcançar esse determinado ponto, permitindo um ranqueamento dos alunos que quase nunca é positivo, por ser em algum grau autoritário. Constitui um mau catalisador.

Já a avaliação formativa valoriza o processo/dinâmica/empenho do indivíduo, aberta aos interesses subjetivos, valorando a construção e não o produto final, incentivando a contínua autocrítica e busca por mais informações. Constitui um bom catalisador.


4. 

É preciso compreender de partida que o aluno é um sujeito social, em constante interação com o mundo a sua volta, tendo essa interação reflexos sobre as várias esferas da vida social, inclusive a esfera educacional. Por esse motivo, o sucesso escolar transcende a dimensão pedagógica, atingindo todas as esferas da vida social, a exemplo da familiar e da individual.

O sujeito que, mesmo tendo um bom aporte pedagógico na escola, sobre com problemas familiares ou individuais, mesmo que momentâneos, não alcançará o que se espera dele no ambiente escolar. E aqui fica o aviso de cuidar para que isso não se torne uma bola de neve de frustração.

Cabe ao professor, principalmente de crianças e jovens, saber lidar e reconhecer tais situações, e não passar a "culpa" (se é que existe alguma culpa individual nesse processo) adiante. É preciso construir em conjunto com as demais esferas um ambiente propício para o desenvolvimento não só cognitivo, mas todos os demais de formação social do sujeito, evitando a exclusão e a evasão escolar. 

O "erro" e a "rebeldia" são muitas vezes indicativos de complicações maiores e não deve ser entendido somente como falha, mas, por vezes, como um pedido de ajuda/auxílio/cuidado. 


5. 

Como dizia na questão anterior: o "erro" e a "rebeldia" são muitas vezes indicativos de complicações maiores e não deve ser entendido somente como falha, mas, por vezes, como um pedido de ajuda/auxílio/cuidado; não devem ser enquadrados de forma coercitiva em um "comportamento padrão esperado" que nem sempre, ou melhor, raramente se encontra nos sujeitos.

Como vimos nos outros autores, as fases de desenvolvimento são, antes de mais nada, fases de afirmação e reconhecimento do "eu", de formação da subjetividade. Se a escola opta por padronizar, por inserir todos os alunos em um modelo único, excluindo e penalizando divergentes, criamos uma sociedade doente e frustrada, com transtornos.

O paradigma deve ser o de inclusão, de aceitação mútua, de acolhimento; reconhecendo o papel da afetividade, reconhecendo as diversas subjetividades, criando vínculos e degraus para uma aprendizagem significativa é um processo de desenvolvimento cognitivo adequado. 


O conceito de liberdade em Constant

O conceito de liberdade em Constant


Há no texto uma apresentação da liberdade em diferentes contextos históricos, abordando a construção do significado do termo a partir do contexto histórico. Em um primeiro momento o autor fala da liberdade no contexto iluminista, quando o humano/individual/subjetivo passa a ter papel de destaque sobre os interesses coletivos. Constant aponta que nesse momento, com a instauração e positivação de direitos inerentes ao indivíduo, o Estado já não tem o mesmo poder de arbitrar sobre a vida das pessoas. 

Porém, o autor aponta para outros enquadramentos de liberdade, como no caso do pensamento grego clássico, em que os interesses coletivos se sobrepunham aos individuais, conformando o que foi chamado de bem comum. Tal liberdade era exercida através do uso da palavra da Ágora, com pouca margem para o que se entende como liberdades individuais.

No contexto do Iluminismo, o exercício da liberdade se dava através do individualismo, sendo o Estado responsável apenas por supervisionar o bom exercício das relações sociais. 

Me parece que o principal valor do texto, para além da análise histórica, é mostrar que a liberdade é também uma construção coletiva dinâmica, que se encontra em constante alteração. Lendo, fiquei refletindo sobre o pacote de leis e medidas provisórias a respeito do armamento, e como pessoas favoráveis a tal pacote utilizam de um conceito de liberdade estrangeiro para defender a liberação e desburocratização do acesso a armas. 

Inclusive, fica a questão de como textos constitucionais baseados em teses iluministas conseguem se atualizar para lidar com essa dinâmica de constante atualização de conceitos como o de liberdade; explico: botaram na carta magna dos EUA que todas as pessoas teriam o direito de se armar em um momento que o que existia de mais avançado nessa área era um mosquete que atirava uma vez e o sujeito teria de ficar 20 minutos no processo de recarregar a arma para dar outro tiro. Como lidar com esse trecho da lei hoje, com tantos avanços da indústria bélica que colocam em risco a vida de milhares de pessoas? 

No Brasil, usam a ideia iluminista de liberdade individual para defender o suposto direito que as pessoas teriam para se defender; porém, pesquisas realmente relevantes sobre o tema demonstram que mais de 70% da população não aprova as medidas de liberação das armas. Me parece uma característica dos Estados ocidentais atropelar o interesse da maioria em prol de uma minoria com melhores condições financeiras. 


O conceito de paz perpétua em Kant

O conceito de paz perpétua em Kant


Kant escreve em um contexto histórico de transição do feudalismo para uma ascensão da burguesia pautada nos ideais iluministas de liberdade individualista, com profundas mudanças econômicas, políticas e sociais. O autor tenta desenvolver um projeto de paz perpétua através da defesa do republicanismo, valorizando a ética e política por intermédio do Direito Internacional. Já adianto que, visto de hoje, trata-se de um projeto completamente utópico, mas não é preciso pressa, defenderei essa posição nesse breve comentário.

A paz perpétua se firma em quatro pilares: a ausência de um estado jurídico nas relações entre Estados/internacionais; tal ausência cria um estado de natureza em que a guerra é a constante, tal qual o estado de natureza para os indivíduos; para evitar os prejuízos causados por esse estado de natureza, os Estados devem se unir em uma federação internacional, respeitando questões internas e evitando assaltos estrangeiros (veja que aqui já há uma contradição: Kant já previa que alguns Estados estariam fora dessa federação e poderiam representar uma ameaça); tal federação não teria um Estado soberano/superior aos demais.

A partir dessas considerações é possível concluir que a paz perpétua para Kant só seria possível em um grupo de Estados com constituição republicana, excluindo literalmente 70% do planeta terra até então; e desprezando toda e qualquer outra concepção de liberdade que não a ocidental. 

Em resumo, a tal paz perpétua promove interação pacífica somente entre alguns Estados, fortalecendo esse grupo ante o resto do planeta cultural, econômica e politicamente diferentes. Repare que a guerra não seria totalmente eliminada, apenas seria mais focada, pois o próprio autor prevê seu uso para "fins estritamente necessários". Igualmente, a ideia de que os Estados membros desse pequeno grupo não podem sobrepor-se uns aos outros, não impede que o grupo se sobreponha aos países não membros.


Sendo assim, considero a paz perpétua sem essas críticas uma utopia; e com essas críticas uma realidade, haja vista o imperialismo, o Conselho de Segurança da ONU ou mesmo o conflito atual entre Ucrânia e Rússia.  




O conceito de estado em Weber

O conceito de estado em Weber


De início Max Weber já afasta especulações sobre o atual regime político e diz que tem por objetivo o que é e qual o sentido da vocação política. O termo em si agrega muitos outros conceitos que são expostos nas primeiras páginas, como: política sendo a direção do Estado, Estado enquanto relação de dominação que se baseia na violência legitimada e Estado moderno que agrega à definição anterior a ideia de delimitação de território. (WEBER, 1993, p. 55~59)

O conceito de Estado parte da ideia de associação política (espacialmente delimitada, com capacidade para o uso da força, que prescreve ordens que regulam atividades humanas e com caráter contínuo): “Uma empresa com caráter de instituição política denominamos Estado quando e na medida em que seu quadro administrativo reivindica com êxito o monopólio legítimo da coação física para realizar as ordens vigentes”. (BIANCHI, 2014, p. 91 e 92, citando WEBER, 1999, v. 1, p. 34)

É possível fazer uma analogia entre a atividade econômica e a dominação burocrática no estado capitalista que se firma sobre a legitimação da violência por intermédio de leis obedecidas voluntariamente. O Estado moderno se assemelha a uma empresa capitalista, pois consegue segregar o estado-maior administrativo dos meios para gestão, o que implica em modificações da forma de fazer política: a forma dos que vivem “para” a política e a forma dos que vivem “da” política. 

Viver “para” a política implica na existência de uma fortuna anterior que assegura uma independência. Nessa linha de raciocínio o capitalista seria a melhor opção, está sempre disponível por viver do trabalho alheio, compondo assim um regime plutocrata, o que, para Weber não seria ruim em si, mas a quebra dessa “regra” implica em assegurar ganhos a terceiros. E essa quebra acaba sendo muito comum, pois em vários países os empregos no estado-maior administrativo são distribuídos para os partidos. (WEBER, 1993, p. 59~69 e 105)

Acho particularmente  interessante a aproximação entre a escrita de Weber e a de Maquiavel quando se trata do realismo político e dos usos da violência, mas o que me fez escolher esse texto é a atualidade dele contida na ideia de um governo "técnico" como se a escolha pelo "técnico" não presumisse uma ideologia. 


O conceito de poder em Maquiavel


O conceito de poder em Maquiavel


“O Príncipe” é um manual de conduta para aqueles que ocupam altos cargos ou para os que cobiçam esses cargos. O livro inicia-se apresentando as formas de alcançar o poder, que são: a sorte (fortuna) ou o mérito. A alternância entre as formas citadas caracteriza regimes mistos. É por vezes repetido que o cargo alcançado pela sorte é mais difícil de se manter que o alçado pelo mérito, e para manter-se no poder, para manter o regime, tudo se torna válido (MAQUIAVEL, 1469;1527, p.05-19).

A ideia que domina a escrita do autor é a de que os fins justificam os meios, logo a mentira, a injúria e a violência (modo de combater dos animais) são aceitas e por vezes citadas como formas de chegar ao poder e garantir continuidade.  É colocada até mesmo a possibilidade de aniquilar todos os moradores de uma região e povoá-la com adeptos do regime do dominador (MAQUIAVEL, 1469;1527, p.24-89)

Com um uso hábil da história “magistra vitae”, ou seja, da história exemplar, cíclica, com uma perspectiva pedagógica, o escritor quatrocentista monta uma abordagem qualitativa sobre o estado, o poder, a ética, o conflito, em síntese, sobre a política. Mas não é isso que faz de “O Príncipe” uma obra ímpar, e sim o fato de que Maquiavel abandona a visão idealista, do “dever ser”, e parte para a trilha realista, do “ser”.

Antes de Maquiavel e do movimento renascentista, o pensamento político medieval, oriundo dos escritos de St. Agostinho, era baseado na autoridade cristã que partia da alegação de um poder espiritual, que pertencia a Igreja e o transferiu temporariamente aos reis, para que salvasse as almas dos seus súditos edificando o reino de Deus na terra. Outra questão era a moralidade cristã que orientava a ideia de “bem comum” e tinha o soberano como um exemplo a ser seguido. Ou seja, idealizava-se o governo, “devia ser” como descrito.

O autor rompe essa linha de pensamento garantindo um tom real a sua narrativa de política. Esse tom parte do pressuposto de que todo homem deve ser visto como um egoísta que vai agir sempre de modo a beneficiar a si mesmo (característica do realismo político), em uma busca contínua pelo poder e sua manutenção. Dessa forma a moral da política não pode mais se basear na moral cristã, a ética política é única, pois tudo se justifica, de omissões a massacres, para o bem do estado, para a continuidade deste. O poder passa a ser material, em oposição ao poder moral. Não é a bondade ou a moralidade que assegura a ordem e a vida dos indivíduos, a submissão e a obediência sim. Em suma, a política para Maquiavel situa-se na continuidade do regime e tem seus próprios parâmetros, porque no fim é a história que irá julgar as ações políticas. (MAQUIAVEL, 1469;1527, p. 05-129)

A astúcia e a violência são paralelos à ideia de poder em “O Príncipe” de Maquiavel. Tendo a discordar de Maquiavel não por princípios morais ou éticos, mas pelo fato parecer ignorar a existência de poderes marginais, descentralizados. Nesse sentido, tenho maior convergência com a linha foucaultiana, onde o poder não é mais algo visível, com certa autonomia, associado ao conhecimento e está presente em toda parte. 





Contribuições das abordagens comportamental e psicanalítica para a educação

Psicologia da Educação  

Estudo Dirigido 1

Unidade 2 – Contribuições das abordagens comportamental e psicanalítica para a educação

Valor total da avaliação: 20,0 pontos

 


1- O condicionamento operante (CO) está ligado a um comportamento voluntário e uma consequência. A ideia básica é incentivar um comportamento esperado, positivo e desestimular comportamentos não desejados. Um exemplo pessoal: no ensino médio, a professora de química recompensava as maiores notas com chocolates. 


2. a- Reforço positivo se resume ao estímulo agradável, positivo, benéfico como resultado de um determinado comportamento desejável. O reforço negativo está ligado ao fim ou suspensão de um estímulo desagradável como resultado de um comportamento desejável.


b- Um bom exemplo já foi dado na primeira questão: a professora que dava chocolate para os alunos com maiores notas. No ensino fundamental, ao final do ano letivo, os alunos com as melhores médias recebiam diplomas de honra ao mérito. Na universidade, para participar de projetos de pesquisa ou extensão, é necessário apresentar um IRA elevado. 


c- No ensino médio, os alunos aumentavam as notas refazendo as questões que tinham errado nas avaliações. Outro bom exemplo, no ensino fundamental, era dos alunos que escreviam em cadernos de caligrafia para ganhar o "direito" de escrever de caneta. Ou ainda, os alunos que redobravam os estudos em casa para serem liberados das aulas de nivelamento no ensino médio.


d- Sim, acredito que os estímulos motivam os alunos a alcançarem melhores resultados. 


3. a- Com ênfase no indivíduo, o ensino programado é caracterizado por estudo em etapas que avança constantemente a partir do feedback e das dificuldades do aluno. 


b- O avanço em etapas é importante para manter um planejamento claro e sequencial e o feedback rápido é importante para manter certa autonomia e independência por parte do estudante.


c- Por ser bastante individualizado, me parece um método inviável para turmas grandes, onde o professor não conseguiria dedicar tanta atenção individual a cada aluno.


4. a- O comparativo de trabalhos entregues e a retirada do horário de recreio.


b- O comparativo de trabalhos é, além de punição, muitas vezes uma situação degradante para o próprio aluno, pois - por mais que estimule a entregar trabalhos melhores - acaba, muitas vezes, por não alterar a raiz do problema; e, caso o aluno não consiga melhorar, mesmo tentando, a situação se torna ainda mais incômoda e frustrante. A retirada do recreio é usada muitas vezes como estímulo aversivo para um comportamento indesejado. O problema é que prejudica o próprio desenvolvimento escolar e mesmo psicológico do aluno, não agindo, novamente, na raiz do problema.


c- Como dito na resposta anterior: a punição raras vezes age sobre a raiz do problema, promovendo -  a longo prazo - traumas, frustração e indignação no aluno. Isso resulta em uma piora da aprendizagem e atraso do desenvolvimento.


5- 1. Negação: é a fuga/desvio/rejeição de certas situações incômodas da realidade para evitar sofrimento; o exemplo mais comum são os viciados em drogas lícitas (cigarro, álcool) que negam o vício. 2. Repressão: quando retiramos uma informação indesejada da nossa consciência; um bom exemplo é o de crianças que reprimem lembranças de abuso e se tornam introvertidas e tem dificuldades de se relacionar posteriormente. 3. Sublimação: o meu favorito, quando damos vazão a impulsos ou sentimentos estranhos/inaceitáveis através de outras ações; eu, por exemplo, fiz 6 anos de artes marciais e ainda treino boxe em casa como mecanismo de fuga de frustrações. 


6. a- A transferência está associada diretamente ao desejo de saber do aluno, a organização das ideias abrindo o campo de conhecimento particular para o aluno, em uma relação afetiva e autônoma.


b- Cabe ao educador o esforço para articular (tornar lógico) seu campo de conhecimento para torná-lo acessível ao aluno.


c- É o que torna o saber consciente e promove o autoconhecimento dos potenciais do aluno.


7- A primeira contribuição que me marcou bastante, ligada inclusive a outras questões desse questionário, é a forma como a psicanálise passou a ver a punição, como causadora de traumas e neuroses, afetando o desenvolvimento escolar e social da criança. A subjetividade é um aspecto central na educação e não pode ser suprimida por disciplina severa e rígida que restringe a liberdade do indivíduo. Uma segunda contribuição trata da sexualidade infantil, que passa a compreender o interesse do indivíduo no corpo (próprio e de terceiros). Esse me parece um aspecto chave e ainda, infelizmente, podado cada vez mais nas escolas, que veem qualquer curiosidade sexual como perversão. O resultado é um número crescente de crianças grávidas, a supressão de traumas, neuroses etc. 


Resenha de "As comunidades negras rurais nas ciências sociais no Brasil"

 SANTOS, Carlos Alexandre B. Plínio dos. “As comunidades negras rurais nas ciências sociais no Brasil: de Nina Rodrigues à era dos programas de pós-graduação em antropologia”, Anuário Antropológico. V.40 n.1, 2015. [Online] (Pp.75-106).


Lendo os dois textos, prefiro resenhar o primeiro, do prof. Carlos Alexandre dos Santos, por preferir a forma como o autor escolheu para sintetizar sua bibliografia. 

No texto há um mapeamento do que já foi produzido sobre o negro em 4 períodos historicamente diferenciados, sendo eles respectivamente: histórico, carismático, burocrático e dos estudos rurais. 

O primeiro período compreende a segunda metade do século XIX até às primeiras décadas do século XX. É marcado por uma produção pautada no determinismo racial, partindo de uma concepção evolucionista muito influenciada pelas ciências naturais para tentar responder questões sociais latentes (criminalidade e mestiçagem). É um período em que os pesquisadores olhavam para os negros tentando encontrar o motivo para problemas que afligiam especialmente os brancos, resultando num etnocentrismo cheio de lacunas, característica da maioria dos estudos com teor determinista. 

O período carismático compreende basicamente o período dos governos Vargas, marcados por um movimento de reescrita da história e das teorias sobre o Brasil. É nessa fase que o país se torna uma vitrine internacional da "democracia racial", mito que afirmava não haver racismo no Brasil. Os estudos deixaram o paradigma evolucionista e passaram a utilizar o conceito de estrutura, apoiando as teses defendidas pelos autores em estudos empíricos com foco no que ficou conhecido como "problema racial". Se no período anterior a produção acadêmica se preocupou com encontrar as raízes dos problemas dos brancos, aqui a ideia central era esconder os problemas.

Como reflexo do período carismático e da crítica a democracia racial que marcou o seu fim, organizações internacionais passaram a investir em estudos sobre a real integração do negro na sociedade ocidental. Buscando justificar uma integração parcial constatada em diversos estudos, foi criado o paradigma da aculturação, que via o apagamento das raízes dos não brancos ao participarem da vida em sociedade. Foi importante para a época por denunciar uma série de atos empreendidos pela ditadura militar no campo e nas cidades, atropelando os "indesejados". O problema da aculturação, denunciado anos mais tarde, é justamente deixar de notar a resistência na vida cotidiana de inúmeras comunidades negras espalhadas pelo país.

E, por fim, o período dos estudos rurais, no qual ainda nos encontramos, quando viramos a chave do paradigma da aculturação e passamos a olhar as inúmeras comunidades negras (no campo e na cidade) como remanescentes de quilombo. Nessa fase, houve um destaque maior para as comunidades rurais até então sem muita atenção dos pesquisadores. É a fase de expansão dos programas de pós-graduação em Antropologia pelo país, levando as inquietações próprias dessa área de conhecimento para "os sertões". É importante dizer também que é nessa fase que os interlocutores de pesquisa passam a ocupar espaços da academia trazendo novas indagações à primazia branca e ocidental do fazer científico.

Já expus muito do que penso ao longo da resenha, mas - para encerrar - gostaria de acrescentar que esse texto me deu uma ideia para uma pós graduação: estudar a função social dos "papéis da terra", como foi a inserção e a construção da propriedade ocidental entre os Kalunga na margem do Prata para que em 2021, mesmo moradores que não dominam a leitura, estejam discutindo qual o melhor modelo de titulação e exigindo os "papéis da terra". Me parece que há fases de desenvolvimento dessa história recente de interação formal entre a comunidade e os órgãos de gestão fundiária do Estado e da União.


Carta sobre GTAQ

 Carta sobre GTAQ As comunidades quilombolas são constituídas por pessoas que compartilham uma identidade forjada ao longo de processos hist...