terça-feira, 28 de maio de 2019

RELATÓRIO: “A cidade sem passado”

A partir da narrativa cinematográfica de “A cidade sem passado” discuta o que caracteriza a compreensão historiográfica na atualidade, considerando os constrangimentos que recebe e as relações com as diferentes temporalidades, as fontes e os documentos, a memória e os esquecimentos. Considere aquilo que disseram Marc Bloch e Antoine Proust.

O ponto de partida para a compreensão historiográfica deve ser a curiosidade. Não se narra a história sem curiosidade, é o que nos faz revirar o passado, é o que faz Sonja insistir em sua busca, é o que garante, no mínimo, o entretenimento proporcionado pela história, parafraseando Marc Bloch. A curiosidade é o marco zero, mas só curiosidade em si não garante uma boa pratica historiográfica.
A investigação do historiador precisa se localizar no tempo, ou seja, precisa ser diacrônica e não há diacronia sem datas, datas que são definidas pela pergunta que o historiador quer responder. Veja bem: por quê Sonja insiste tanto na obtenção dos documentos no arquivo e de relatos pessoais? A curiosidade gerou dúvida: “o que aconteceu na sua cidade durante a Segunda Grande Guerra?”, na pergunta ela define implicitamente a data: entre 1939 e 1945. Agora ela precisa de vestígios desse recorte temporal, vestígios que ela obtém nos documentos do arquivo e nos relatos dos moradores mais antigos, mas revirar o passado nem sempre é conveniente.
O passado incomoda e tem que incomodar. Nem mesmo o marido da protagonista quer que ela siga na busca dos documentos. A partir de certo ponto essa caçada se torna perigosa: o gato da família é assassinado e, por diversas vezes, atentam contra a vida de Sonja e de sua família. Existem lacunas no passado que causam constrangimento: ser relacionado a entrega de judeus aos nazistas acabou com a carreira do professor. São esses constrangimentos que geram o esquecimento: é mais confortável para todos que aquilo seja esquecido, seja deixado de lado. Mas o historiador atento coloca o dedo na ferida, ele busca o esclarecimento, retira expressão do silêncio.
No filme, o silêncio já havia se cristalizado, e ao cristalizar-se, torna-se memória, busca eximir de culpa e consegue até que o historiador aparece. O historiador quebra o cristal, ele abre as portas de um passado doloroso, apresenta fontes e fatos, mas não com o interesse de criar outra memoria, de formar outro cristal, muito pelo contrário, isso o assusta, por essa razão a protagonista surta ao final: ao ver seu busto ela percebe que criou um novo cristal, que, sem perceber e sem intenção, fechou novamente as portas do passado e isso a fere profundamente. É no passado sempre aberto, sujeito a novas indagações que reside a boa historiografia. São, necessariamente, nas diversas narrativas e na discussão constante baseada nas fontes e nos fatos do recorte original que reside a compreensão historiográfica.



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