terça-feira, 25 de junho de 2019

RESENHA COMENTADA – CIDADANIA NO BRASIL, J. M. DE CARVALHO

RESENHA COMENTADA – CIDADANIA NO BRASIL, J. M. DE CARVALHO

José Murilo de Carvalho, em “Cidadania no Brasil”, elabora uma discussão acerca do fenômeno social “cidadania”, ou seja, esse vínculo de pertencimento de um indivíduo a uma associação política, estabelecendo direitos e deveres. Em seu texto busca contemplar as questões particulares da conquista da cidadania no Brasil.
Nesse sentindo, o autor elabora suas ideais contrapondo a cidadania brasileira à “cidadania clássica” de Thomas H. Marshall. Marshall, observando a Inglaterra, estabelece uma ordem cronológica para o modelo de cidadania na modernidade: (1°) direitos civis, as liberdades individuais; (2°) direitos políticos, direitos à participação no exercício do poder político; (3°) direitos sociais, garantia do bem-estar econômico e social.  
Vale ressaltar que em muitas sociedades liberais os direitos sociais não eram bem vistos, pois acreditava-se que estes interfeririam nos direitos civis além de formar uma certa “clientela” que dependeria diretamente do estado. É ao longo dos séculos XX e XIX que esses direitos passam a ser associados e coexistir com um certo grau de harmonia.
Voltando ao “Cidadania no Brasil”, os aspectos considerados pelo autor são históricos e comparativos. O processo brasileiro de cidadania: (1) tem como marco o ano de 1930, ou seja, teve início tardiamente se comparado a outros locais do globo; (2) tem ênfase nos direitos sociais, muitas vezes abrindo mão de direitos políticos e civil, invertendo a ordem estabelecida pelo modelo de Marshall; (3) além ceder direitos políticos e civil, a população vivencia o direito social como uma dádiva e não como uma conquista, o que possibilita uma atuação autoritária estatal muito maior.
Os argumentos desenvolvidos no texto de José Murilo de Carvalho têm um alcance longo. Todavia, os referir-se a cidadania no Brasil como uma “estadania”: “[...]buscava melhorias por meio de aliança com o Estado, por meio de contato direto com os poderes públicos. Tal atitude seria mais bem caracterizada como estadania” (Carvalho, 2002, p. 61), J. M. Carvalho ressalta apenas a face negativa da intervenção estatal, deixando de lado uma segunda face com aspectos positivos.
Aspectos esses ressaltados pelo sociólogo Adalberto Cardoso ao afirmar que o projeto de cidadania de Vargas representou esperança para os trabalhadores de serem incluídos na ordem política nacional como portadores de direitos mínimos.
Sendo assim, talvez o termo mais correto para se referir a cidadania brasileira é “cidadania regulada”, elaborado pelo cientista político Wanderley Guilherme dos Santos e adotado por Adalberto Cardoso:

Por cidadania regulada entendo o conceito de cidadania cujas raízes encontram-se, não em um código de valores políticos, mas em um sistema de estratificação ocupacional, e que ademais, tal sistema de estratificação ocupacional é definido por norma legal. Em outras palavras, são cidadãos todos aqueles membros da comunidade que se encontram localizados em qualquer uma das ocupações reconhecidas e definidas em lei (Santos, 1979, p. 75).

Já que Carvalho insiste na defesa da aprimoração do regime representativo brasileiro, para tal deve aceitar o veredito de Santos de que a herança varguista foram as condições mínimas para o surgimento do regime representativo brasileiro, incorporando ao ambiente político, mesmo que lentamente, a competição e a participação de setores antes marginalizados, rompendo com o clientelismo da I República. Sendo assim o termo “cidadania regulada” tornasse mais adequado por conseguir abarcar não somente a “estadania” de José Murilo de Carvalho, mas também a “esperança” de Adalberto Cardoso.

REFERENCIAS

 CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo Caminho. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
CARDOSO, A. “Uma utopia brasileira: Vargas e a construção do Estado de Bem-Estar numa sociedade estruturalmente desigual”. Dados, Rio de Janeiro: vol. 53, n. 4, 2010.
SANTOS, W. G. Cidadania e justiça: a política social na ordem brasileira. Rio de Janeiro: Campus, 1979.

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