RESENHA COMENTADA – CIDADANIA NO BRASIL, J. M. DE CARVALHO
José Murilo de Carvalho,
em “Cidadania no Brasil”, elabora uma discussão acerca do fenômeno social “cidadania”,
ou seja, esse vínculo de pertencimento de um indivíduo a uma associação
política, estabelecendo direitos e deveres. Em seu texto busca contemplar as
questões particulares da conquista da cidadania no Brasil.
Nesse sentindo, o autor
elabora suas ideais contrapondo a cidadania brasileira à “cidadania clássica”
de Thomas H. Marshall. Marshall, observando a Inglaterra, estabelece uma ordem
cronológica para o modelo de cidadania na modernidade: (1°) direitos civis, as
liberdades individuais; (2°) direitos políticos, direitos à participação no
exercício do poder político; (3°) direitos sociais, garantia do bem-estar
econômico e social.
Vale ressaltar que em
muitas sociedades liberais os direitos sociais não eram bem vistos, pois
acreditava-se que estes interfeririam nos direitos civis além de formar uma
certa “clientela” que dependeria diretamente do estado. É ao longo dos séculos
XX e XIX que esses direitos passam a ser associados e coexistir com um certo
grau de harmonia.
Voltando ao “Cidadania no
Brasil”, os aspectos considerados pelo autor são históricos e comparativos. O
processo brasileiro de cidadania: (1) tem como marco o ano de 1930, ou seja,
teve início tardiamente se comparado a outros locais do globo; (2) tem ênfase
nos direitos sociais, muitas vezes abrindo mão de direitos políticos e civil,
invertendo a ordem estabelecida pelo modelo de Marshall; (3) além ceder
direitos políticos e civil, a população vivencia o direito social como uma dádiva
e não como uma conquista, o que possibilita uma atuação autoritária estatal
muito maior.
Os argumentos
desenvolvidos no texto de José Murilo de Carvalho têm um alcance longo. Todavia,
os referir-se a cidadania no Brasil como uma “estadania”: “[...]buscava
melhorias por meio de aliança com o Estado, por meio de contato direto com os
poderes públicos. Tal atitude seria mais bem caracterizada como estadania”
(Carvalho, 2002, p. 61), J. M. Carvalho ressalta apenas a face negativa da
intervenção estatal, deixando de lado uma segunda face com aspectos positivos.
Aspectos esses
ressaltados pelo sociólogo Adalberto Cardoso ao afirmar que o projeto de
cidadania de Vargas representou esperança para os trabalhadores de serem
incluídos na ordem política nacional como portadores de direitos mínimos.
Sendo assim, talvez o
termo mais correto para se referir a cidadania brasileira é “cidadania
regulada”, elaborado pelo cientista político Wanderley Guilherme dos Santos e
adotado por Adalberto Cardoso:
Por cidadania regulada entendo o conceito de
cidadania cujas raízes encontram-se, não em um código de valores políticos, mas
em um sistema de estratificação ocupacional, e que ademais, tal sistema de
estratificação ocupacional é definido por norma legal. Em outras palavras, são
cidadãos todos aqueles membros da comunidade que se encontram localizados em
qualquer uma das ocupações reconhecidas e definidas em lei
(Santos, 1979, p. 75).
Já que Carvalho insiste
na defesa da aprimoração do regime representativo brasileiro, para tal deve
aceitar o veredito de Santos de que a herança varguista foram as condições
mínimas para o surgimento do regime representativo brasileiro, incorporando ao ambiente
político, mesmo que lentamente, a competição e a participação de setores antes
marginalizados, rompendo com o clientelismo da I República. Sendo assim o termo
“cidadania regulada” tornasse mais adequado por conseguir abarcar não somente a
“estadania” de José Murilo de Carvalho, mas também a “esperança” de Adalberto
Cardoso.
REFERENCIAS
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo Caminho.
3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
CARDOSO,
A. “Uma utopia brasileira: Vargas e a construção do Estado de Bem-Estar numa
sociedade estruturalmente desigual”. Dados, Rio de Janeiro: vol. 53, n.
4, 2010.
SANTOS, W. G. Cidadania
e justiça: a política social na ordem brasileira. Rio de Janeiro: Campus,
1979.
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