quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Língua de Sinais Brasileira – Básico: História de Educação dos Surdos no Brasil e no mundo

 

Há séculos os surdos são discriminados e afastados do convívio social. Capovilla & Raphael (2008) rastreiam essa exclusão desde a antiguidade, quando era de aceitação geral que a linguagem falada era a única forma de linguagem possível. Isso significava, entre outros exemplos possíveis, que se acreditava que surdos tinham menos chances de aprenderem se comparados aos cegos ou que eram incapazes de herança e mesmo casar.

Houveram esforços pontuais para tentativas de comunicação em diversas partes do mundo ao longo das décadas, tentando romper com o preconceito. O ano de 1760 é um primeiro marco na educação, pois foi quando Charles-Michel de l'Épée criou a primeira escola para Surdos na cidade de Paris, se tornando referência na formação de professores Surdos e incentivando a fundação de escolas em outros países. l'Épée ficou conhecido como "Pai dos surdos".

Um século depois, Hernest Huet, professor surdo também francês veio ao Brasil, para fundar a primeira Escola para Surdos, a convite de D. Pedro II. Por meio do Decreto Imperial n. 839, fundou-se o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos (I.I.S.M.) sediado no Rio de Janeiro. Após dois anos do seu funcionamento, foi renomeado em 26 de setembro de 1859 para Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), uma instituição de ensino especializado para pessoa surda.

Entretanto o Império do Brasil ia contra uma tendência mundial de repressão e exclusão dos surdos que teve como principal expressão o Congresso de Milão ocorrido no ano de 1880, no qual ficou decidido que a Língua de Sinais seria abolida da Educação de Surdos, prevalecendo o uso da Língua Oral.

Perlin e Strobel (2006) afirmam que o impacto sobre a educação dos surdos foi terrível, relegando a essas pessoas o abandono de sua cultura por aproximadamente cem anos. O método de comunicação aceito passou a ser a oralização, baseado na ideia de que o surdo deveria se expressar através do treino da fala e utilizar-se da leitura labial. Haviam outros métodos, como o "método da comunicação total" (mistura da Língua Oral com a Língua de Sinais) e alguns embriões do "bilinguismo" (baseado no aprendizado da Língua de Sinais como primeira Língua do Surdo) com menor expressão.

No Brasil, o INES seguia funcionando. Nas décadas iniciais do século XX, o Instituto oferecia, além da instrução literária, o ensino profissionalizante, oferecendo alternativas para que os surdos pudessem conquistar mais espaço em nichos profissionalizados da população. A conclusão dos estudos estava condicionada à aprendizagem de um ofício. Os alunos frequentavam, de acordo com suas aptidões, oficinas de sapataria, alfaiataria, gráfica, marcenaria e artes plásticas.

É preciso considerar que a prática de ofícios esteve ligada a disciplina e ordem, criminalizando o ócio ou ocupações que não fossem consideradas produtivas se realizadas por certas parcelas da população. Tal criminalização se dava para tentar suprimir o estigma do trabalho manual resultado escravidão e da industrialização tardia no Brasil (CARVALHO; SILVA; ARAÚJO, 2016).

Ao longo do século XX, os surdos lideraram o movimento de oficialização da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS. Em 1993, um projeto de Lei deu início a uma longa batalha de legalização e regulamentação em âmbito federal, culminando com a criação da Lei nº 10.436 de 24 de abril de 2002, que reconhece a Língua Brasileira de Sinais, seguida pelo Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, que a regulamenta.

Este Decreto contém nove capítulos dispondo sobre os seguintes temas: a LIBRAS como disciplina curricular; o ensino da língua portuguesa oferecida aos alunos surdos como segunda língua; a formação de profissionais bilíngues; e também a regulamentação do uso e difusão dessa língua em ambientes públicos e privados.

Pode-se considerar este momento um marco para o acesso dos surdos à educação bilíngue. O Decreto dispõe sobre LIBRAS como disciplina nos currículos, normatizando seu uso e difusão, bem como determina que o ensino da Língua Portuguesa seja oferecido como segunda língua para os sujeitos surdos.

Há, entretanto, que se fazer algumas críticas a essas legislações (que foram alvo de trabalho dessa disciplina anteriormente), como quanto a eficácia do artigo 4º da Lei nº 10.436, que dispõe que o sistema educacional federal e sistemas educacionais estaduais, municipais e do Distrito Federal devam garantir a inclusão nos cursos de formação de Educação Especial, em seus níveis médio e superior, do ensino da Língua Brasileira de Sinais, pois consta do Anuário da Educação Básica de 2020 que o número de alunos com deficiências sobre a cada ano, mas que faltam dados para o acompanhamento efetivo do atendimento dessas crianças e jovens. Nesse sentido, me parece um ponto negativo a ausência de uma determinação sobre o processo de acompanhamento desse sistema educacional.

Outra brecha ou ponto negativo é a omissão quanto a infraestrutura adequada: apesar de fazer referência a garantia de atendimento e tratamento adequado, tendo como exemplo novamente o Anuário da Educação Básica de 2020, o que se percebe é que há uma baixíssima porcentagem de escolas com recursos multifuncionais para o atendimento dos diversos tipos de deficiência.

Quanto ao Decreto nº 5.626, problemas citados anteriormente tem eco, pois - apesar do pioneirismo na questão do perfil profissional do Tradutor e Intérprete de Libras - se omite nas discussões sobre o acompanhamento dos sistemas educacionais e a infraestrutura elementar necessária para o desenvolvimento pleno de surdos.

Além disso, recorrendo novamente ao Anuário da Educação Básica de 2020, constata-se que há uma prevalência do critério de exceção de formação em nível médio, por meio de cursos de educação profissional, de extensão universitária, ou promovidos por instituições de ensino superior e instituições credenciadas por secretarias de educação, o que demonstra mais uma falha da legislação. Contudo é preciso sempre ressaltar que essa lei foi uma conquista obtida através da luta pelos direitos dos surdos em espaços de cidadania como a escolas, sindicatos, igrejas etc.

Mais de 9 milhões de brasileiros declararam ter deficiência auditiva ao IBGE no Censo Demográfico realizado em 2010. Destes, 2,1 milhões (21%) afirmaram ter deficiência auditiva severa, sendo 344,2 mil surdos e 1,7 milhão com grande dificuldade em ouvir. Em 2015, a Relação Anual de Informações Sociais (Rais) informou que apenas 80 mil pessoas com algum nível de surdez trabalhavam com carteira assinada. Antes de ser um problema apenas do mercado, a baixa contratação de surdos e deficientes auditivos têm a sua raiz no acesso à educação básica e superior.

De acordo com dados do Panorama Final da Educação Superior para Surdos do INES, o número de Instituições de Ensino Superior com alunos deficientes auditivos matriculados no Brasil entre 2010 e 2015 cresceu 20,76%. No entanto, observou-se um decréscimo de 2,17% em 2015, quando comparado com 2014. Em relação ao número de instituições com alunos surdos, observou-se um crescimento de 35% no período compreendido entre 2010 e 2015 e de 11,72% no último período avaliado (2014 a 2015). Tal crescimento pode ser reflexo de diversas políticas públicas voltadas aos surdos nas últimas duas décadas.

Do total de 541 instituições com alunos deficientes auditivos matriculados, 408 (75,41%) eram privadas. Do restante, 86 (15,89%) eram da rede pública federal, 38 (7,02%) da rede pública estadual e 9 (1,66%) da rede pública municipal. Já em relação às 324 instituições com alunos surdos, 238 (73,46%) alunos eram de instituições privadas, 48 (14,81%) da rede pública federal, 27 (8,33%) da rede pública estadual e 11 (3,4%) da rede pública municipal.

Apesar de dados positivos, como apontamos anteriormente, ainda falta muito para superarmos os problemas apresentados na Relação Anual de Informações Sociais (Rais), com destaque para a baixa contratação de surdos e deficientes auditivos.

 

REFERÊNCIAS

CAPOVILLA, F. C.; RAPHAEL, W. D. Dicionário enciclopédico ilustrado trilíngüe da Língua de Sinais Brasileira. 2 ed. São Paulo, Edusp. 2008.

 

CARVALHO. Olgamir Francisco de; SILVA, Caetana Juracy Rezende; ARAÚJO, Mariângela de. Educação Profissional e Tecnológica: Elementos Históricos e Conceituais. In: ROCHA, Maria Zélia Borba, PIMENTEL, Nara Pimentel (Orgs). Organização da educação brasileira: marcos contemporâneos. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2016. p.309-347.

 

COLUNISTA PORTAL - EDUCAÇÃO. História da Educação de Surdos. s/d. Disponível em: https://siteantigo.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/educacao/historia-da-educacao-de-surdos/65157. Consultado em outubro de 2021.

 

DUBOC, M. J. O. A formação do professor e a inclusão educativa: uma reflexão centrada no aluno surdo. Sitientibus, Feira de Santana, n. 31, p. 119-130, 2004.

 

ESDRAS, Dirceu Esdras; GALASSO, Bruno. Panorama da educação de surdos no Brasil: ensino superior. Rio de Janeiro: INES, 2017. Disponível em: https://neo.ines.gov.br/neo/panorama/Panorama_Final.pdf. Consultado em outubro de 2021.

 

INES. Conheça o INES. s/d. Disponível em: https://www.ines.gov.br/conheca-o-ines. Consultado em outubro de 2021.

 

NASCIMENTO, Henrique. Educação de surdos: entenda os desafios no Brasil. 2019. Disponível em: https://www.uninassau.edu.br/noticias/educacao-de-surdos-entenda-os-desafios-no-brasil. Consultado em outubro de 2021.

 

PERLIN, Gladis; STROBEL, Karin. Fundamentos da educação de surdos. Florianópolis, 2006.

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