Há séculos os surdos são discriminados e
afastados do convívio social. Capovilla & Raphael (2008) rastreiam essa
exclusão desde a antiguidade, quando era de aceitação geral que a linguagem
falada era a única forma de linguagem possível. Isso significava, entre outros
exemplos possíveis, que se acreditava que surdos tinham menos chances de
aprenderem se comparados aos cegos ou que eram incapazes de herança e mesmo
casar.
Houveram esforços pontuais para tentativas
de comunicação em diversas partes do mundo ao longo das décadas, tentando
romper com o preconceito. O ano de 1760 é um primeiro marco na educação, pois
foi quando Charles-Michel de l'Épée criou a primeira escola para Surdos na
cidade de Paris, se tornando referência na formação de professores Surdos e
incentivando a fundação de escolas em outros países. l'Épée ficou conhecido
como "Pai dos surdos".
Um século depois, Hernest Huet, professor
surdo também francês veio ao Brasil, para fundar a primeira Escola para Surdos,
a convite de D. Pedro II. Por meio do Decreto Imperial n. 839, fundou-se o
Imperial Instituto dos Surdos-Mudos (I.I.S.M.) sediado no Rio de Janeiro. Após
dois anos do seu funcionamento, foi renomeado em 26 de setembro de 1859 para
Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), uma instituição de ensino
especializado para pessoa surda.
Entretanto o Império do Brasil ia contra
uma tendência mundial de repressão e exclusão dos surdos que teve como
principal expressão o Congresso de Milão ocorrido no ano de 1880, no qual ficou
decidido que a Língua de Sinais seria abolida da Educação de Surdos,
prevalecendo o uso da Língua Oral.
Perlin e Strobel (2006) afirmam que o
impacto sobre a educação dos surdos foi terrível, relegando a essas pessoas o
abandono de sua cultura por aproximadamente cem anos. O método de comunicação
aceito passou a ser a oralização, baseado na ideia de que o surdo deveria se
expressar através do treino da fala e utilizar-se da leitura labial. Haviam
outros métodos, como o "método da comunicação total" (mistura da
Língua Oral com a Língua de Sinais) e alguns embriões do
"bilinguismo" (baseado no aprendizado da Língua de Sinais como
primeira Língua do Surdo) com menor expressão.
No Brasil, o INES seguia funcionando. Nas
décadas iniciais do século XX, o Instituto oferecia, além da instrução
literária, o ensino profissionalizante, oferecendo alternativas para que os
surdos pudessem conquistar mais espaço em nichos profissionalizados da
população. A conclusão dos estudos estava condicionada à aprendizagem de um
ofício. Os alunos frequentavam, de acordo com suas aptidões, oficinas de
sapataria, alfaiataria, gráfica, marcenaria e artes plásticas.
É preciso considerar que a prática de
ofícios esteve ligada a disciplina e ordem, criminalizando o ócio ou ocupações
que não fossem consideradas produtivas se realizadas por certas parcelas da
população. Tal criminalização se dava para tentar suprimir o estigma do
trabalho manual resultado escravidão e da industrialização tardia no Brasil
(CARVALHO; SILVA; ARAÚJO, 2016).
Ao longo do século XX, os surdos lideraram
o movimento de oficialização da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS. Em 1993,
um projeto de Lei deu início a uma longa batalha de legalização e
regulamentação em âmbito federal, culminando com a criação da Lei nº 10.436 de
24 de abril de 2002, que reconhece a Língua Brasileira de Sinais, seguida pelo
Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, que a regulamenta.
Este Decreto contém nove capítulos
dispondo sobre os seguintes temas: a LIBRAS como disciplina curricular; o
ensino da língua portuguesa oferecida aos alunos surdos como segunda língua; a
formação de profissionais bilíngues; e também a regulamentação do uso e difusão
dessa língua em ambientes públicos e privados.
Pode-se considerar este momento um marco
para o acesso dos surdos à educação bilíngue. O Decreto dispõe sobre LIBRAS
como disciplina nos currículos, normatizando seu uso e difusão, bem como
determina que o ensino da Língua Portuguesa seja oferecido como segunda língua
para os sujeitos surdos.
Há, entretanto, que se fazer algumas
críticas a essas legislações (que foram alvo de trabalho dessa disciplina
anteriormente), como quanto a eficácia do artigo 4º da Lei nº 10.436, que
dispõe que o sistema educacional federal e sistemas educacionais estaduais,
municipais e do Distrito Federal devam garantir a inclusão nos cursos de
formação de Educação Especial, em seus níveis médio e superior, do ensino da
Língua Brasileira de Sinais, pois consta do Anuário da Educação Básica de 2020
que o número de alunos com deficiências sobre a cada ano, mas que faltam dados
para o acompanhamento efetivo do atendimento dessas crianças e jovens. Nesse
sentido, me parece um ponto negativo a ausência de uma determinação sobre o
processo de acompanhamento desse sistema educacional.
Outra brecha ou ponto negativo é a omissão
quanto a infraestrutura adequada: apesar de fazer referência a garantia de
atendimento e tratamento adequado, tendo como exemplo novamente o Anuário da
Educação Básica de 2020, o que se percebe é que há uma baixíssima porcentagem
de escolas com recursos multifuncionais para o atendimento dos diversos tipos
de deficiência.
Quanto ao Decreto nº 5.626, problemas
citados anteriormente tem eco, pois - apesar do pioneirismo na questão do
perfil profissional do Tradutor e Intérprete de Libras - se omite nas
discussões sobre o acompanhamento dos sistemas educacionais e a infraestrutura
elementar necessária para o desenvolvimento pleno de surdos.
Além disso, recorrendo novamente ao
Anuário da Educação Básica de 2020, constata-se que há uma prevalência do
critério de exceção de formação em nível médio, por meio de cursos de educação
profissional, de extensão universitária, ou promovidos por instituições de
ensino superior e instituições credenciadas por secretarias de educação, o que
demonstra mais uma falha da legislação. Contudo é preciso sempre ressaltar que
essa lei foi uma conquista obtida através da luta pelos direitos dos surdos em
espaços de cidadania como a escolas, sindicatos, igrejas etc.
Mais de 9 milhões de brasileiros declararam
ter deficiência auditiva ao IBGE no Censo Demográfico realizado em 2010.
Destes, 2,1 milhões (21%) afirmaram ter deficiência auditiva severa, sendo
344,2 mil surdos e 1,7 milhão com grande dificuldade em ouvir. Em 2015, a
Relação Anual de Informações Sociais (Rais) informou que apenas 80 mil pessoas
com algum nível de surdez trabalhavam com carteira assinada. Antes de ser um
problema apenas do mercado, a baixa contratação de surdos e deficientes
auditivos têm a sua raiz no acesso à educação básica e superior.
De acordo com dados do Panorama Final da
Educação Superior para Surdos do INES, o número de Instituições de Ensino
Superior com alunos deficientes auditivos matriculados no Brasil entre 2010 e
2015 cresceu 20,76%. No entanto, observou-se um decréscimo de 2,17% em 2015,
quando comparado com 2014. Em relação ao número de instituições com alunos
surdos, observou-se um crescimento de 35% no período compreendido entre 2010 e
2015 e de 11,72% no último período avaliado (2014 a 2015). Tal crescimento pode
ser reflexo de diversas políticas públicas voltadas aos surdos nas últimas duas
décadas.
Do total de 541 instituições com alunos
deficientes auditivos matriculados, 408 (75,41%) eram privadas. Do restante, 86
(15,89%) eram da rede pública federal, 38 (7,02%) da rede pública estadual e 9
(1,66%) da rede pública municipal. Já em relação às 324 instituições com alunos
surdos, 238 (73,46%) alunos eram de instituições privadas, 48 (14,81%) da rede
pública federal, 27 (8,33%) da rede pública estadual e 11 (3,4%) da rede
pública municipal.
Apesar de dados positivos, como apontamos
anteriormente, ainda falta muito para superarmos os problemas apresentados na
Relação Anual de Informações Sociais (Rais), com destaque para a baixa
contratação de surdos e deficientes auditivos.
REFERÊNCIAS
CAPOVILLA, F. C.;
RAPHAEL, W. D. Dicionário enciclopédico ilustrado trilíngüe da Língua de Sinais
Brasileira. 2 ed. São Paulo, Edusp. 2008.
CARVALHO. Olgamir
Francisco de; SILVA, Caetana Juracy Rezende; ARAÚJO, Mariângela de. Educação
Profissional e Tecnológica: Elementos Históricos e Conceituais. In: ROCHA,
Maria Zélia Borba, PIMENTEL, Nara Pimentel (Orgs). Organização da educação
brasileira: marcos contemporâneos. Brasília: Editora Universidade de Brasília,
2016. p.309-347.
COLUNISTA PORTAL -
EDUCAÇÃO. História da Educação de Surdos. s/d. Disponível em:
https://siteantigo.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/educacao/historia-da-educacao-de-surdos/65157.
Consultado em outubro de 2021.
DUBOC, M. J. O. A
formação do professor e a inclusão educativa: uma reflexão centrada no aluno
surdo. Sitientibus, Feira de Santana, n. 31, p. 119-130, 2004.
ESDRAS, Dirceu
Esdras; GALASSO, Bruno. Panorama da educação de surdos no Brasil: ensino
superior. Rio de Janeiro: INES, 2017. Disponível em:
https://neo.ines.gov.br/neo/panorama/Panorama_Final.pdf. Consultado em outubro
de 2021.
INES. Conheça o
INES. s/d. Disponível em: https://www.ines.gov.br/conheca-o-ines. Consultado em
outubro de 2021.
NASCIMENTO,
Henrique. Educação de surdos: entenda os desafios no Brasil. 2019. Disponível
em:
https://www.uninassau.edu.br/noticias/educacao-de-surdos-entenda-os-desafios-no-brasil.
Consultado em outubro de 2021.
PERLIN, Gladis;
STROBEL, Karin. Fundamentos da educação de surdos. Florianópolis, 2006.
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