segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Fichamento – Tipos de campesinato latino-americano

 

WOLF, Eric W.  2003. “Tipos de Campesinato Latino-Americano:  Uma Discussão Disciplinar”.  In: Antropologia e Poder, Brasília/Campinas: EdUnB/Editora Unicamp.

 

Conhecer a trajetória de Wolf é particularmente interessante para mim, pois, há um ano, quando comecei a me interessar pelas questões ambientais na antropologia eu busquei por autores que não conhecemos em Teoria Antropológica 1 e 2. Foi então que descobri o neoevolucismo e a ecologia cultural. Descobri que o que estudamos nas disciplinas citadas anteriormente é apenas um pedacinho das discussões sobre antropologia que existem pelo globo. Percebi também a influência que o posicionamento político dos autores tinha sobre a sua inclusão ou não nos currículos das matérias teóricas. Que a ecologia cultural era uma vertente em voga entre antropólogos "à esquerda" no espectro político norte americano. Li textos originais de Leslie White, Julian Steward e na sequência, entre os orientandos Roy Rappaport e Eric Wolf, acabei optando pelo primeiro. Fui conhecer um pouco de diferentes interpretações para rituais como expressão social e religiosa de controle sobre o meio ambiente, estudos sobre consumo e produção de calorias, etc. desaguando em alguns brasilianistas como Emílio Moran, já na vertente de estudos da adaptabilidade.

Wolf produziu em paralelo a esses autores, numa linha mais próxima de Gonzalo Aguirre Beltrán e Ángel Palerm, todos numa vertente política socialista. Do diálogo com Sidney Mintz aprofunda-se as investigações sobre o mundo rural com foco nas diversidades locais e os modos diferentes através dos quais pressões capitalistas foram vivenciadas por populações específicas. Esse é o contexto de publicação de "Tipos de Campesinato na América Latina". O objetivo do texto é delimitar uma tipologia de grupos camponeses latino americanos reorientando a investigação antropológica de foco culturalista para dedicar especial atenção à estrutura desses grupos camponeses.

O autor abre mão da caracterização genérica do campesinato e opta por definir camponês como produtor agrícola que retém o controle efetivo de sua terra com fins de subsistência. Afirmando a importância do fator histórico e econômico sobre um cenário local - principalmente em uma América Latina disputada por potências mundiais -, Wolf reforça a importância de observar a relação estrutural da comunidade que os camponeses desenvolvem e reforçam para manter seu núcleo socio cultural integro na medida em que se relaciona com um componente externo maior (a cidade, o mercado, o modo de produção capitalista, etc.). Nesse sentido, para Wolf, é necessário observar os campesinatos como culturais parciais.

Partindo de exemplos de base empírica, Wolf propõe as noções de comunidades corporadas e comunidades abertas. As comunidades corporadas são comumente localizadas em terras altas, normalmente marginais, exploradas por meio de uma tecnologia tradicional (envolvendo predominantemente o componente físico). Esses fatos interferem diretamente sobre a capacidade de produção da comunidade e acabam tendo por consequência a pobreza, reforçada pela limitação da capacidade de consumo de bens externos. Dificilmente o chefe familiar diferencia o que é fruto de seu trabalho de outros tipos de renda. A terra é de propriedade comum, abrindo possibilidade de redistribuição quando necessário. As principais decisões são tomadas dentro do sistema político-religioso apoiado na família nuclear, que define as fronteiras e é fator de coesão social, instituindo mecanismos de nivelação e controle que, no limite, reforçam a integridade da estrutura. É comum a rejeição ao estrangeiro ou forasteiro, com o objetivo último de reduzir a ameaça à integridade da comunidade e expressão a adesão cultural ativa dos membros do grupo camponês.

Já comunidades abertas abarcam várias subculturas, sendo o campesinato apenas uma delas. Essas comunidades produzem com o objetivo de vender. As relações de troca (compra e venda) são construídas a partir de alianças informais entre famílias e clientes. Estão localizadas em planaltos baixos e úmidos ou terras baixas tropicais e há tendencia para ocupação marginal e adoção de tecnologia primitiva (que pode ser alterada a depender do crédito fornecido pelo especulador externo, influenciando também sobre a alternância entre tipos de produção). Há capitalização, mas em pequena escala e intermitente. A interação com o mundo externo é intensa e incentivada, pois os fatores de coesão social são diferentes e a demanda por produtos externos é elevada. Wolf faz uma ressalva para a possibilidade de alternância entre produção para subsistência e produção para venda, a depender das necessidades da comunidade e condições do mercado externo. Essa alternância caracteriza um mecanismo ativo da comunidade. Nos dois casos o ritmo de mudanças é lento.

Por fim, Wolf traz outros cinco tipos de camponeses, mas não os aprofunda pela carência de dados empíricos. Além disso, o autor não exclui a possibilidade de revisão dos tipos definidos, muito menos a possibilidade de descoberta de novos tipos. O ponto principal é a defesa de uma análise baseada no estudo da estrutura da comunidade.

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