segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Fichamento – Grupos domésticos; Coletividades locais

 

MENDRAS,  Henri.  1978.  “Grupos domésticos”; “Coletividades locais”. In: Sociedades  Camponesas,  Rio  de  Janeiro: Zahar. (cap. 3 e 4).

 

Henri Mendras foi fundador da sociologia rural na França, morreu em 5 de novembro de 2003. Estudante da Sorbonne e do Instituto de Estudos Políticos de Paris (onde seguiu os ensinamentos de Georges Gurvitch, Georges Friedmann, Gabriel Le Bras e Jean Stoetzel), conviveu com outros futuros sociólogos de sua geração, que também se tornaram seus amigos mais próximos: Éric de Dampierre, Jean-René Tréanton, Michel Crozier, Jean-Daniel Reynaud, Alain Touraine.

Na obra em estudo, Mendras analisa questões relativas à técnica, regime fundiário, regime financeiro e social (aprendizagem, criação de cooperativas e mútuas de equipamentos agrícolas, compra, venda, gestão etc.).

De acordo com Mendras, da transformação de uma sociedade agrária, subordinada à cidade e à centralidade da burguesia, e não mais à feudalidade, surge o campesinato. Direito a propriedade e dinheiro passam a organizar a sociedade e a vida cotidiana.

As “novas” instituições passam a determinar novas configurações às sociedades camponesas, que podem ser caracterizadas por cinco traços principais: uma relativa autonomia face à sociedade global; a importância estrutural dos grupos domésticos, um sistema econômico de autarcia relativa, uma sociedade de interconhecimentos e a função decisiva dos mediadores entre a sociedade local e a sociedade global.

A autonomia depende da capacidade que o grupo doméstico - e não família - tem de prover a subsistência em dois níveis complementares: a subsistência imediata, isto é, o atendimento às necessidades do grupo doméstico, e a reprodução da família pelas gerações subsequentes. Para tanto, há que se considerar a especificidade de seu sistema de produção e a constituição do patrimônio familiar. A terra enquanto patrimônio garante a perpetuação de uma linhagem, pois se torna a sustentação econômica e, principalmente, moral de uma família.

Pensando nas formas com que os humanos se relacionam com o meio ambiente, desenvolvidas localmente, Mendras propõe a ideia de "habitats" e "sociedades de interconhecimento", onde "todo mundo se conhece”. A designação de um habitat - que é, simultaneamente território, definido por oposição aos territórios vizinhos, e um território construído que serve a seus habitantes de residência, de instrumento de trabalho e de quadro de sociabilidade - nos permite pensar como a terra garante vida e trabalho, com valor imaterial por ser lugar da coletividade local ou da comunidade rural, núcleo organizador da sociabilidade camponesa.

Em resumo, a parte destinada a leitura trata dos temas descritos acima. Porém, se me é permitido abordar questões particulares das pesquisas que tenho desenvolvido, considero importante citar o olhar que Mendras lança sobre a adaptação e a relação entre humano e meio. Cabe destacar a parte inicial do texto, onde o autor lança árduas críticas ao mito da natureza intocada (1978, p. 19): “a natureza virgem não é mais do que um mito criado pela ideologia de civilizados sonhadores de um mundo diferenciado do seu [...]”.

Mais que isso, ele abre brechas para um estudo do que hoje chamamos de agência dos não humanos com passagens como: "A História agrícola da Europa pode ser resumida em uma luta entre a agricultura e a floresta: nos períodos de crescimento demográfico, a floresta retira-se diante do assalto dos homens, mas sempre pronta a reconquistar o território cultivado, esperando um novo assalto" (MENDRAS, 1978, p. 20-21).

 

Textos consultados

FREITAS, Alair Ferreira de; BOTELHO, Maria Izabel Vieira. Campesinato como ordem moral: (re)visitando clássicos e (re)pensando a economia camponesa. Revista NERA Presidente Prudente Ano 14, nº. 19 pp. 44-58 Jul-dez./2011

 

WANDERLEY, Maria de Nazareth Baudel. Raízes históricas do campesinato brasileiro. XX Encontro anual da ANPOCS. GT 17. Processos sociais agrários. Caxambu, MG. 1996.

 

“Henri Mendras (1927-2003)”, Rural Studies [Online], 167-168 | 2003, postado em 17 de dezembro de 2004, consultado em 08 de agosto de 2021. URL: http://journals.openedition.org/etudesrurales/2929; DOI: https://doi.org/10.4000/etudesrurales.2929

 

SILVA, Carlos Eduardo Mazzetto. Modo de apropriação da natureza e territorialidade camponesa: revisitando e ressignificando o conceito de campesinato. Geografias. Belo Horizonte 03(1) 46-63 janeiro-junho de 2007.

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