MILL, John Stuart. Utilitarismo. São Paulo: Editora Escala, 2007.
TORRES, André Castelo Branco Alves. O UTILITARISMO É UM
ASCETICISMO. 2017. 192 f. Tese (Doutorado) - Curso de Graduação
em Filosofia, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2017.
“Na regra de ouro
de Jesus de Nazaré podemos encontrar o espírito da ética utilitarista em sua plenitude.
Fazer aos outros o que gostaríamos que nos fosse feito e amar ao próximo como a
nós próprios constituem a perfeição ideal da moral utilitarista.” (MILL, 2007).
Já adianto que não. Recentemente
tive que ler mais profundamente sobre o utilitarismo, mais especificamente o utilitarismo
inglês, que tem como representante John Stuart Mill. Não há possibilidade de
falar de J.S.M. sem pensar em liberalismo, mas ao observar uma obra muito específica
desse autor surgiu-me a dúvida ele realmente estaria numa linha política a
direita. No livro, de título muito criativo, “Utilitarismo”, de 1861, Mill apresenta
a práxis utilitarista, cujos princípios são empregados também no liberalismo
novecentista.
“Neste projeto, a
exclusão da presença de Deus é um dos pilares do sistema. Para os membros deste
movimento filosófico: “não podemos contar com uma divindade que tornará o mundo
harmonioso para nós, quer nesta vida, ou em outra. Cabe a nós tornar o mundo
moral harmonioso”’ (TORRES, 2017).
A minha dúvida poderia
habitar a cabeça de muitas outras pessoas. Num primeiro momento supus “Mill é um
comunista incompreendido!”, mas após debater com alguns professores cheguei a
uma outra conclusão um tanto quanto assustadora. Mill é liberal, mas não é o
que se popularizou hoje (século XXI) como liberal.
“Todas as leis
devem provar que possuem razões de maior benefício para sua criação do que o
peso dado às razões que existem contra elas [...] não existe nenhuma ocasião em
que uma pessoa não tenha motivos para promover a felicidade de outras” (MILL, 2007).
Pensamos a política de
maneira binária, algo extremamente simplista, e de algum tempo pra cá,
colocamos a esquerda como representante de toda a esfera social, dos direitos
humanos, de maconha, de aborto, de lei trabalhista, do marxismo. Já a direita é
quem privatiza, quem corta gasto, quem trabalha para o mercado abrindo mão da
saúde e do bem-estar da população. Quem é de esquerda demoniza quem é de
direita, e o contrário também acontece.
“Os maiores
obstáculos para que tal projeto não se concretizasse seriam a carência educacional,
e a estrutura social perpetuadora de desigualdades” (TORRES, 2017).
Mas na realidade, essa
visão maniqueísta em si já é suficientemente negativa, só que modificou-se de
tal forma o liberalismo, que da essência utilitarista de Mill ele não tem nada,
ou tem tão pouco que é imperceptível. Mill e outros liberais de seu tempo
defendiam bandeiras que hoje são de “esquerdopatas”, como: igualdade, reforma agraria,
fim de privilégios, cooperativismo em detrimento da competição, o bem-estar
social.
“O desenvolvimento
das instituições, fomentadas com o propósito utilitarista, tende a diminuir os efeitos
do sofrimento da comunidade ao longo do tempo, e para que tais instituições ganhassem
força também seria vital a conscientização do indivíduo, eis a função
educativa, pois deveria haver um discurso afinado entre as partes, assim como
um certo sacrifício das camadas mais abastadas” (TORRES, 2017).
Hoje em dia Mill seria
comunista. É um tanto quanto anacrônico, mas é a minha conclusão. O liberalismo
do século XXI é um monstro, é uma distorção do termo que ofenderia qualquer
liberal que tenha lido Mill, e o mais preocupante é que esse liberalismo ganha
mais e mais seguidores exatamente por ser essa anomalia suicida para qualquer
país. É próximo do que Schumpeter fez com o termo “democracia”. Num discurso de
manutenção de “direitos individuais”, desumanizou-se completamente a política,
que tem por essência resolver os problemas humanos, garantir o bem-estar
social.
“Sofrimento e
sacrifício nunca seriam bens em si, entretanto estes poderiam ser perfeitamente
plausíveis se tendessem a produzir mais felicidade do que sofrimento à
comunidade”
(MILL, 2007).
Temos que acabar com o
discurso de que direitos humanos é coisa de esquerda, que combate a desigualdade
é coisa de esquerda, que lei trabalhista é coisa de esquerda. Não é SÓ de esquerda,
é coisa de gente, de política, de ciência, de tudo. Não se deve fazer política
tirando o fator humano da balança de decisões, se não você mata, direta ou
indiretamente. Isso que chamam de liberalismo hoje é política de morte, de
seleção de quem pode ou não viver, quem pode ou não ter condições dignas de
vida. Não se governa pra maioria, nem pra minoria, se governa pra todos.
“A ação seria
eticamente válida pelo fato de contrabalancear não apenas os ganhos unicamente
particulares, mas a felicidade da coletividade. Do mesmo modo, seria
benevolente quando as camadas mais privilegiadas abrissem mão de um egoísmo infrutífero,
para viabilizarem projetos que desenvolvessem as demais” (TORRES, 2017).
Vamos refletir sobre o
que acreditamos e como isso impacta as outras pessoas. Liberais de 2018, leiam
os clássicos antes de ler Mises ou de afirmar ser “liberal na economia e
conservador nos costumes”, leiam Mill, Smith, Ricardo, leiam Marx pra criticar.
Parem de repetir qualquer idiotice que escutam, leiam e tirem suas conclusões,
vocês são capazes. Não consigo acreditar que um terço dos brasileiros é misógino,
racista, machista, anarcocapitalistas, xenofóbicos, homofóbicos. Leiam, não doí.
Por um dia parem de compartilhar notícia falsa no whatsapp, baixem um
livro e leiam.
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