O ponto de partida para a
compreensão historiográfica deve ser a curiosidade. Não se narra a história sem
curiosidade, é o que nos faz revirar o passado, é o que faz Sonja insistir em
sua busca, é o que garante, no mínimo, o entretenimento proporcionado pela
história, parafraseando Marc Bloch. A curiosidade é o marco zero, mas só
curiosidade em si não garante uma boa pratica historiográfica.
A investigação do
historiador precisa se localizar no tempo, ou seja, precisa ser diacrônica e
não há diacronia sem datas, datas que são definidas pela pergunta que o
historiador quer responder. Veja bem: por quê Sonja insiste tanto na obtenção
dos documentos no arquivo e de relatos pessoais? A curiosidade gerou dúvida: “o
que aconteceu na sua cidade durante a Segunda Grande Guerra?”, na pergunta ela
define implicitamente a data: entre 1939 e 1945. Agora ela precisa de vestígios
desse recorte temporal, vestígios que ela obtém nos documentos do arquivo e nos
relatos dos moradores mais antigos, mas revirar o passado nem sempre é
conveniente.
O passado incomoda e tem
que incomodar. Nem mesmo o marido da protagonista quer que ela siga na busca
dos documentos. A partir de certo ponto essa caçada se torna perigosa: o gato
da família é assassinado e, por diversas vezes, atentam contra a vida de Sonja
e de sua família. Existem lacunas no passado que causam constrangimento: ser
relacionado a entrega de judeus aos nazistas acabou com a carreira do
professor. São esses constrangimentos que geram o esquecimento: é mais confortável
para todos que aquilo seja esquecido, seja deixado de lado. Mas o historiador
atento coloca o dedo na ferida, ele busca o esclarecimento, retira expressão do
silêncio.
No filme, o silêncio já
havia se cristalizado, e ao cristalizar-se, torna-se memória, busca eximir de
culpa e consegue até que o historiador aparece. O historiador quebra o cristal,
ele abre as portas de um passado doloroso, apresenta fontes e fatos, mas não
com o interesse de criar outra memoria, de formar outro cristal, muito pelo contrário,
isso o assusta, por essa razão a protagonista surta ao final: ao ver seu busto
ela percebe que criou um novo cristal, que, sem perceber e sem intenção, fechou
novamente as portas do passado e isso a fere profundamente. É no passado sempre
aberto, sujeito a novas indagações que reside a boa historiografia. São,
necessariamente, nas diversas narrativas e na discussão constante baseada nas
fontes e nos fatos do recorte original que reside a compreensão
historiográfica.