terça-feira, 28 de maio de 2019

RELATÓRIO: “A cidade sem passado”

A partir da narrativa cinematográfica de “A cidade sem passado” discuta o que caracteriza a compreensão historiográfica na atualidade, considerando os constrangimentos que recebe e as relações com as diferentes temporalidades, as fontes e os documentos, a memória e os esquecimentos. Considere aquilo que disseram Marc Bloch e Antoine Proust.

O ponto de partida para a compreensão historiográfica deve ser a curiosidade. Não se narra a história sem curiosidade, é o que nos faz revirar o passado, é o que faz Sonja insistir em sua busca, é o que garante, no mínimo, o entretenimento proporcionado pela história, parafraseando Marc Bloch. A curiosidade é o marco zero, mas só curiosidade em si não garante uma boa pratica historiográfica.
A investigação do historiador precisa se localizar no tempo, ou seja, precisa ser diacrônica e não há diacronia sem datas, datas que são definidas pela pergunta que o historiador quer responder. Veja bem: por quê Sonja insiste tanto na obtenção dos documentos no arquivo e de relatos pessoais? A curiosidade gerou dúvida: “o que aconteceu na sua cidade durante a Segunda Grande Guerra?”, na pergunta ela define implicitamente a data: entre 1939 e 1945. Agora ela precisa de vestígios desse recorte temporal, vestígios que ela obtém nos documentos do arquivo e nos relatos dos moradores mais antigos, mas revirar o passado nem sempre é conveniente.
O passado incomoda e tem que incomodar. Nem mesmo o marido da protagonista quer que ela siga na busca dos documentos. A partir de certo ponto essa caçada se torna perigosa: o gato da família é assassinado e, por diversas vezes, atentam contra a vida de Sonja e de sua família. Existem lacunas no passado que causam constrangimento: ser relacionado a entrega de judeus aos nazistas acabou com a carreira do professor. São esses constrangimentos que geram o esquecimento: é mais confortável para todos que aquilo seja esquecido, seja deixado de lado. Mas o historiador atento coloca o dedo na ferida, ele busca o esclarecimento, retira expressão do silêncio.
No filme, o silêncio já havia se cristalizado, e ao cristalizar-se, torna-se memória, busca eximir de culpa e consegue até que o historiador aparece. O historiador quebra o cristal, ele abre as portas de um passado doloroso, apresenta fontes e fatos, mas não com o interesse de criar outra memoria, de formar outro cristal, muito pelo contrário, isso o assusta, por essa razão a protagonista surta ao final: ao ver seu busto ela percebe que criou um novo cristal, que, sem perceber e sem intenção, fechou novamente as portas do passado e isso a fere profundamente. É no passado sempre aberto, sujeito a novas indagações que reside a boa historiografia. São, necessariamente, nas diversas narrativas e na discussão constante baseada nas fontes e nos fatos do recorte original que reside a compreensão historiográfica.



DESCOLA, Philippe. 2016. Outras naturezas, outras culturas.

DESCOLA, Philippe. 2016. Outras naturezas, outras culturas. São Paulo: Editora 34. 
O livro começa com uma distinção entre natural e cultural, tendo por natural tudo aquilo que se produz sem a ação humana e cultural, tudo que se produz com a ação humana. Essa conceituação é importante porque durante todo o texto o autor vai propor a ideia de que somos fruto da mistura do natural com o cultural, a biologia se mescla com os valores sociais que carregamos, e a partir desse gancho é apresentada implicitamente a ideia do animismo (humanidade moral), presente na cultura de muitos povos nativos, trabalha com uma essência compartilhada entre tudo que existe, tudo tem alma, de uma pedra a um elefante, passando por rios e flores.
O interesse em estudar esses povos nativos surge com as grandes navegações no século 16, quando europeus unem o desejo de explorar com o de conhecer. É dessa união que se origina a semente da antropologia.
A referência a povos nativos resgata o que já foi o principal objeto de estudo da antropologia e a partir daí o autor busca roteirizar o oficio do antropólogo que tem início na etnografia, na montagem de um inventário, envolvendo ir de encontro, observar, compartilhar, aprender e compreender. Neste ponto vale ressaltar que o bom trabalho do antropólogo começa quando ele para de fazer perguntas, pois perguntar já é um pouco definir a resposta.
Inventário concluído, dá-se início a etnologia: essa estuda os fatos levantados por meio da etnografia, tendo a comparação como uma importante ferramenta. Só depois desses dois passos é que se pode fazer antropologia, ou seja, analisar de uma maneira completa, totalizante, abrangendo todas as dimensões do objeto de pesquisa.

VITULLO, Gabriel. “Representação política e democracia representativa"


VITULLO, Gabriel. “Representação política e democracia representativa são expressões inseparáveis? Elementos para uma teoria democrática pós-representativa e pós-liberal”. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 2, 2009.

O texto de Vitullo vem problematizar essa teoria de avanço democrático na junção da corrente representativa com a direta, dando origem a democracia representativa liberal, termo em si contraditório por unir duas perspectivas que historicamente são antagônicas: “democracia” e “liberalismo” [VITULLO, 2009, p.271-273].
A primeira parte do texto preocupa-se em explicar a origem da ideia de unir democracia ao liberalismo, que não passou de uma ferramenta pra combater o ganho de poder das massas assalariadas, ou seja, da maioria. O medo da minoria afortunada de uma divisão igualitária de propriedade fez com que diversos teóricos trabalhassem com ideias republicanas e federalistas sob um título falsamente democrático [VITULLO, 2009, p.272-280].
Num segundo momento o autor explica a junção das correntes participativa e direta da democracia, respaldada num suposto avanço promovido pelo liberalismo. Mas esse avanço não foi propriamente liberal, muito pelo contrário, grandes nomes do liberalismo foram contra, por exemplo, o voto feminino na Suíça ou o voto negro nos Estados Unidos da América. Então a questão é que, talvez, essa união democrática liberal não seja tão positiva quanto aparenta, e o ponto está no fato de que a participação política não está de forma alguma vinculada a democracia participativa. Será esse o enredo a última parte do texto [VITULLO, 2009, p.280-288].
A questão então não é abandonar a ideia de participação (usada erroneamente como sinônimo de democracia participativa), mas pensar nela em aspectos mais abrangentes e, até mesmo, mais democráticos, como foi o caso da Comuna de Paris ou na Constituição Bolivariana [VITULLO, 2009, p.288-294].
É preciso superar a democracia liberal, que reduz democracia ao “simples exercício eleitoral”, e pensar em alternativas que “garantam o desenvolvimento individual e coletivo ao povo” sem abandonar a instituições já consolidadas, alternativas como: consulta popular, revogatória de mandatos e assembleia de cidadãos [VITULLO, 2009, p.294-295].
Num primeiro momento de leitura me vi completamente contra a democracia e talvez fosse essa a intenção do autor: nos fazer repensar o que acreditamos ser democracia. Porem, na parte final o texto, as alternativas propostas pela Venezuela ou o exemplo da Comuna de Paris trazem certa tranquilidade e possibilitam uma espécie de “luz no fim do túnel”. É preciso democratizar e promover participação no regime democrático participativo liberal, redistribuir o poder da tomada de decisão, que hoje se localiza nas mãos das minorias, sem invadir o espaço individual.



DAHL, Robert. "O que é democracia?"


DAHL, Robert. "O que é democracia?". Sobre a Democracia. Brasília: Editora da UnB, 2001 [1998], pp. 47-55.

O curto capítulo da obra de Robert Dahl busca estabelecer um modelo ideal de democracia, baseado em cinco critérios ditos indispensáveis e validos para uma definição especifica de estado. Comecemos por essa definição: Dahl descreve o estado como uma associação, territorialmente delimitada, que garante a obediência de suas regras através da coerção (DAHL, 2001 [1998], p. 47-55).
Conhecendo o conceito de estado, é possível agora dizer o que garante a essa associação o status de democrática: os cinco critérios indispensáveis. São eles: participação efetiva (oportunidade de apresentar opiniões), igualdade de voto (no momento de tomada de decisão, os votos devem ser contatos com o mesmo peso), aquisição de entendimento esclarecido (talvez o critério mais confuso: trata-se da oportunidade de compreender as alternativas e as consequências de cada possível ação) , controle do planejamento (oportunidade de decidir sobre a agenda, sobre quais assuntos terão espaço para discussão e tomada de decisão) e inclusão dos adultos (talvez o mais naturalizado, mas que até recentemente não vigorava: garantir o direito de cidadão a todos) (DAHL, 2001 [1998], p. 48-52).
Os critérios citados e explicados acima formam um modelo ideal, pois nenhum estado já possuiu um governo que contemplasse as cinco normas. Em seu cerne, esses critérios, que podem ser resumidos a igualdade de oportunidades, servem como ferramenta de medida para julgar entidades que se afirmam democráticas (DAHL, 2001 [1998], p. 49-55).
É um texto muito leve, de fácil compreensão, provavelmente destinado ao público leigo por não apresentar um excesso de termos técnicos e pelas explicações diretas e objetivas, além do grande número de exemplos.


PITKIN, Hanna. “Representação: palavras, instituições e ideias”


PITKIN, Hanna. “Representação: palavras, instituições e ideias”. Lua Nova, 67, 2003, pp. 15-47.

O objetivo do ensaio de Hanna Pitkin está em elaborar uma análise sociopolítica da etimologia do termo “representação” e seus impactos na ciência política. Partindo dos gregos que hoje são amplamente conhecidos pelas ferramentas de representação aplicadas na política, mas que em seu tempo não tinham a palavra, passando pelos romanos que, apesar de possuírem a palavra, não a empregavam com o significado moderno. A ideia, mesmo que metafísica, de representação como “falar por terceiros” só vai surgir na Idade Média, na literatura cristã, por volta do século XIII [PITKIN, 2003, p. 15-18].
No campo político, o uso do termo remonta a história dos cavaleiros que originaram o parlamento inglês, na “ideia de que o governante simboliza ou encarna o país como um todo”. No século XVII, a Guerra Civil e o debate que a acompanhou serviu para reforçar “representação” no ambiente político. A ideia estava associada a “carência de autoridade, poder e prestígio” [PITKIN, 2003, p.18-27].
Outro responsável pela difusão do termo e sua significação no espectro político é Hobbes, com a publicação do Leviathan, na segunda metade do século XVII, configurando a primeira obra a organizar um “exame da ideia de representação na teoria política”. Depois da obra de Hobbes a discussão a cerca de representação política só aumenta e da origem a duas questões que são o alvo da última parte do trabalho de Pitkin: “a polêmica sobre o mandato e a independência e a relação entre a representação e a democracia” [PITKIN, 2003, p.27-30].
A primeira, interligada a segunda, se preocupa com as atitudes do representante no exercício do poder: ele deve tomar as decisões que acredita ser corretas ou as que agradam seu eleitorado? Para responder a questão, a autora evoca Edmundo Burke que vai elaborar toda uma discussão acerca da independência, mas a ideia que acaba vigorando é a de representação pessoal que consiste na “representação de cada pessoa individual por meio do sufrágio universal em distritos eleitorais com base na população”. E é nesse aspecto se apoiaram os autores de um governo dito representativo, que superaria a democracia direta em vários aspectos, abrindo espaço para a segunda questão [PITKIN, 2003, p.30-36].
Teoricamente o principal fator para a escolha de um governo representativo seria sua capacidade de lidar com conflitos e alcançar um ponto de equilíbrio, mas, visto que é o sistema vigorante, não sei até que ponto ele provou essa habilidade. Os desdobramentos da discussão sobre a representação vão alcançar o poder legislativo que terá por função presar pelo bem público. A grande questão é que o governo representativo serviu para manutenção da fortuna de uma pequena parte da população que temia uma revolução das classes menos beneficiadas da sociedade e por conseguir associar-se a um rotulo democrático é que essa estrutura resistiu e resiste a maioria das críticas [PITKIN, 2003, p.36-43].





MIGUEL, Luis Felipe. “Teoria democrática atual: esboço de mapeamento”


MIGUEL, Luis Felipe. “Teoria democrática atual: esboço de mapeamento”. BIB: Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, nº 59, 2005. pp. 5-42.

O texto de Luiz Felipe Miguel discute a natureza polissêmica de “democracia”. Na introdução nos é apresentado os vários sentidos que o termo ganhou com o passar do tempo e a valorização do “rotulo democrático” que legitima muitos governos excludentes. Posto isso, o autor aponta cinco correntes do campo da “democracia representativa” que serão discutidos no texto (MIGUEL, 2005, p. 05-07).
A primeira vertente apresentada é a liberal-pluralista, que tem por representante emblemático Joseph Schumpeter. Em crítica aos teóricos clássicos, o austríaco ressignifica democracia como uma maneira de legitimar o governo de uma minoria através do processo eleitoral, caracterizado pela “agregação de preferencias manipuladas”. Aos cidadãos comuns, “desinformados e apáticos” quando a política, cabe apenas o gesto de votar (MIGUEL, 2005, p. 09-12).
Jurgen Habermas elabora a matriz principal da segunda corrente: a democracia deliberativa. Com “ênfase dos mecanismos discursivos da pratica política” e na “comunicação face a face entre indivíduos” afirma que a qualidade da política reside na “livre discussão das discussões de interesse coletivo” para chegar a um consenso geral. O problema é que Habermas ignora pontos importantes, como a desigualdade social, o que, além de fazer com que o ideário de sua teoria seja extremamente conservador, a torna irreal (MIGUEL, 2005, p. 12-19).
O republicanismo cívico, de Hannah Arendt, é a terceira vertente. É ideal, e por isso perde valor na ciência política, pois pressupõe uma identidade coletiva, um sentimento de comunidade, que permitirá a identificação de um “bem comum” numa sociedade muito complexa (a sociedade contemporânea). Apesar da beleza aparente ao ressaltar a importância da comunicação e o apelo a participação cívica, não é passível de concretização (MIGUEL, 2005, p. 19- 24).
A baixa participação do cidadão comum nos “negócios da política” é a principal preocupação da corrente participativa, a quarta abordada por Miguel. Aponta e valoriza a democracia enquanto processo pedagógico, resgatando a visão de autores clássicos. Defende a descentralização do poder e a autogestão política. No Brasil, pode ser vista nos “orçamentos participativos” que auxiliaram na “renovação de práticas políticas locais” e “na ruptura com esquemas clientelistas” (MIGUEL, 2005, p. 24-29).
Por fim a “política das diferenças”: o multiculturalismo. É oposto a visão de Hannah Arentd por trabalhar com a ideia de que nas sociedades contemporâneas existem diversos vieses, que resultam na exclusão das ideias e valores de determinados grupos com identidade compartilhada. A solução para esse problema seria a implantação de “mecanismos reparadores” que garantiriam aos grupos, antes excluídos do cenário político, por exemplo: o poder de veto (MIGUEL, 2005, p. 29-32).

Fichamento: Manifesto do Partido Comunista


MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. [Disponibilizado pelo professor].

O Manifestado, aclamado e odiado, se divide em quatro partes. Nas primeiras páginas os autores já indicam o que objetivam com o texto: demonstrar o pensamento comunista, sua visão, seus objetivos, suas tendências. (MARX & ENGELS, p. 28)
Na parte intitulada “Burgueses e proletários”, Marx e Engels apresentam a história como uma eterna dualidade entre os opressores, a burguesia, os donos dos meios de produção, das fábricas, e os oprimidos, os trabalhadores, o proletariado. Essa história, baseada no conflito de classes, é extremamente importante, pois ela é que embasa o convite à luta. É possível observar a preocupação em demonstrar que conforme o capital aumentava mais solida se tornava a opressão, que apesar de melhorar os instrumentos de comunicação e produção, submetia tudo e todos, acabando com a autonomia local, criando um mundo a sua imagem e atiçando o próprio proletariado, propiciando as condições para sua organização e para o confronto. (MARX & ENGELS, p. 29-41)
A segunda parte vem justificar a união entre proletários e comunistas através de objetivos em comum: “formação do proletariado em classe, derrubamento da dominação da burguesia, conquista do poder político pelo proletariado”. Outro ponto importante está na refutação de algumas colocações que eram e são feitas sobre o comunismo, como: a abolição da propriedade geral, retirada do poder de aquisição, supressão da família e abolição da pátria e da religião. (MARX & ENGELS, p. 42-51)
A terceira parte se preocupa em fazer critica aos diversos tipos de socialismos existentes, reconhecendo suas contribuições, mas afirmando que a maioria se comporta como reacionário e não tem interesse em transferir o poder para as mãos dos trabalhadores e sim em manter o sistema burguês vigente. (MARX & ENGELS, p. 52-62)
O arremate, o convite pra luta, é feito na parte “Posição dos comunistas para com os diversos partidos oposicionistas”, onde Karl e Friedrich afirmam o papel que os comunistas exercem no apoio aos movimentos revolucionários e na ligação entre os partidos democráticos de todos os países pra alcançar o objetivo final: “derrube violento de toda a ordem social até aqui”. (MARX & ENGELS, p. 63-65)
O manifesto é uma leitura atual e causa medo. O problema é que causa medo não só na burguesia que vigora, mas causa medo no proletariado atual. Não há uma identificação de classe que une as pessoas, pelo contrário, educa-se a odiar o pobre, a não reconhecer-se como tal, a acreditar que o sistema instaurado é benéfico para todos. É isso que mantem a massa trabalhadora quieta, esse conformismo, esse medo do “espírito comunista” e do termo “revolução”. Mas há de chegar o dia que o chão há de tremer com a marcha proletária, o dia que os grilhões vão ser quebrados, como diria Marx.




Fichamento: De consumidor a cidadão: atividades privadas e participação na vida pública


HIRSCHMAN, Albert O. De consumidor a cidadão: atividades privadas e participação na vida pública. São Paulo: Brasiliense, 1993. pp. 84-129.

O texto se inicia com a apresentação do “enigma do eleitor” que busca entender o por que do cidadão dispender do seu tempo para ir votar. Para tentar compreender essa questão o autor parte de uma análise economicista e elabora um debate mais complexo acerca dos obstáculos à ação coletiva, visto que “a participação de cidadãos em ações coletivas é improvável”, pois, em termos econômicos, o esperado seria a ocorrência do conhecido fenômeno da “carona”: “todo mundo fica esperando que o outro tome a iniciativa e nada acontece” [HIRSCHIMAN, 1993, p. 84-85].
A ótica econômica se torna insuficiente para essa analise a partir do momento que se compreende o fato da não existência de uma distinção clara entre a luta pela felicidade pública e a conquista desta. Sendo assim a “fusão entre luta e conquista” resulta no “desaparecimento da distinção precisa entre os custos e benefícios da ação de interesse público, pois a luta, que deveria ser lançada no lado dos custos passa a fazer parte dos benefícios”. Sendo assim o benefício de uma ação coletiva para um indivíduo está na soma de luta e benefícios, o que inviabiliza o efeito carona, visto que o “carona” não engana apenas a comunidade, mas a si mesmo [HIRSCHIMAN, 1993, p. 86-96].
Já a segunda parte do texto elabora uma discussão acerca das possíveis decepções que “são geradas por características institucionais das sociedades modernas” e residem principalmente (1) na limitação da imaginação moderna; (2) na  “disparidade entre a expectativa de uma atividade agradável e a experiência real” e (3) no fator imprevisível dos movimentos públicos que podem desenvolver “um ímpeto próprio. Num primeiro momento as decepções podem levar a uma saída instintiva da vida política. Todavia as mesmas decepções podem “desencadear uma impetuosa excitação muito ligada a sensação de poder” [HIRSCHIMAN, 1993, p. 97-109].
A última parte do texto preocupa-se com a dinâmica eleitoral onde “o voto é a instituição política central da moderna democracia” que “por um lado, garante a todos uma parcela mínima no processo de decisão, por outro, estabelece um máximo, um teto”, gerando um misto de excitação, participação e impotência, o que nos leva ao “paradoxo do eleitor”: por que as pessoas vão as urnas se estão confinadas a tão tímida forma de manifestação de suas preferências políticas já que “a participação na vida pública oferece apenas essa insatisfatória escolha entre o demais e o de menos e portanto está fadada a ser decepcionante de uma forma ou outra” [HIRSCHIMAN, 1993, p. 109-129].
Acredito que, até hoje, o fichamento mais difícil de ser construído: é um fluxo muito grande de informações para três mil caracteres. Outro ponto dificultoso é o fato do autor, na parte inicial, focalizar num dialogo com muitos termos econômicos, o que dificulta o entendimento.


Fichamento: O conceito de ideologia no marxismo clássico


CODATO, Adriano. “O conceito de ideologia no marxismo clássico: uma revisão e um modelo de aplicação”. Política & Sociedade, v. 15, n. 32, 2016, pp. 311-331.

O propósito do ensaio, segundo o próprio autor, é revelar a amplitude do termo “ideologia”. Defende que a terminologia ainda funciona adequadamente desde que interpretada de maneira correta. Para provar sua tese o autor começa por uma síntese das acepções que já foram relacionadas ao termo “ideologia”, demonstrando assim o alcance do seu significado. Em seguida, passa para a visão dos primeiros a utilizar a palavra: Engels e Marx, e propõe que aqui se encontre seu real significado enquanto sinônimo de tradição (abrangendo a maior parte das ideias posteriormente ligadas a “ideologia”). Por fim, o autor propõe os dois princípios fundamentais das ideologias e a forma correta com que devem ser analisadas [CODATO, 2016, p. 311-329].
O conceito de ideologia vinculado originalmente ao marxismo passou por diversas ressignificações tanto positivas quanto negativas: ao mesmo tempo que designava qualquer pensamento “defeituoso” podia ser sinônimo de “cultura” ou simplesmente o estudo das ideias (sem nenhum juízo de valor). Sendo assim, é possível observar a polissemia diretamente ligada ao termo, provando o objetivo do autor de mostrar a amplitude de “ideologia” [CODATO, 2016, p. 311-315].
A melhor forma de resumir e incluir todos os significados ligados a ideologia já está dada a muito tempo: segue as obras de Engels, sendo apresentada como sinônimo de tradições (geradoras de realidades). E dessas tradições pode-se observar os dois princípios fundamentais das ideologias: “seu papel unificador e sua unidade interna”. O primeiro está ligado a capacidade que as tradições tem de transformar interesses individuais em coletivos e o segundo se liga ao fenômeno consequente de coesão social [CODATO, 2016, p. 315-323].
Por fim, o autor propõe qual seria a forma correta de analisar as ideologias, que devem levar em conta seus princípios fundamentais anteriormente citados e buscar compreender seus impactos políticos no caráter unificador que pode se tornar excludente [CODATO, 2016, p. 323-329].
Até agora o texto mais fácil de fichar: o autor apresenta varias vezes o resumo de suas ideias, tanto na introdução quanto na conclusão, o que faz com que quem leia fixe facilmente os pontos para que Codato está chamando mais atenção, que são (1) os vários significados de ideologia, (2) ideologia na linha de Engels, enquanto cultura e (3) os princípios das ideologias que devem orientar as analises acerca da mesma.


Fichamento: A falsa medida do homem


GOULD, Stephen Jay. “Introdução”. A falsa medida do homem. São Paulo: Martins Fontes, 2003, pp. 3-14.

A discussão tem início na versão científica da mentira de Platão para justificar o condicionamento social da população, o determinismo científico. Este tem por pilares as ideias ilusórias: de inteligência enquanto entidade única, “inata, hereditária e mensurável”, fechada na caixa craneana, a neutralidade cientifica, a objetividade cientifica e a busca cientifica por uma verdade absoluta. (GOULD, 2003, p.04-10)
Dá-se o nome de “pilares ilusórios” porque o determinismo usou da reputação cientifica para dar continuidade a preconceitos, mesmo que os cientistas acreditassem estar buscando a verdade e por mais refinados que fossem os métodos utilizados na pesquisa. (GOULD, 2003, p.04 e 12)
E ainda é passível de afirmação que tudo produzido pelo homem é cultural logo não é possível considerar a ciência como completamente neutra. A cultura posta em prática pela sociedade em determinado momento histórico vai incidir diretamente nas perguntas cientificas e quando se pergunta já se define parte da resposta, logo até a verdade e a objetividade são momentâneas e, por vezes, refletem o preconceito social da época. (GOULD, 2003, p.05-10)
O livro parece distante de nós, todavia torna-se importante atualmente pelo ganho de popularidade do determinismo cientifico causado por um retrocesso político. Neste contexto, é preciso voltar a refutar as ideias preconceituosas que estão sendo reproduzidas por milhares de pessoas pelo mundo, pois é assombroso após tanta discussão estabelecer limites, podar a esperança, rotular grupos menos favorecidos socialmente. (GOULD, 2003, p.13 e 14)
Apesar de algumas risadas durante a leitura, principalmente na “solução” do “problema” étnico estadunidense, o texto não podia ter vindo em melhor hora. Uma espécie de sentimento “neonacionalista assassino” tem ganhado cada vez mais espaço no debate político, o que é em si assustador, mas piora quando observamos eventos como os recentes massacres mundo afora desde o início da guinada mundial a extrema direita. Todavia qual a chance das pessoas que compartilham essas ideias problemáticas acessarem leituras como essa? 


BACHRACH, Peter; BARATZ, Morton S. “Duas faces do poder”


BACHRACH, Peter; BARATZ, Morton S. “Duas faces do poder”. Revista de Sociologia e Política, v. 19, n. 40, 2011, pp. 149-157.

O texto centra-se na discussão de conceitos de poder para duas linhas de pensamento diferentes: os pluralistas e os elitistas. Os pluralistas são cientistas políticos e, diferentemente dos sociólogos elitistas, acreditam que o poder está disperso nas comunidades. Bachrach e Baratz tem por argumento que o poder tem “duas faces”, nem elitistas nem pluralistas contemplam-nas e “adotam abordagem e pressuposições que predeterminam suas conclusões”. (BACHRACH & BARATZ, 2011, p. 149)
Após a introdução, os autores começam a apresentar pontos questionáveis na teoria elitista: a premissa de que em toda concentração humana há formas organizadas de poder, que essas formas tentem a estabilidade com o tempo e o modelo não apresenta diferença entre o poder reputado e o poder efetivo. (BACHRACH & BARATZ, 2011, p. 150~152)
Feitas as considerações ao modelo elitista, Bachrach e Baratz apresentam pontos da teoria pluralista que, para eles, são falhos. O primeiro está no fato que os pluralistas desconsideram o exercício de poder na restrição das tomadas de decisão, ou seja, ignorar assuntos possivelmente problemáticos também é uma forma de efetivação do poder. A outra crítica é feita a ausência de diferenciação entre o que deve ser importante e desimportante no espaço político. Também se questiona sobre a afirmação de que o poder só pode ser visto em decisões concretas, o que não pode ser valido já que fins práticos pra um podem prejudicar outros.  (BACHRACH & BARATZ, 2011, p. 150~156)
Caminhando pra conclusão é até engraçado observar que os autores do texto não são muito adeptos das ideias de Robert Dahl, que é sempre exemplo do erro. O arremate é a proposta de um reconhecimento mutuo de erros e uma pesquisa não sobre onde está o poder ou quem o detêm, mas qual o “viés” do poder, o que é ou não valido, quem ganha e quem perde com essa tendência, e por fim, observar a ausência de discussão sobre determinados assuntos, ou seja, a “não-tomada” de decisões. (BACHRACH & BARATZ, 2011, p. 156 e 157)
O texto apresenta um certo grau de ironia que o torna um tanto quanto cômico, tanto nos momentos em que Dahl é citado como nos últimos dois parágrafos da conclusão que os autores praticamente dizem “parem de criticar uns aos outros e melhorem a teoria de vocês”. Confesso que não é meu texto favorito, tive que reler algumas (muitas), mas esse tom irônico facilita bastante a leitura.

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