terça-feira, 26 de novembro de 2019

TRABALHO FINAL DE INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

TRABALHO FINAL DE INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA – TURMA O
Bruna Arrias Monteiro – 190025417
Francisco Sousa – 190045809
Hiann Riell Sotero da Silva – 190059681
Júlia Vilela Garcia – 190057912
Nathalia Cerqueira Lins – 190035838

Em debates e reflexões no decorrer do semestre, notou-se que o conceito chave que guia o termo democracia é justamente o fato de a palavra significar “governo do povo”. A partir desse termo, é possível inferir que uma democracia pura compreende a participação ativa da comunidade, de forma igualitária e justa entre os cidadãos. Entretanto, o que muitos intelectuais nos mostram é que o termo democracia tem se tornado cada vez mais difuso e dotado de divergências. A democracia, que antes tinha como norte ser um governo do povo, culminou em inúmeras vertentes democráticas que, muitas vezes, se divergem em suas bases e não concordam entre si (MIGUEL, 2005; VITULLO, 2009).
Uma das dificuldades que alguns autores alegam para que a democracia seja de fato um governo em que haja a participação igualitária e ativa de toda uma comunidade é justamente o tamanho populacional exacerbado, que dificulta o processo de ouvir e se fazer ouvido por todos os cidadãos (MIGUEL, 2005; VITULLO, 2009). Assim, algumas vertentes da democracia, tal como a democracia liberal-pluralista, acreditam que a participação da população por meio do voto – que elege um representante apto para o governo – seria suficiente para que um governo seja considerado democrático (MIGUEL, 2005). Por outro lado, outras vertentes democráticas, encaram o voto como não suficiente para garantir a participação plena dos cidadãos, posto que eles elegem um governador, mas não podem de fato governar, ou seja, a democracia se torna restrita ao sufrágio. Esse é um dos principais desafios da democracia participativa, cujo princípio é a busca pela participação dos indivíduos para além do voto.
Essa vertente democrática é muito bem descrita por Miguel (2005) e Vitullo (2009). Este último ainda acredita que uma síntese entre democracia participativa e democracia representativa deve ser vista como uma forma de democracia contra hegemônica (VITULLO, 2009, p. 272). Para o autor, a população deve não só eleger seus representantes, como participar ativamente e diretamente dos processos democráticos complementando e corrigindo possíveis falhas da democracia representativa. Visão semelhante a necessidade de se ter uma participação ativa e para além do voto é descrita por Hanna Pitkin (2003). A autora disserta acerca da necessidade de o eleitor, mesmo em uma democracia representativa, acompanhar e fiscalizar as atividades do representante, engajando-se politicamente e cobrando dos governantes uma posição adequada.
É importante ressaltar que para que os eleitores possam cobrar e contribuir para a melhoria do governo exista uma circulação de informações que não busque privar o indivíduo de ter conhecimentos múltiplos acerca de sua realidade, mas que abra os seus horizontes e o permita ter uma visão crítica do mundo. Isso porque a informação é a principal arma para que os cidadãos possam participar ativamente de um governo, uma vez que é ela quem molda a forma com que observamos e agimos no mundo. É a informação que detém o poder não só de fazer abrir os horizontes dos indivíduos, mas de limitar os seus interesses e, em uma escala menor, os interesses políticos que serão cobrados pelos eleitores dos representantes.
Segundo Miguel (2007) grande parte da informação que os indivíduos obtêm advém dos meios de comunicação de massa, ou seja, da mídia. Esse veículo de informações, adaptável às novas tecnologias da comunicação, têm em si um grande potencial para a democracia quando apoiado no pluralismo de ideias, o que garantiria algum espectro de neutralidade e imparcialidade. Entretanto, esse potencial midiático, embora valorizado pela maior parte da população, não existe de forma plena, posto que ao mesmo tempo em que coloca algumas opiniões públicas em destaque, também possui o potencial de reprimir outras. Isso se dá devido a uma concentração, cada vez maior dos meios de comunicação nas mãos de poucos grupos, impactando diretamente o espaço de debate democrático. Desse modo, compreende-se que a lógica do mercado liberal não foi capaz de coibir com a formação de oligopólios midiáticos, dando a eles o poder de agenda.
Esse poder de agendamento de pautas, tão citado por Bachrach e Baratz (2011), deixa, aqui, de ser um poder única e exclusivamente dos governantes, como bem colocado pelos autores, e passa a fazer parte também de uma lógica midiática que oferece aos espectadores apenas o que se acredita que possa dar um retorno positivo para o veículo de comunicação, limitando seus horizontes de conhecimento e, consequentemente, interferindo em uma participação política democrática. Isso se dá justamente porque o poder de selecionar as informações a serem veiculadas, junto a transmissão unidirecional das informações pelos canais convencionais – como a televisão, o jornal e o rádio – resulta em uma ausência de análise crítica por parte dos consumidores, constituindo um risco para a democracia.
Para além dos riscos que o poder de agendamento midiático possui, o qual é capaz de mobilizar o interesse público e subjugar a política enquanto debate de ideias – apresentando apenas uma caracterização maniqueísta da realidade – existe também o risco inerente de que os meios de comunicação de massa atuem sobre a formação da preferência dos indivíduos.
De acordo com Sunstein (2009), o foco da sociedade moderna, deixa de ser o bem comum e passa a ser os interesses individuais, de tal forma que esses se tornam o principal alvo da discussão pública e passam a regulamentar as ações estatais. Entretanto, essa visão afirma falsamente a ideia de que as preferências dos indivíduos são fixas e previamente dadas, ignorando o fato de que elas são, na verdade, moldadas pelo contexto em que cada indivíduo se localiza e age no mundo, bem como pelo acesso a informação que este possui. As preferências, portanto, possuem um caráter endógeno, sendo fruto do contexto social e podendo ser constantemente moldadas pela circulação de informações. Considerá-las como rígidas e individuais, seria, então um risco para a democracia.
 O grande problema que aí reside, é justamente na relação entre agenda, circulação midiática, participação e preferências que são constantemente construídas e modificadas com o tempo e o contexto social. Uma vez que a mídia, pautada em um oligopólio, seleciona aquilo que é veiculado, pressupõe-se que a circulação restrita de informações leva o indivíduo a refletir e moldar suas visões de mundo apenas com relação àquilo que é veiculado, sendo difícil para os espectadores buscarem outros veículos que ofereçam informações distintas.
Exemplos do agendamento midiático político atrelado à formação de preferências, participação e opinião pública não são recentes. Nas décadas de 40 e 50, o então presidente Getúlio Vargas, notando as potencialidades que o rádio possuía para veicular informações sobre sua figura e sua política, regulamentou o setor para que o governo obtivesse maior controle sobre as transmissões do rádio (SILVA, 2012). Esse controle midiático culminou na transformação de Vargas em um líder político e no fortalecimento e popularização do seu poder governamental, contribuindo para a ideia de que a mídia possui um grande poder de manipulação e interferência não só nas preferências dos indivíduos, mas em uma participação amplamente democrática.
Para além do agendamento efetuado pela mídia tradicional, o advento da Internet e da Web 2.0[1] facilitou a circulação de informações em tempo real. Essas informações são, muitas vezes, propagadas por veículos alternativos de comunicação, como blogs, indivíduos que possuem o status de digital influencer, ou até mesmo a partir de um transmissor anônimo. Isso culminou em uma circulação não só de informações acerca do mundo todo em uma velocidade jamais vista anteriormente, mas em um índice elevado de notícias falsas, constantemente manipuladas, ferindo ainda mais a participação democrática efetiva e impondo novos obstáculos ao regime democrático.
Exemplos de como os perigos de veicular falsas informações podem impactar na política foi o recente caso político da eleição do presidente Jair Bolsonaro. Em uma reportagem do site de notícias ISTOÉ (2018) nota-se a afirmação de que o, na época, candidato à presidência, consolidava sua candidatura “pela propagação e disseminação de informações falsas, distorções de fatos históricos ou de ações sem qualquer comprovação técnica ou científica”. Isso fez com que as informações fossem altamente veiculadas, moldando a percepção de seus eleitores, como prova uma pesquisa feita pelas organizações Avaaz e IDEA Big Data, posteriormente veiculada pelo jornal on-line Folha de São Paulo (2018). O estudo revelou que cerca de 90% dos eleitores de Jair Bolsonaro acreditavam nas notificas falsas veiculadas nos canais de comunicação, constituindo uma falsa percepção política e democrática do governo.
Outra polêmica que envolveu o presidente Jair Bolsonaro foi o uso de bots, isto é, o uso de perfis automatizados, no impulsionamento e na veiculação de notícias falsas (VILICIC, Filipe; LOPES, André, 2018). O uso de inteligência artificial para promover o candidato foi algo polêmico, visto que parte de uma campanha política pautada em informações falaciosas e não orgânica. Os perigos dos perfis anônimos e automatizados para a democracia e participação política são retratados no texto “Deep Fake, a mais recente ameaça distópica”, de Michael K. Spencer (2019). Segundo o texto, a tecnologia possui um potencial alarmante, posto que a inteligência artificial chegou ao ponto de criar humanos digitais, pessoas que não existem na vida real, mas que se comunicam e são capazes de formar redes de confiança on-line, alcançando um novo nível de manipulação de informações, o que foi explicitamente notado na campanha de Bolsonaro. Para além da criação de humanos artificiais, é possível também manipular vídeos e imagens que se tornam verdade universal e incontestável para aqueles que assistem, posto que as imagens são consideradas uma prova cabal da realidade.
Conclui-se que o acesso a informação no atual contexto afeta tanto de forma positiva, quanto de forma negativa a prática democrática. Por um lado, o acesso à informação permite não só que a representação tenha qualidade, mas faz com que os representados se engajem politicamente e sejam aptos para avaliar a representação política, bem como ver se as ideologias são coerentes. Para mais, com o acesso à informação, os representados podem entender melhor os projetos políticos, e assim cobrar, coletivamente, o que havia sido proposto pelo representante. Em contrapartida, o acesso à informação, pode trazer consequências negativas, uma vez que há uma concentração de propriedade midiática e um controle e seleção das informações que são disseminadas. Com isso, comumente, observa-se a criação de informações falaciosas, o que gera um problema político preocupante, posto que implica na limitação do espaço de debate e também impossibilita uma pluralidade de pontos de vistas na mídia – aspecto extremamente importante para atividade democrática.
Diante disso, assistimos a uma era da desinformação que põe em jogo a participação ativa e democrática dos cidadãos no ambiente político. De um lado, o problema do oligopólio midiático poderia ser solucionado, ou ao menos suavizado, com uma regulamentação da mídia, como bem colocado por Sunstein (2009). A regulamentação é primordial para que se garanta uma pluralidade de informações circulando e alcançando os indivíduos, para que estes possam ser capazes de criar um senso crítico ponderando as diferentes informações de canais divergentes entre si. Vale lembrar que a regulamentação não visa a regulação de conteúdo, mas justamente a sua multiplicidade de forma ética e respeitosa. Assim, a partir da regulamentação midiática, o espectador pode participar de forma mais ativa do cenário político, moldando suas preferências não só com base em informações previamente agendadas de um oligopólio, mas a partir de uma multiplicidade de conteúdo.
Entretanto, como regulamentar um ambiente tão aberto e dinâmico como a internet, que ultimamente tem propiciado inúmeras informações falaciosas? Apesar de a internet ter assegurado espaço para novas discussões e gerado importantes debates e articulações políticas, como manifestações, atos e até mesmo uma rede de discussões sobre o governo, a web ainda é um território de certo modo “sem lei”, gerando, ao mesmo tempo, muita desinformação e interferindo na participação democrática, sendo necessário, portanto, um olhar mais cauteloso acerca da circulação informacional, bem como a criação de medidas que visem combater a desinformação. Exemplo disso, é o primeiro site especializado em checagens de informação da Agência Lupa, vinculado à revista Piauí e ao Grupo Folha e até mesmo o serviço de checagem Fato ou Fake, proporcionado pelo Grupo Globo. Contudo, aqui, mais uma vez, caímos no problema do oligopólio midiático.










Referência Bibliográfica

BACHRACH, Peter; BARATZ, Morton S. Duas faces do poder. Revista de Sociologia e Política, v. 19, n. 40, 2011, p. 149-157. Disponível em:< http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-44782011000300011&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 25 mai. 2019.
LAGO, Rudolfo; LIMA, Wilson; FILGUEIRA, Ary. Bolsonaro, o candidato fake. ISTOÉ. 2018. Disponível em:< https://istoe.com.br/bolsonaro-o-candidato-fake/>. Acesso em: 06 jun. 2019.
MIGUEL, Luis Felipe. “Teoria democrática atual: esboço de mapeamento”. BIB: Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, nº 59, 2005. pp. 5-42.
MIGUEL, Luis Felipe. “Mídia e opinião pública”. In: AVELAR, Lúcia; CINTRA, Antônio Otávio (orgs.). Sistema Político Brasileiro: uma introdução. UNESP, 2007.
O´REILLY, Tim. What Is Web 2.0. 2005. Disponível em:< https://www.oreilly.com/pub/a/web2/archive/what-is-web-20.html>. Acesso em: 06 jun. 2019.
PASQUINI, Patrícia. 90% dos eleitores de Bolsonaro acreditaram em fake news, diz estudo. Folha de São Paulo. São Paulo, 2018. Disponível em:< https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/11/90-dos-eleitores-de-bolsonaro-acreditaram-em-fake-news-diz-estudo.shtml>. Acesso em: 06 jun. 2019.
PITKIN, Hanna.“Representação: palavras, instituições e ideias”. Lua Nova, 67, 2003, pp. 15-47. Disponível em:<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-64452006000200003&script=sci_abstract>. Acesso em: 18 mai. 2019.
SILVA, Raíssa Araújo do Rosário. Papel e importância do Rádio através da história. Observatório da Imprensa, 2012. Disponível em:< http://observatoriodaimprensa.com.br/interesse-publico/ed718-papel-e-importancia-do-radio-atraves-da-historia/>. Acesso em: 08 jun. 2019.
SPENCER, Michael K. Deep Fake, a mais recente ameaça distópica. Outras Palavras. Tradução Gabriela Leite. São Paulo, 2019. Disponível em:< https://outraspalavras.net/internetemdisputa/deep-fake-a-ultima-distopia/>. Acesso em: 06 jun. 2019.
SUNSTEIN, Cass. “Preferências e política”. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 1, 2009, pp. 219-254.
VILICIC, Filipe; LOPES, André. Bolsonaro, Ciro e táticas (sujas) da campanha na internet. Veja. 2018. Disponível em:<https://veja.abril.com.br/blog/a-origem-dos-bytes/bolsonaro-ciro-e-taticas-sujas-da-campanha-na-internet/>. Acesso em: 06 jun. 2019.
VITULLO, Gabriel. “Representação política e democracia representativa são expressões inseparáveis? Elementos para uma teoria democrática pós-representativa e pós-liberal”. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 2, 2009, pp. 271-301. Disponível em:< http://periodicos.unb.br/index.php/rbcp/article/view/1641/1443>. Acesso em: 18 mai. 2019.



[1] Web 2.0 é um termo utilizado para designar a segunda geração de comunidades e serviços oferecidos na internet, por meio de aplicativos baseados em redes sociais e tecnologia da informação (O’REILLY, 2005).


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