KATZ, Claudio.
Neoliberalismo, neodesenvolvimentismo, socialismo. 1° ed. São Paulo: Expressão
Popular, 2016.
Claudio Katz é economista
argentino, professor da Universidade de Buenos Aires e um crítico ferrenho aos
resultados da política neoliberal na Argentina e na América Latina, com uma
orientação claramente à esquerda. O autor de diversas obras, entre elas “Neoliberalismo,
neodesenvolvimentismo e socialismo” (2016), deixa evidente sua posição
progressista, apesar de não poupar críticas as várias vertentes políticas que
chegaram ao poder nas primeira e segunda décadas do século XXI.
Quanto a obra alvo desse
resumo (“Neoliberalismo, neodesenvolvimentismo e socialismo”, 2016), os três
capítulos elencados tem objetivos completamente diferentes. O primeiro,
intitulado “Economia e classes”, se ocupa com a reinserção da América Latina na
econômica global pós-crise de 2008. O segundo, intitulado “As economias
centrais”, aborda o panorama do que chamamos de países desenvolvidos,
demarcando os conflitos internos e externos pelos quais esses países
trafegam. E no terceiro, “Ascendente,
intermediários e periferia”, o autor se debruça principalmente sobre a China e
as heteronomias entre as divisões que são feitas do globo.
Para tal analise, C. Katz
observou na longa duração as sincronias e diacronias que marcaram a história
latina, pontuando inicialmente os fatores que se tornaram de certa forma
hegemônicos na última década e promoveram “grandes transformações econômicas,
socais e políticas [...] na região”, sendo eles: a “política exterior
independente, a multiplicação de governos progressistas e o retrocesso da
direita”.
Vale destacar que essa
multiplicação de governos progressistas não significou o abandono dos moldes
neoliberais, até porque muitos acabaram reforçando “um padrão de especialização
exportadora”, visto que a região foi reinserida num contexto mundial como “provedora
de produtos básicos”. Nesse sentido, é de grande relevância o papel que as commodities
tiveram no crescimento latino americano, mesmo que a intensificação desse
sistema tenha gerado encargos aos pequenos produtores. Dentro das commodities,
são exemplos importantes a soja, frutas e vinhos e a mineração, sendo essa
última, em maior escala que as outras duas, um catalisador dos efeitos da
mudança climática. Pós-crise de 2008, a dependência dos países sobre as commodities
intensificou-se, fortalecendo o modelo agroexportador e aumentando a
“fragilidade estrutural” dos países pela “afluência de investimentos
estrangeiros” e pela ausência de liderança desse setor (agroexportador) nas
lutas nacionais, muito pelo contrário: o “agrobusiness” praticou e pratica uma
exploração voraz do assalariado e renega terras aos pequenos e médios
produtores, gerando grande êxodo do campo para as cidades.
Ainda nesse eixo dos
prejuízos da estrutura agroexportadora, é valido lembrar algo que o autor
destaca e que está extremamente evidente em 2019: a afirmação da informalidade
como norma no mercado de trabalho pelas massas crescentes de “excluídos
urbanos”. As consequências desse modelo são não só a informalidade, mas um
aumento da criminalidade e a expansão da pobreza, acompanhada da perda de
proteção social para os empregados. À essas questões os governos deram
respostas com programas de assistência social que não tratavam a causa dos
problemas, e, até mesmo essas medidas estão passando, atualmente, por desmonte.
Outra consequência é um
certo abandono do mercado interno, posto que a exportação recebe um enfoque
maior e “prefere a redução de custos à ampliação do consumo [interno]”. O
resultado direto é uma reorganização dos grupos locais entorno do financiamento
externo e da capitalização da bolsa, em uma relação que beneficia muito mais os
países de origem do capital. Todavia, Katz afirma que, diferente do que pode
parecer e do que alguns podem afirmar, a América Latina não é mero fantoche dos
países desenvolvidos: há ímpeto para gerar desenvolvimento local, todavia os
padrões de competição, investimento e exploração atuam como freio para esse
movimento, promovendo uma incapacidade para alcançar tal objetivo.
Quanto a indústria, muito
similar ao que se assiste hoje (2019) no Brasil, a América Latina enfrentou um
processo de “reprimarização”, com uma forte deterioração dos investimentos em
infraestrutura e predomínio industrial estrangeiro que tem como principal
insumo a força de trabalho barata. As grandes multinacionais deixaram seus
países de origem em busca de garantias trabalhistas e ambientais mais
flexíveis, promovendo no local onde se instalam uma criminalização da
sindicalização e destruição ambiental.
Ainda sobre as receitas
dos países latino americanos, o autor destaca o papel das remessas e do
turismo. Quanto a primeira, é deixado evidente há uma “situação dual de rendas
produzidas em um país e consumidas em outro”. Já quanto ao turismo, o que se
observa é o aumento do foço entre ricos e pobres evidenciado pela construção
imaginária de uma “periferia do prazer”, reavivando o “racismo e o elitismo” em
práticas de turistas vindos das “economias centrais”.
Todavia, o texto revela
que, apesar de indicadores sociais muito mais elevados que os latino americanos
e periféricos em geral, as economias centrais convivem com a crise como fato
cotidiano onde “sinais promissores de reanimação se dissolvem com o reaparecimento
de tempestades financeiras e paralisações produtivas”. Um dos fatores que
contribuíram para essa situação foi o tratamento dado as crises pelo Estado,
impedindo a quebra dos grandes bancos com rombos nos cofres públicos. As vítimas
da crise convivem com a pobreza, o desemprego e a queda dos salários enquanto
os responsáveis não sofrem punições parelhas aos problemas que causaram.
Os Estados Unidos, onde a
crise explodiu, continua com “a primazia do dólar no comércio e nas finanças”
mundiais de tal forma que “definem o ritmo e as características da reforma do
sistema financeiro” global. Com esses fatos e a reabilitação do FMI como
“auditor das economias nacionais”, os EUA tiveram e tem uma capacidade de
socializar mundialmente suas crises. Mas essa capacidade apresenta também
pontos negativos no território norte americano. Obviamente que o gigante
capitalista não permitiria que seus ricos participassem do processo de partilha
dos prejuízos, logo são os trabalhadores que sofrem com os impactos internos
sob forma de ampliação das desigualdades sociais e desemprego.
A supremacia norte
americana ainda conta com o fator bélico para reafirmação do seu protagonismo
econômico, atuando como “policial do planeta” numa política de “guerra
perpétua” que não se incomoda em ferir liberdades democráticas. No plano
econômico, a atuação se dá por “sufocamento” do adversário, obrigando-o a
negociar e perseguindo com sansões econômicas qualquer um que tente o
desenvolvimento bélico de forma autônoma, rememorando em parte o Tratado de
Versalhes (1919), com a completa humilhação da Alemanha, que aparece no livro
como potencia que passou a encabeçar o “velho mundo”.
Num contexto em que a
Europa se encontra presa “em um círculo vicioso de quebras bancárias e déficit
fiscal”, a Alemanha despontou na União Europeia com o aumento da produtividade
acima dos salários e a corrosão das garantias sociais. O panorama geral,
inaugurado na ultima década do século XX, é de privatização e
desregulamentação, mesmo que sem resultados efetivos sobre a estagnação e o
desemprego, usando “a permanência no euro para justificar a destruição do
Estado de bem-estar”. Nesse sentido, a União Europeia acaba servindo como
ferramenta de socialização dos problemas, tornando a desigualdade econômica
regional e a recriação da ordem centro-periferia uma realidade interminável.
Os problemas internos são
numerosos: já não se pode mais falar de um pacto federativo de peso, mesmo que
seja de reinvindicação popular, posto que qualquer ideologia federativa para a “Europa
do capital” se tornou incompatível com a realidade neoliberal. Os efeitos mais
imediatos foram: (1) o domínio de “uma casta supranacional”; (2) a perda geral
de soberania econômica e popular; e (3) a aceleração das privatizações, base do
modelo e Hayek. Evidentemente a população não aceitou e nem aceita “férias da
democracia” em completo silêncio, o que fica comprovado pelo “prestígio das
correntes eurocéticas” que persiste até hoje (2019).
Katz traz ainda exemplos
da África e da Ásia, todavia esses continentes assistem em grau diferentes a
deterioração que a inserção da lógica neoliberal causa, com os prejuízos já
citados anteriormente em maior ou menor escala. Garantindo alguma celeridade à
esse resumo, o último capítulo sugerido para a leitura se ocupa com analisar as
contradições que os nomes podem gerar, aglutinando em um mesmo grupo países com
características muito diferentes, como é o caso chinês, posto no grupo dos
emergentes.
Descrita como a nova
“oficina do mundo”, a China encontrou nas crises do século XXI a oportunidade
de rivalizar os EUA como principal potencia econômica. O crescimento cavalar
(com média anual de 10%) teve inicio com reformas mercantis e planificação
econômica em meados da década de 80. A virada para o capitalismo ocorreu
pós-1990 com privatizações e a formação de uma classe capitalista capaz de
realizar investimentos em empresas nascentes. Os números demonstravam uma
triplicação da renda per capita, todavia a pratica revelou um aumento dos
níveis de desigualdade social e retrocessos das conquistas populares,
interrompendo o ciclo de progresso conquistado pela revolução. Todavia a
formula de crescimento chinesa encontrou/a obstáculos internos e externos, mas
talvez o principal deles esteja na “altíssima taxa de investimento”. Para o
restante do mundo, é importante lembrar que o modelo exportador chinês não é
agregador nem inclusivo.
Internamente, apesar de
duas linhas diferentes (uma mais focada no comercio exterior e outra no
desenvolvimento interior), todos os dirigentes concordam com uma “estratégia
geopolítica defensiva” que não visa competir na vertente bélica com os EUA. “A
China inunda o planeta de capitais e mercadorias, mas não de Forças Armadas e
conspiradores”: essa frase define com qualidade o paradigma chinês. Ao
contrário do que possa parecer, um confronto China-EUA não seria interessante
para nenhuma das potencias, posto que há uma “codependência” entre as duas. Ao
longo desse ano (2019) o mundo assistiu um início de confronto comercial que
aparentemente ainda terá muitos desdobramentos. Mas, independente do conflito
com os EUA, a China “incide diretamente sobre a marcha do ciclo global”, o que
a diferencia dos demais países emergentes.
Com exceção da China,
obviamente, o que une os emergentes são as taxas de crescimento variáveis e
incertas, muito dependentes do “vaivém das commodities” e algum protagonismo
regional efetivo ou projetado, todavia essa classificação “emergentes” já tem
caído em desuso, por ser um conceito um tanto quanto vago, posto que os ditos “emergentes”
apresentam mais diferenças que semelhanças. Todavia, considerando esses países
intermediários, a realidade é que vivem tropeçando em segmentações que impedem
o crescimento geral por meio de “redes protecionistas” ou “coalizões
belicistas”; pelo contrário: buscam um nicho separado dentro da ordem
neoliberal, por vezes aliando-se de forma pouco compensatória com potências
maiores. O BRICS é um exemplo dessa segmentação: apesar de buscarem “confluências
frente a contingencias de curto prazo” não avançam “em compromissos
significativos”.
Ainda sobre esse grupo
(BRICS): que união curiosa! Em um mesmo grupo estão: a (1) Rússia com o
“totalitarismo democrático” de Putin que se mantem como potência não por
índices sociais e econômicos, mas por sua indústria bélica; a (2) Índia, um
gigante com mais de 1 bilhão de pessoas que tem uma série de problemas internos
sem resolução e vivencia índices sociais aterrorizantes (77% da população na
pobreza; 40% das crianças subnutridas; entre outros); a (3) África do Sul e o
seu “capitalismo negro” neoliberal que prega o “renascimento africano”,
presente no grupo não por índices, mas por alguma iniciativa de protagonismo
regional; o (4) Brasil com um tímida guinada a esquerda, conservando os moldes
neoliberais em associação ao progressismo dos governos do Partido dos
Trabalhadores; e a (5) China, já muito descrita anteriormente.
Por fim, as margens do
sistema mundial encontram-se os países periféricos, marcados pelo flagelo da
fome que é reforçado pela divisão internacional do trabalho voltada para
transferências de recurso da periferia para o centro. O mundo árabe é um
representante emblemático dessa periferia: com países ainda sob o sistema de
monarquia absolutista, vivencia um “neoliberalismo furioso”, marcado por
privatizações e flexibilidade das leis trabalhistas (permitindo inclusive
trabalho escravo), além da perigosa combinação subdesenvolvimento-rentismo, que
promove pobreza e desigualdade, servindo como chamariz para mais multinacionais
que enxergam na miséria a possibilidade de obtenção de força de trabalho
barata. A flexibilidade abre caminho para a superexploração com “repressão e
assassinato de sindicalistas”.
Como sugestão, para a
conclusão desse curto resumo, recomenda-se o filme “Coringa” lançado em 2019.
Dentro das paredes da universidade somos todos privilegiados, e os livros, por
mais bem escritos que sejam por vezes transformam pessoas em dados, em números
perdidos entre uma página e outra. A analise factual que C. Katz abre caminho
para a visualização do problema que é de carne e osso, que está deitado na
calçada e que muitas vezes ignoramos ao correr para apresentar um seminário. No
filme “Coringa”, apesar de retratar a história de um anti-herói, a questão é
que a ausência do Estado e a indiferença social chegaram a um pouco
insustentável em que a única saída se tornou a loucura. Nesse sentido “Coringa”
não é uma pessoa, mas sim uma ideia: o ponto de ruptura de um sistema
excludente, como é o neoliberalismo que Katz analisou com maestria. Nas últimas
manifestações pelo mundo diversas pessoas utilizaram a máscara do palhaço que
protagoniza o filme e talvez isso seja um alerta de que um limite está sendo
ultrapassado. O estado, a economia, os economistas, não deveriam trabalhar para
o Mercado, praticamente endeusado nas correntes neoliberais, mas sim para as
pessoas e para a garantia da dignidade humana. Concluo propondo a seguinte
reflexão: salve todas as pessoas e queime todas as instituições, todo o
dinheiro, todos os livros de economia. Deixe ruir até que não sobre nada além
de cinzas. As pessoas vão criar instituições, vão inventar moedas e escrever
livros. Salve todas as instituições, todo o dinheiro e todos os livros de
economia. Queime todas as pessoas: crianças, adultos e idosos. Deixe ruir até
que não sobre nada além de cinzas. O que vai acontecer?
Nenhum comentário:
Postar um comentário