RELATÓRIO:
DA CATECHESE DOS ÍNDIOS NO BRASIL, LEOLINDA DALTRO
FRANCISCO OCTÁVIO
BITTENCOURT DE SOUSA
Antes de mais nada, algo
que me incomodou muito foi o fato de o livro parecer uma propaganda do trabalho
da professora Leolinda Daltro, principalmente na parte dos resultados. Talvez
isso se explique por ser um diário.
Com esse relatório
pretendo evidenciar as imagens do índio e as representações dos sertanejos,
afim de poder comparar com relatórios com o mesmo objetivo sobre outras obras
analisadas.
Quanto a organização do
livro: ele é dividido em duas partes. Na primeira, L. Daltro narra a viagem que
fez acompanhada do Capitão Sepé e outros indígenas catequisados, afim de falar
com o presidente da república (Prudente de Moraes) sobre um projeto maior de
catequização, posse de terras, apoio financeiro, entre outras coisas. Durante a
viagem, os nativos passam por todo tipo de adversidades, possivelmente
evitáveis caso não fossem alvo de preconceito. A segunda parte do livro se
volta para os resultados obtidos pelo projeto de Leolinda Daltro. É uma parte
composta por cartas e relatórios de todo dia, desde filhos a entidades
internacionais (é à essa parte que volto a critica inicial).
No capitulo intitulado
“Explicação necessária”, algo similar a uma introdução, já se encontram
descritos tanto índios como sertanejos. Os índios e o estilo de vida são
descritos na perspectiva iluminista do bom selvagem, vivendo na “simplicidade e
no encanto”, alvo da hostilidade dos “altruísticos” sertanejos, que se tornaram
“fanáticos e ignorantes” graças ao trabalho dos “hipócritas” servos de Deus
(DALTRO, 1920).
Essas imagens se repetem
inúmeras vezes ao longo do livro: os que concordam com Leolinda Daltro e seu
projeto de catequização leiga, “[...] obra santa [...]”, partilham da mesma
visão, acrescentando graus diferentes de carência de tutela aos nativos “[...]
pobres e [...] infelizes aborígenes perdidos na espessura do sertão”. Já os que
discordam do projeto, hora afirmam que os índios são selvagens sem aptidão a
civilização, bárbaros que pouco diferem de animais e cuja a única solução seria
a morte, por serem empecilho ao avanço da sociedade. Todavia, essa visão
dissonante vai aparecer com um pouco mais de força na segunda parte do livro
(DALTRO, 1920).
A afirmação da
catequização proposta por Leolinda Daltro ser “obra santa” é intrigante, pois
deveria ser o exato oposto, visto que a catequização religiosa era arduamente
combatida pela professora. Já a afirmação de que os nativos estão “perdidos na
espessura do sertão” é de uma ignorância absurda: é ignorar toda a história dos
povos originais do sertão.
Na primeira parte o bom
selvagem, disposto a compartilhar a civilização, domina a cena. O próprio
Capitão Sepé é um exemplo descrito como “magnífico exemplo da catequese”, vindo
de uma aldeia de “ex-selvagens que vivem exemplarmente entregues ao trabalho,
numa ordem admirável [...] tem excelentes maneiras levando mesmo em vantagem
[...] indivíduos civilizados de nascença [...]”. Só essa passagem já mereceria
um estudo: ela resume o grande objetivo do governo a época, ou seja,
transformar o índio em trabalhador. É justamente esse projeto que Leolinda
Daltro e o Capitão Sepé visam dar continuidade com o apoio do presidente
(DALTRO, 1920).
Já os sertanejos são
ironicamente descritos como “bondosos”. Ironicamente pelo fato de como é
descrito a hospedagem oferecida por esses aos viajantes: “A dureza das pedras,
a humidade infecta [...] a vizinhança afrontosa [...] a sentinela armada [...],
eis a comodidade oferecida [...]” (DALTRO, 1920). Todavia, de acordo com a
autora, os sertanejos não são intrinsicamente maus, se tornaram assim pelo
contato com os missionários. A acusação contra os missionários é no mínimo
curiosa, pois eram esses que competiam pelo projeto de catequização e domínio
dos nativos.
Apesar de muito
encorajada a continuar a viagem pelos sertões com seu projeto de catequização,
recebendo grandes quantias em doação, Leolinda Daltro também enfrentava
oposição a sua missão. A oposição, geralmente, vinha acompanhada de afirmação
sobre a selvageria dos nativos e o fracasso dos jesuítas ao tentar
civiliza-los: “[...] o selvagem do Brasil é indomável e a prova é que os santos
missionários jesuítas não conseguiram, no decurso de centenas de anos, com os
recursos materiais necessários e o apoio dos governos, educar convenientemente,
ao menos, um único selvagem [...]” (DALTRO, 1920).
A oposição também
encontrava embasamento para sua crítica no fato da professora Leolinda Daltro
ser uma mulher, fazendo afirmações do tido “É tão extraordinário, tão
assombroso mesmo, o que D. Leolinda Daltro acaba de fazer, que não posso
compreender nem aceitar se não por uma das muitas modalidades do histerismo ou
da loucura!” (DALTRO, 1920).
Outros temiam pela vida
da professora, trazendo como justificativa a perseguição que L. Daltro sofria
dos missionários locais ou as dificuldades da vida no sertão. Enfim, a
professora continuou a viagem, retornando ao Rio de Janeiro anos mais tarde e
tendo o trabalho reconhecido nacional e internacionalmente.
Todavia, aqui já é
possível identificar varias características do que nos ocupada nesse curto
relatório: índios e sertanejos. Os índios podem expressos em dois grandes
grupos, um definido por Daltro e seus seguidores, e outro definido pelos que
não concordavam com a viagem a professora. No primeiro caso o índio é um ser
disposto a receber a civilização de abraços abertos, com anseio para se tornar
um trabalhador rural e para aprender os costumes da sociedade citadina. O maior
exemplo desse bom selvagem seria o próprio Capitão Sepé, o projeto magnifico da
catequização, disposto a dar continuidade ao projeto que transformava os
nativos em camponeses.
Dentro dessa seção “bom
selvagem” se encontraram outras chaves de analise: como a aldeia de Sepé,
descrita como “ex-selvagem” e grupos do entorno dispostos a se tornar
civilizados.
O outro espectro em que o
nativo aparece é no da selvageria, como um ser indomável, violento, empecilho
ao avanço civilizatório. Apesar menos frequente e de não ter conseguido uma
proeminência nas políticas nacionais, cabe citar para demonstrar que essa chave
de pensamento estava presente.
Já o sertanejo aqui é
posto em uma grande seção: eles não são ruins ou malvados por natureza, mas o
contato com os “hipócritas” a serviço de Deus (os missionários), os tornavam
fanáticos e violentos. Indiretamente são descritos como resistentes e de muita
coragem, posto que para a realização da viagem pelo sertão essas
características seriam necessárias à professora, logo: se há pessoas vivendo
ali é porque possuem essas características.
FONTES
DALTRO,
Leolinda. Da catequese dos índios no Brasil. Notícias e documentos para a História
(1896-1911). Rio de Janeiro: Typografia da Escola Orsina da Fonseca, 1920.
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