terça-feira, 26 de novembro de 2019

RELATÓRIO: POLÍTICA INDIGENISTA BRASILEIRA, ENIO CORDEIRO


RELATÓRIO: POLÍTICA INDIGENISTA BRASILEIRA, ENIO CORDEIRO
(INTRODUÇÃO E CAP. III: O INDÍGENA E A REPÚBLICA)

FRANCISCO OCTÁVIO BITTENCOURT DE SOUSA

O livro do prof. Enio Cordeiro é muito voltado para política internacional e as interpretações exteriores que se construíam sobre o Brasil e a sua legislação quanto ao indígena.
O texto é interessante por trazer a complexa representação do índio que estava sendo montada na República. O notório antropólogo Lévi-Strauss, antes da vinda ao Brasil, ouviu de um embaixador brasileiro em Paris que “os índios do Brasil haviam desaparecido a muitos anos”. Uma clara demonstração de desconhecimento da situação do país, mas que deixa claro qual a interpretação da alta cúpula política no período: o apagamento.
Poucos anos antes da proclamação da República, o relatório de um presidente de província já deixara bem claro o que era ser índio e qual o tratamento dar e esses: “a única maneira realmente eficaz seria obrigar esses assassinos e filhos de bárbaros a deixarem a floresta, localizando-os em lugares dos quais não pudessem fugir [...]”. A afirmação é curiosa pela ambivalência: ao mesmo tempo que o índio aparece como assassino e bárbaro, é também um resistente e forte, pois ainda mantem o domínio sobre as florestas.
Cartas de 1905 sobre a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil demonstram que o índio ainda é visto como resistente, pois está em constante conflito com os sertanejos, morrendo e matando. Esse paradigma do índio assassino e bárbaro resiste, a nível nacional, pelo menos até a chegada de Rondom e os projetos inaugurados por esse. Pós missões Rondom, o índio não é mais, de maneira geral, o selvagem agressivo: agora ele está “disposto a confraternizar com a civilização”.
Todavia, permaneceram ideias de que o índio era empecilho a “marcha inexorável do progresso” e “incapazes de abraçar a civilização”. Outro grupo defendia a continuidade da catequização e o assistencialismo, grupo subdividido na linha religiosa e na linha leiga.
A legislação nacional acabou por traçar uma linha média, reconhecendo em parte a autonomia política dos indígenas e retirando a obrigatoriedade da catequização, essa só ocorreria caso fosse de desejo dos próprios índios. Outro ponto é que os povos indígenas estariam agora sob proteção federal.
Em 1910, com a fundação do Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN), a legislação muda outra vez, retirando agora a orientação para uma catequização religiosa. A orientação era voltada apenas para a proteção leiga do estado, que deveria “estimular a lavoura, introduzir a pecuária e propiciar instrução técnica e primária”. A imagem que se almejava para o índio era o apagamento de seu estilo de vida e a transformação desse em um pequeno camponês. Essa ideia, apesar das varias mudanças na legislação, é mantida e atualizada: o índio deveria ser transformado de forma rápida em um trabalhador nacional. O Código Civil reforça esse pressuposto indiretamente ao afirmar uma “incapacidade relativa” dos nativos, que deveriam ser inseridos em um regime tutelar com legislação especial que seria retirada assim que o índio se adaptasse a civilização.

FONTE
CORDEIRO, Enio (1999). Política Indigenista Brasileira e Promoção Internacional dos Direitos das Populações Indígenas. Coleção Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco. Brasília: Instituto Rio Branco/Fundação Alexandre Gusmão/Centro de Estudos Estratégicos.


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