sábado, 4 de novembro de 2023

Carta sobre GTAQ

 Carta sobre GTAQ


As comunidades quilombolas são constituídas por pessoas que compartilham uma identidade forjada ao longo de processos históricos, sociais e culturais. No entanto, foi somente após uma longa e árdua luta que esses grupos foram oficialmente reconhecidos como titulares de direitos específicos pela Constituição Federal de 1988. O Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) marcou um importante avanço ao reconhecer a propriedade das terras das comunidades quilombolas, abrindo caminho para políticas públicas estruturais.


Para atender às necessidades dessas comunidades, além da regularização fundiária, torna-se crucial a formulação e implementação de políticas públicas destinadas ao acesso aos recursos naturais, melhoria dos meios de produção, habitação, educação, saúde, valorização cultural e preservação de suas tradições. É relevante enfatizar que as comunidades quilombolas são exemplos de resiliência, organização e coexistência baseada em relações sociais e ecológicas compartilhadas.


Em 2003, dois decretos foram publicados: o Decreto nº 4886/2003, que estabeleceu a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial, e o Decreto nº 4887/2003, que, em conjunto com as Instruções Normativas (IN) nº 20/05 e n° 57/09 do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e com as leis 4.132 e 4.504, estabeleceu os procedimentos para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras quilombolas. Em 2004, a Convenção 169 da OIT foi promulgada no Brasil, dando origem ao Programa Brasil Quilombola (PBQ), que consolidou a política estatal em relação às comunidades quilombolas.


Em 2006, o Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas reconheceu a contribuição dos territórios quilombolas para a conservação da biodiversidade. No ano seguinte, foi instituída a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, um instrumento jurídico importante que reconhece a busca dessas comunidades, incluindo os quilombos, por condições que garantam a preservação de sua cultura, estrutura social, práticas religiosas, conhecimentos ancestrais e bem-estar econômico. Em 2008, o Projeto "Brasil Local" elaborou os primeiros "Planos Territoriais de Etnodesenvolvimento" em 10 territórios quilombolas, e em 2013, o movimento quilombola demandou a criação da Gestão Territorial e Ambiental Quilombola, que foi instituída em 2015.


No entanto, sob o governo de Jair Bolsonaro, em 2019, a Medida Provisória 870 transferiu a responsabilidade pela regularização fundiária das terras quilombolas para o Ministério da Agricultura. O Decreto 9.667 também vinculou o INCRA a esse ministério, alterando a estrutura institucional e o direcionamento das ações de regularização.


Em agosto de 2023, após o lançamento do programa Aquilomba Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apresentou dados inéditos e historicamente significativos provenientes do primeiro levantamento da população quilombola no Brasil. No ano de 2022, esse levantamento revelou que o número de pessoas que se identificam como quilombolas ultrapassou a marca de 1,3 milhão de indivíduos. Surpreendentemente, menos de 5% dessas pessoas vivem em territórios oficialmente demarcados.


Ou seja, apesar dos avanços normativos conquistados para melhorar a qualidade de vida e as condições de reprodução física e cultural das comunidades quilombolas, desafios persistentes incluem a regularização dos territórios, o preconceito, o racismo, a intolerância religiosa e as desigualdades sociais e econômicas. Além disso, direitos fundamentais das comunidades, como o direito ao território, acesso aos recursos naturais e a preservação de seus saberes e práticas tradicionais, estão cada vez mais ameaçados. O direito de autoidentificação e autodefinição dos territórios quilombolas tem sido contestado, assim como a natureza coletiva da propriedade.


Restrições de acesso aos recursos naturais, violência decorrente da especulação fundiária e imobiliária, desmatamento e empreendimentos incompatíveis com um modelo de desenvolvimento sustentável competem com a conservação ambiental e os direitos das populações tradicionais. Os valores, saberes e práticas também são ameaçados pela homogeneização cultural, por certos movimentos religiosos e pela persistência do preconceito, bem como pela falta de condições que garantam a qualidade de vida das comunidades.


Como resposta a esses desafios, surgiu a Gestão Territorial e Ambiental Quilombola (GTAQ). Até o momento, a GTAQ tem sido compreendida como um processo de planejamento do território que valoriza os modos de vida e o uso sustentável dos recursos naturais. Essa abordagem é baseada na premissa de que os sistemas naturais e sociais são interdependentes e devem ser considerados de maneira integrada. A organização social, cultural e econômica das comunidades quilombolas está intrinsecamente ligada aos recursos naturais, e a preservação desses recursos depende das práticas e conhecimentos tradicionais.


A GTAQ abrange seis dimensões interconectadas: (1) titulação de territórios, (2) conservação ambiental e uso sustentável de recursos, (3) valores ancestrais, cultura e práticas tradicionais, (4) educação, (5) fortalecimento institucional comunitário e (6) desenvolvimento local. A regularização fundiária é fundamental para a gestão territorial e deve ser discutida e trabalhada em parceria com as comunidades.


A gestão territorial e ambiental é construída por meio da ação coletiva no interior das comunidades, com a definição de acordos internos em assembleias ou reuniões comunitárias. Além disso, a participação das lideranças em espaços externos de articulação política contribui para o fortalecimento tanto das comunidades quanto das instituições comunitárias.


O desenvolvimento local deve assegurar a sustentabilidade nas dimensões social, cultural, econômica e ambiental das comunidades quilombolas, com ênfase no conceito de etnodesenvolvimento como guia para a tomada de decisões. A construção e acesso a políticas públicas que respeitem o desenvolvimento local definido pelas próprias comunidades são condições cruciais para garantir oportunidades que assegurem a permanência das novas gerações em seus territórios.


A proteção da biodiversidade e dos modos de vida nas comunidades quilombolas são intrinsecamente relacionadas. Os conhecimentos e experiências que englobam a proteção ambiental, o desenvolvimento local, a geração de renda e o fortalecimento da identidade e cultura quilombola devem ser reconhecidos, valorizados e apoiados, com base no protagonismo e autonomia das próprias comunidades.


A dimensão da educação desempenha um papel fundamental na promoção de concepções de gestão territorial e ambiental que valorizem a história, os modos de vida e o desenvolvimento local. A implementação da Resolução do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica (CNE/CEB) n° 8/2012, que estabelece diretrizes curriculares para a educação escolar quilombola, é um passo importante nesse sentido.


Em última análise, a gestão do território e de seus recursos, sejam eles materiais ou imateriais, está ancorada no respeito aos valores ancestrais, tradições, técnicas e culturas locais. Os conhecimentos tradicionais estão em constante evolução e adaptação, incorporando novos elementos e sendo recriados em consonância com as diferentes dinâmicas presentes dentro, fora e entre as comunidades quilombolas.

quinta-feira, 1 de junho de 2023

揭示土地侵占的不公正:《Se o grileiro vem, pedra vai》的批判性分析

 揭示土地侵占的不公正:《Se o grileiro vem, pedra vai》的批判性分析


《Se o grileiro vem, pedra vai》是一本引人深思的书,讨论了巴西戈亚斯州Kalunga领地上土地侵占的问题。作者弗朗西斯科·奥克塔维奥·比坦库尔特·德·苏萨(Francisco Octávio Bittencourt de Sousa)深入探讨了这个社会问题的复杂性,并揭示了它对当地社区所造成的毁灭性后果。


该书的叙述清晰而有力地揭示了Kalunga领地土地侵占的现实情况,突出了围绕这一问题的土地争端和社会不公。作者强调非法土地占有直接影响到黑人后裔(quilombolas)的权利,引发一系列问题,使社会不平等得以延续。


该书最引人注目的方面之一是揭露了这一背景下的腐败和免罪现象。作者揭示了涉及土地登记处、公务员和其他参与者的腐败网络的存在,为土地侵占和欺诈行为提供了便利。这种免罪现象助长了问题的持续存在,并否定了传统社区的权利。


然而,即使面对这些逆境,该书也描绘了Kalunga社区为争取土地而展开的抵抗和斗争。Kalunga人被描绘为主角,展示了他们保护自己的生活方式、文化和土地权利的决心,即使面临不断的威胁。


作者还强调土地确权的重要性。缺乏适当的产权证书使传统社区在面对土地侵占者时更加脆弱。通过这种反思,该书强调了确保这些社区占据的土地具有法律保障的必要性,以保护其文化认同和权利。


该书还探讨了国家在保护传统社区权益和解决土地侵占问题中的责任。作者对国家的无为提出质疑,无论是因为无能还是因为默许,都导致不公和不平等的持续存在。


《Se o grileiro vem, pedra vai》是一本必读之作,希望了解土地侵占所导致的深刻不公和不平等的人士。该书提供了对该问题的批判性和积极参与的视角


,揭示了解决这个问题和保障受影响群体权益的迫切性。


弗朗西斯科·奥克塔维奥·比坦库尔特·德·苏萨(Francisco Octávio Bittencourt de Sousa)以其引人入胜的写作和结构严谨的叙述引领读者踏上一个意识觉醒和思考的旅程,唤起对这个困扰巴西传统社区的问题的共鸣和追求解决方案的愿望。


关于作者


弗朗西斯科·奥克塔维奥·比坦库尔特·德·苏萨(Francisco Octávio Bittencourt de Sousa)是一位巴西研究者和作家,拥有坚实的学术背景。他在巴西利亚大学(UnB)获得了人类学和社会科学学士学位,并在2022年7月以Kalunga领地土地侵占为主题完成了他的学位论文。他继续深造,目前是巴西利亚大学可持续发展研究生课程(PPGCDS)的硕士研究生。


此外,弗朗西斯科·奥克塔维奥还参与其他学术项目。他是巴西利亚大学建筑与城市规划研究生课程(PPGFAU)的科学技术社会住宅项目学生。他的研究涵盖了Kalunga和Mesquita的农地冲突、环境和人权等主题。


弗朗西斯科·奥克塔维奥还是“Se o grileiro vem, pedra vai”播客的作者之一,展示了他致力于探讨和讨论土地侵占问题的承诺。此外,他还写了同名的书籍,于2022年出版,探讨了这个问题及其对传统社区的影响。


他的工作和奉献通过奖项和荣誉得到了认可。他获得了第33届巴西人类学会议人权奖的荣誉提名,在巴西利亚大学获得了Anísio Teixeira人权奖的民主与参与类别,并在巴西利亚大学人类学本科论文奖中获得第二名。


总之,弗朗西斯科·奥克塔维奥·比坦库尔特·德·苏萨是一位致力于研究和推动人权的研究者,特别关


注农地冲突、环境和Kalunga和Mesquita领地的土地侵占问题。他坚实的学术背景和参与重要项目的投入表明了他对学术界和整个社会的贡献。

Descifrando las injusticias de la apropiación de tierras: Un análisis crítico de 'Se o grileiro vem, pedra vai'

 Descifrando las injusticias de la apropiación de tierras: Un análisis crítico de 'Se o grileiro vem, pedra vai'


"Se o grileiro vem, pedra vai" es un libro impactante que aborda el tema de la apropiación de tierras en el territorio Kalunga, en Goiás, Brasil. Escrito por Francisco Octávio Bittencourt de Sousa, la obra se sumerge profundamente en las complejidades de este problema social y revela sus consecuencias devastadoras para la comunidad local.


La narrativa del libro expone de forma clara y contundente la realidad de la apropiación de tierras en el territorio Kalunga, destacando el conflicto de tierras y la injusticia social que rodean esta cuestión. El autor subraya cómo la apropiación ilegal de tierras afecta directamente los derechos de los quilombolas (descendientes de esclavos afrobrasileños), desencadenando una serie de problemas que perpetúan la desigualdad social.


Uno de los aspectos más impactantes del libro es la denuncia de la corrupción y la impunidad en este contexto. El autor revela la existencia de una red de corrupción que involucra registros de tierras, funcionarios públicos y otros actores, facilitando el fraude y la apropiación de tierras. Esta impunidad contribuye a la perpetuación del problema y la negación de los derechos de las comunidades tradicionales.


Sin embargo, incluso ante estas adversidades, el libro también retrata la resistencia y lucha de la comunidad Kalunga por su tierra. Los Kalungas son presentados como protagonistas, mostrando su determinación en preservar su modo de vida, su cultura y sus derechos sobre la tierra, incluso frente a amenazas constantes.


El autor también destaca la importancia de la titulación de tierras. La falta de títulos de propiedad adecuados contribuye a la vulnerabilidad de las comunidades tradicionales frente a los apropiadores de tierras. A través de esta reflexión, el libro enfatiza la necesidad de garantizar la seguridad jurídica de las tierras ocupadas por estas comunidades para preservar su identidad cultural y sus derechos.


Otro punto abordado en el libro es la responsabilidad del Estado en la protección de los derechos de las comunidades tradicionales y en la resolución del problema de la apropiación de tierras. El autor cuestiona la inacción del Estado, ya sea por incompetencia o complicidad, como un factor que perpetúa la injusticia y la desigualdad.


"Se o grileiro vem, pedra vai" es una lectura esencial para aquellos que deseen comprender las profundas injusticias y desigualdades que surgen de la apropiación de tierras. El libro ofrece una perspectiva crítica y comprometida sobre el tema, exponiendo la urgencia de abordar este problema y salvaguardar los derechos de las poblaciones afectadas.


Con una escritura cautivadora y una narrativa bien estructurada, Francisco Octávio Bittencourt de Sousa guía a los lectores en un viaje de concientización y reflexión, despertando empatía y el deseo de buscar soluciones a este problema que afecta a las comunidades tradicionales en Brasil.


Sobre el autor:


Francisco Octávio Bittenc


ourt de Sousa es un investigador y autor brasileño con una sólida formación académica. Obtuvo su licenciatura en Antropología y Licenciatura en Ciencias Sociales de la Universidad de Brasilia (UnB), donde también defendió su tesis en julio de 2022, abordando el tema de la apropiación de tierras en el territorio Kalunga. Continuó sus estudios académicos y actualmente es estudiante de maestría en Desarrollo Sostenible en el Programa de Posgrado en Desarrollo Sostenible (PPGCDS) de la UnB.


Además, Francisco Octávio está involucrado en otros proyectos académicos. Es estudiante de posgrado en la Residencia CTS del Programa de Posgrado en Arquitectura y Urbanismo (PPGFAU) de la UnB. Su trabajo abarca temas como los conflictos agrarios, el medio ambiente y los derechos humanos en las comunidades quilombolas de Kalunga y Mesquita.


Francisco Octávio también es autor y una de las voces del podcast titulado "Se o grileiro vem, pedra vai", demostrando su compromiso en abordar y discutir cuestiones relacionadas con la apropiación de tierras. Además, escribió el libro con el mismo nombre, publicado en 2022, que aborda este problema y sus implicaciones para las comunidades tradicionales.


Su trabajo y dedicación han sido reconocidos a través de premios y menciones honoríficas. Recibió una mención honorífica en el X Premio de Derechos Humanos de la 33ª Reunión Brasileña de Antropología, ganó la categoría Democracia y Participación del Premio Anísio Teixeira de Derechos Humanos de la Universidad de Brasilia y obtuvo el segundo lugar en el Premio Martin Novión a la Mejor Tesis de Grado en Antropología de la UnB.


En resumen, Francisco Octávio Bittencourt de Sousa es un investigador comprometido con el estudio y la promoción de los derechos humanos, especialmente en el contexto de los conflictos agrarios, el medio ambiente y la apropiación de tierras en las comunidades quilombolas de Kalunga y Mesquita. Su sólida formación académica y su participación en proyectos relevantes demuestran su contribución a la academia y a la sociedad en su conjunto.

Unveiling the Injustices of Land Grabbing: A Critical Analysis of 'Se o grileiro vem, pedra vai'

 Unveiling the Injustices of Land Grabbing: A Critical Analysis of 'Se o grileiro vem, pedra vai'


"Se o grileiro vem, pedra vai" is a striking book that addresses the issue of land grabbing in the Kalunga territory in Goiás, Brazil. Written by Francisco Octávio Bittencourt de Sousa, the book delves deeply into the complexities of this social problem and reveals its devastating consequences for the local community.


The narrative of the book exposes the reality of land grabbing in the Kalunga territory in a clear and forceful manner, highlighting the land conflict and social injustice that surround this issue. The author underscores how the illegal appropriation of land directly affects the rights of quilombolas (descendants of Afro-Brazilian slaves), triggering a series of problems that perpetuate social inequality.


One of the most impactful aspects of the book is the denouncement of corruption and impunity within this context. The author reveals the existence of a network of corruption involving registry offices, public officials, and other actors, facilitating fraud and land grabbing. This impunity contributes to the perpetuation of the problem and the denial of the rights of traditional communities.


However, even in the face of these adversities, the book also portrays the resistance and struggle of the Kalunga community for their land. The Kalungas are depicted as protagonists, showing their determination to preserve their way of life, culture, and rights to the land, even in the face of constant threats.


The author also highlights the importance of land titling. The lack of proper land titles contributes to the vulnerability of traditional communities in the face of land grabbers. Through this reflection, the book emphasizes the need to ensure legal security for the lands occupied by these communities in order to preserve their cultural identity and rights.


Another point addressed in the book is the responsibility of the state in protecting the rights of traditional communities and in resolving the issue of land grabbing. The author questions the state's inaction, whether due to incompetence or complicity, as a factor that perpetuates injustice and inequality.


"Se o grileiro vem, pedra vai" is an essential read for those who wish to understand the profound injustices and inequalities that arise from land grabbing. The book offers a critical and engaged perspective on the subject, exposing the urgency of addressing this issue and safeguarding the rights of affected populations.


With compelling writing and a well-structured narrative, Francisco Octávio Bittencourt de Sousa guides readers on a journey of awareness and reflection, arousing empathy and a desire to seek solutions to this problem that plagues traditional communities in Brazil.


About the author:


Francisco Octávio Bittencourt de Sousa is a Brazilian researcher and author with a strong academic background. He holds a bachelor's degree in Anthropology and Social Sciences from the University of Brasília (UnB), where he also defended his undergraduate thesis in July 2022, focusing on the issue of land grabbing in the Kalunga territory. He continued his academic studies, becoming a master's student in Sustainable Development at the Graduate Program in Sustainable Development (PPGCDS) at UnB.


In addition, Francisco Octávio is involved in other academic projects. He is a postgraduate student in CTS Residence at the Graduate Program in Architecture and Urbanism (PPGFAU) at UnB. His work encompasses topics such as land conflicts, the environment, and human rights in the Kalunga and Mesquita quilombos (Afro-Brazilian communities).


Francisco Octávio is also an author and one of the voices behind the podcast titled "Se o grileiro vem, pedra vai," demonstrating his commitment to addressing and discussing issues related to land grabbing. Furthermore, he wrote the book of


 the same name, which was released in 2022 and addresses this problem and its implications for traditional communities.


His work and dedication have been recognized through awards and honorable mentions. He received an honorable mention at the X Human Rights Award of the 33rd Brazilian Anthropology Meeting, won the Democracy and Participation category of the Anísio Teixeira Human Rights Award from the University of Brasília, and placed second in the Martin Novión Award for Best Undergraduate Dissertation in Anthropology at UnB.


In summary, Francisco Octávio Bittencourt de Sousa is a researcher committed to studying and promoting human rights, particularly in the context of land conflicts, the environment, and land grabbing in the Kalunga and Mesquita quilombos. His solid academic background and involvement in relevant projects demonstrate his contribution to academia and society as a whole.

Desvendando as injustiças da grilagem de terras: Uma análise crítica de 'Se o grileiro vem, pedra vai'

 Desvendando as injustiças da grilagem de terras: Uma análise crítica de 'Se o grileiro vem, pedra vai'


"Se o grileiro vem, pedra vai" é um livro impactante que aborda o tema da grilagem de terras no território Kalunga, em Goiás. Escrito por Francisco Octávio Bittencourt de Sousa, a obra mergulha profundamente nas complexidades desse problema social e revela suas consequências devastadoras para a comunidade local.


A narrativa do livro expõe de forma clara e contundente a realidade da grilagem de terras no território Kalunga, destacando o conflito de terras e a injustiça social que permeiam essa questão. O autor evidencia como a apropriação ilegal de terras afeta diretamente os direitos dos quilombolas, desencadeando uma série de problemas que perpetuam a desigualdade social.


Um dos aspectos mais impactantes da obra é a denúncia da corrupção e impunidade presentes nesse contexto. O autor revela a existência de uma rede de corrupção que envolve cartórios, funcionários públicos e outros atores, facilitando as fraudes e a grilagem de terras. Essa impunidade contribui para a perpetuação do problema e a negação dos direitos das comunidades tradicionais.


No entanto, mesmo diante dessas adversidades, o livro também retrata a resistência e a luta da comunidade Kalunga pela terra. Os Kalungas são retratados como protagonistas, mostrando sua determinação em preservar seu modo de vida, sua cultura e seus direitos sobre a terra, mesmo enfrentando ameaças constantes.


A importância da titulação de terras também é destacada pelo autor. A falta de títulos de propriedade adequados contribui para a vulnerabilidade das comunidades tradicionais diante dos grileiros. Através dessa reflexão, o livro ressalta a necessidade de garantir a segurança jurídica das terras ocupadas pelas comunidades, a fim de preservar sua identidade cultural e seus direitos.


Outro ponto abordado no livro é a responsabilidade do Estado na proteção dos direitos das comunidades tradicionais e na resolução do problema da grilagem de terras. O autor questiona a inação do Estado, seja por incompetência ou conivência, como um fator que perpetua a injustiça e a desigualdade.


"Se o grileiro vem, pedra vai" é uma leitura indispensável para quem deseja compreender as profundas injustiças e desigualdades que ocorrem devido à grilagem de terras. O livro oferece uma visão crítica e engajada sobre o assunto, expondo a urgência de enfrentar essa questão e garantir os direitos das populações afetadas.


Com uma escrita envolvente e uma narrativa bem estruturada, Francisco Octávio Bittencourt de Sousa conduz o leitor por uma jornada de conscientização e reflexão, despertando a empatia e o desejo de buscar soluções para essa problemática que assola as comunidades tradicionais do Brasil.


Sobre o autor


Francisco Octávio Bittencourt de Sousa é um pesquisador e autor brasileiro com uma sólida formação acadêmica. Ele obteve seu diploma de graduação em Antropologia e Licenciatura em Ciências Sociais pela Universidade de Brasília (UnB), onde também defendeu sua monografia em julho de 2022, abordando o tema da grilagem de terras no território Kalunga. Ele prosseguiu seus estudos acadêmicos, tornando-se um mestrando em Desenvolvimento Sustentável pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável (PPGCDS) da UnB.


Além disso, Francisco Octávio está envolvido em outros projetos acadêmicos. Ele é pós-graduando em Residência CTS pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGFAU) da UnB. Sua atuação abrange temas como conflitos agrários, meio ambiente e direitos humanos nos quilombos Kalunga e Mesquita.


Francisco Octávio também é autor e uma das vozes do podcast intitulado "Se o grileiro vem, pedra vai", demonstrando seu compromisso em abordar e discutir questões relacionadas à grilagem de terras. Além disso, ele escreveu o livro com o mesmo nome, lançado em 2022, o qual trata desse problema e suas implicações para as comunidades tradicionais.


Seu trabalho e dedicação foram reconhecidos através de prêmios e menções honrosas. Ele recebeu menção honrosa no X Prêmio de Direitos Humanos da 33ª Reunião Brasileira de Antropologia, venceu a categoria Democracia e Participação do Prêmio Anísio Teixeira de Direitos Humanos da Universidade de Brasília e foi premiado em segundo lugar no Prêmio Martin Novión de Melhor Dissertação de Graduação em Antropologia da UnB.


Em resumo, Francisco Octávio Bittencourt de Sousa é um pesquisador comprometido com o estudo e a promoção dos direitos humanos, especialmente no contexto dos conflitos agrários, meio ambiente e grilagem de terras nos quilombos Kalunga e Mesquita. Sua formação acadêmica sólida e seu envolvimento em projetos relevantes demonstram sua contribuição para a academia e para a sociedade como um todo.

APRESENTAÇÃO DA OBRA ‘SE O GRILEIRO VEM, PEDRA VAI’ (2022), FRANCISCO OCTÁVIO BITTENCOURT DE SOUSA

 APRESENTAÇÃO DA OBRA ‘SE O GRILEIRO VEM, PEDRA VAI’ (2022), FRANCISCO OCTÁVIO BITTENCOURT DE SOUSA


Este texto resume uma pesquisa sobre grilagem de terras no Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga, localizado em Goiás. O autor adota uma abordagem antropológica, descrevendo os indícios de grilagem encontrados, as incursões a campo e as entrevistas realizadas. O texto busca contribuir para o reconhecimento da área como patrimônio da comunidade Kalunga. A monografia possui uma estrutura composta por introdução, capítulos sobre grilagem, análise antropológica, estudo de caso, personagens envolvidas e formas de resistência, além de anexos que comprovam os fatos narrados. O autor destaca a importância da comunidade Kalunga, agradece aos colaboradores e menciona que a monografia também está disponível em áudio.


O capítulo de introdução aborda a importância da terra para os estudos do campesinato e a histórica luta pela terra no Brasil, especialmente com a opressão dos povos indígenas. A Fazenda Bonito, ocupada pelos Kalunga, é um exemplo de área afetada pela grilagem, com mais de 100 famílias quilombolas e recursos naturais valiosos. A falta de documentação oficial e a demora na titulação da comunidade facilitam as fraudes, estimando-se que cada hectare contenha 4 hectares grilados.


O capítulo I define e explora os diferentes tipos de grilagem, destacando sua relação com a concentração fundiária, a exploração econômica, a corrupção e a conivência dos órgãos públicos. Também ressalta a existência de redes de solidariedade e suborno e a participação de diversos atores na prática da grilagem. Desde o período colonial, a grilagem envolveu práticas criminosas e a manipulação das leis. A resistência dos latifundiários e a ausência do Estado na proteção de populações tradicionais fortaleceram a prática.


No caso específico dos Kalunga, a grilagem começou em 1942 e intensificou-se com a chegada de mineradoras, empresas agrícolas e hidrelétricas. A luta pela proteção do território intensificou-se com pesquisas e ações de reconhecimento das terras pelos Kalunga. O processo de regularização do território teve avanços e desafios, com alguns Kalungas preferindo títulos de propriedade individuais, enquanto outros valorizavam o uso coletivo da terra.


Em resumo, a pesquisa sobre a grilagem de terras no território Kalunga apresenta evidências e análises antropológicas sobre o problema. O texto destaca a importância da comunidade Kalunga, descreve os tipos de grilagem, suas consequências socioeconômicas e a resistência das populações tradicionais. A regularização fundiária é uma prioridade para essas comunidades, garantindo o acesso a políticas públicas e a preservação de seus modos de vida.


No capítulo II, o autor apresenta a análise vertical da grilagem, uma abordagem interdisciplinar que busca compreender o processo de apropriação ilegal de terras no Brasil. O autor destaca a importância da análise multidimensional da grilagem, incorporando métodos qualitativos, quantitativos e etnográficos. Ele menciona pesquisas antropológicas anteriores sobre a grilagem, destacando trabalhos que abordaram a temática indiretamente em estudos sobre trabalhadores rurais, estrutura agrária e mobilizações camponesas.


No contexto contemporâneo, as pesquisas sobre grilagem têm explorado o uso avançado de mecanismos como a Internet e o georreferenciamento para expandir as redes de solidariedade e suborno. Essas investigações contribuíram para um melhor entendimento da grilagem, revelando suas conexões com projetos de desenvolvimento do Estado, desmatamento e regularização fundiária.


Diferentes abordagens têm sido adotadas para estudar a grilagem, incluindo a análise do imaginário político e histórico em torno do fenômeno, a relação entre humanos e o meio ambiente, a dinâmica interna da grilagem sob uma perspectiva tecnológica, o confronto entre diferentes mundos afetados pela grilagem e a análise dos agentes não-humanos envolvidos no processo.


As pesquisas identificaram características comuns nos esquemas de grilagem, como a participação de diversos atores em uma rede ampliada de solidariedade e suborno, que inclui tanto seres humanos quanto objetos e brechas na legislação. A flexibilidade da grilagem permite que se adapte a mudanças históricas, políticas, tecnológicas e legislativas.


Evidências mostram que membros do poder público estão envolvidos nos esquemas de grilagem, e incentivos fiscais e megaprojetos de infraestrutura contribuem para a supervalorização da terra e a proliferação das fraudes. A estrutura fundiária brasileira tem se mantido ao longo do tempo, mesmo em governos de esquerda, e as redes de solidariedade e suborno continuam se expandindo.


No Capítulo III do livro, são abordados vários aspectos relacionados à fazenda Bonito, incluindo suas características físicas, o potencial agrícola e a história da ocupação do território brasileiro, que pode explicar a ocorrência de fraudes na região. É destacada a falta de titulação definitiva das terras, a existência de diferentes tipos de posse e processos judiciais. Esquemas fraudulentos, como registros paroquiais sem área delimitada e transferências irregulares, são descritos. A morosidade do poder público em resolver o problema e titular a comunidade quilombola é mencionada, facilitando mais fraudes. Também são apresentadas informações sobre a localização geográfica da fazenda, a diversidade de vegetação, as características do solo e o impacto ambiental da ocupação.


O texto aborda a relação dos Kalunga, um grupo quilombola, com a terra. A terra é considerada sagrada para eles e representa sua identidade e cultura. As mulheres Kalunga desempenham um papel fundamental na preservação da terra e na igualdade de gênero. O modo de vida e produção dos Kalunga baseia-se na agricultura de roçado, combinando questões ecológicas com a subsistência. A criação de gado Curraleiro contribui para uma pecuária sustentável e a exploração econômica das pastagens naturais, permitindo que os Kalunga permaneçam na área rural.


A posse da terra é fundamental para os Kalunga, que consideram o território sagrado e necessário para suas necessidades. O modo de vida da comunidade está intimamente ligado à terra, onde reproduzem seus costumes, preservam suas ancestralidades e obtêm sustento para suas famílias por meio da agricultura de roçado. O cultivo de alimentos como arroz, milho, feijão, gergelim e mandioca é essencial para sua alimentação. A criação de gado Curraleiro permite a exploração econômica das pastagens nativas do cerrado, promovendo uma atividade pecuária sustentável e uma relação de liberdade com o território. A preservação da terra e a resistência contra invasores são aspectos centrais na luta dos Kalunga pela manutenção de seu modo de vida e identidade.


O capítulo IV do livro explora os personagens envolvidos na questão da grilagem de terras em Goiás. Destaca-se o papel do cartório de registros de Cavalcante na composição dos esquemas fraudulentos e na exposição das fraudes pós-intervenção federal. Além disso, são abordados outros interessados nos casos, revelando a abrangência nacional do problema do grilo Bonito. São analisados os registros paroquiais do século XIX relacionados à origem da propriedade da fazenda Bonito, destacando inconsistências e disputas de posse. Também são mencionadas as ações realizadas pelo fazendeiro Juvelan de Paula e Sousa e as controvérsias envolvendo a ocupação da área e a comunidade quilombola.


No trecho em questão, o autor relata uma série de eventos relacionados à propriedade de terras denominada "BONITO" e seu suposto proprietário, Abraão Simão da Silva. São observadas várias irregularidades e indícios de grilagem de terras, incluindo transações suspeitas realizadas por Abraão Simão da Silva após sua morte, a falta de registros de pessoas mencionadas nos documentos e a participação de terceiros, como João Batista Fernandes do Nascimento, no esquema de venda de terras. Além disso, há menção a outros casos de compradores que adquiriram áreas maiores do que as registradas e a disputa judicial entre Juvelan, empresas do grupo Dinâmica e os Kalunga, comunidade afetada pela situação.


Esses eventos mostram uma extensa rede de corrupção e fraude envolvendo a propriedade de terras, causando prejuízos aos verdadeiros donos e afetando diretamente a comunidade Kalunga, que luta pela preservação de seu modo de vida. As transações fraudulentas e a sobreposição de imóveis tornaram-se motivo de disputa na justiça entre diferentes partes envolvidas, evidenciando a complexidade e as fragilidades desse sistema corrupto. O autor deixa para o leitor a tarefa de julgar os envolvidos, mas ressalta a importância de proteger os direitos das comunidades afetadas por essa situação.


No contexto da grilagem de terras no território Kalunga, a análise revela a importância do Cartório de Registros de Cavalcante como peça-chave na rede de solidariedade e suborno estabelecida. Durante as investigações, foram identificados dois períodos relevantes para o conflito fundiário, sendo o último o mais significativo. O relatório destaca a existência de centenas de fraudes e irregularidades no cartório, afetando outros cartórios em municípios vizinhos. A situação fundiária do território Kalunga era conhecida pelo poder público, mas a regularização fundiária estava estagnada devido à confusão dos documentos. Luslene Veloso, uma oficiala do cartório, desempenhou um papel crucial na identificação das fraudes, especialmente relacionadas à fazenda Bonito, enfrentando pressões e tentativas de suborno. Ela descobriu que a Bonito fazia parte do território Kalunga em processo de desapropriação, envolvendo milhões de reais em indenizações. Em 2014, Luslene enviou um pedido de providências à justiça, solicitando a suspensão dos registros e averbações, e um mês depois, as matrículas relacionadas à Bonito foram bloqueadas pela juíza substituta Priscila Lopes da Silveira. No entanto, o processo acabou desaparecendo, gerando incertezas e contribuindo para a continuidade da grilagem.


A grilagem de terras no território Kalunga envolveu o Cartório de Registros de Cavalcante como peça-chave na rede de solidariedade e suborno. Durante as investigações, foram identificados dois períodos importantes, sendo o último o mais significativo. O cartório era marcado por fraudes e irregularidades, afetando outros cartórios da região. Luslene Veloso, uma oficiala do cartório, desempenhou um papel essencial na descoberta das fraudes, especialmente relacionadas à fazenda Bonito. Ela enfrentou pressões e tentativas de suborno, e descobriu que a Bonito fazia parte do território Kalunga em processo de desapropriação. Em 2014, Luslene enviou um pedido de providências à justiça, resultando no bloqueio das matrículas relacionadas à Bonito. No entanto, o processo acabou desaparecendo, gerando incertezas e contribuindo para a continuidade da grilagem de terras no local.


No capítulo V, intitulado "Se o grileiro vem, pedra vai", o autor conclui a análise do caso da Fazenda Bonito, destacando a presença das redes de solidariedade e suborno no espaço e na vida das pessoas, assim como a influência do Estado na grilagem de terras. O autor ressalta a inação do Estado em combater a grilagem, apontando para a possibilidade de incompetência ou cumplicidade. O capítulo termina com a reflexão de que a grilagem é uma ferramenta de apropriação de terras e integração ao sistema capitalista.


No epílogo, intitulado "Vivos apesar do Estado", o autor relata sua experiência ao qualificar informalmente sua monografia, buscando garantir a compreensão do texto pela comunidade estudada e chamando especialistas para debater questões técnicas e ouvir a perspectiva dos Kalunga. O autor destaca a importância de transmitir a mensagem de forma acessível e a necessidade de avançar em termos de antirracismo na pesquisa científica. O epílogo também menciona que o autor buscou ouvir pessoas com conhecimento científico e vivência empírica das questões abordadas.


O livro "Se o grileiro vem, pedra vai" aborda o tema do grilagem de terras no território Kalunga, em Goiás, e traz várias mensagens principais, incluindo:


1. Conflito de terras e injustiça social: O livro expõe a realidade do grilagem de terras no território Kalunga, evidenciando as consequências desse conflito para a comunidade local. Mostra como a apropriação ilegal de terras prejudica os direitos dos quilombolas e perpetua a desigualdade social.


2. Corrupção e impunidade: O autor revela a existência de uma rede de corrupção e impunidade envolvendo cartórios, funcionários públicos e outros atores, que facilitam as fraudes e a grilagem de terras. Essa impunidade contribui para a perpetuação do problema e a negação dos direitos das comunidades tradicionais.


3. Resistência e luta pela terra: O livro destaca a resistência da comunidade Kalunga diante do avanço dos grileiros. Mostra como os Kalungas lutam para preservar seu modo de vida, sua cultura e seus direitos sobre a terra, mesmo enfrentando adversidades e ameaças.


4. Importância da titulação de terras: O autor ressalta a importância da titulação de terras para as comunidades tradicionais, como os Kalungas, como forma de garantir seus direitos e preservar sua identidade cultural. A ausência de títulos de propriedade adequados contribui para a vulnerabilidade dessas comunidades diante dos grileiros.


5. Responsabilidade do Estado: O livro questiona a responsabilidade do Estado na proteção dos direitos das comunidades tradicionais e na resolução do problema da grilagem de terras. Aponta a inação do Estado, seja por incompetência ou conivência, como um fator que perpetua a injustiça e a desigualdade.


Essas são algumas das principais mensagens transmitidas pelo livro "Se o grileiro vem, pedra vai". A obra traz à tona a realidade da grilagem de terras no Brasil e suas consequências para as comunidades tradicionais, colocando em evidência a necessidade de enfrentar esse problema e garantir os direitos das populações afetadas.

PRESENTATION OF THE WORK 'IF THE LAND GRABBER COMES, STONES WILL GO' (2022), FRANCISCO OCTÁVIO BITTENCOURT DE SOUSA

 PRESENTATION OF THE WORK 'IF THE LAND GRABBER COMES, STONES WILL GO' (2022), FRANCISCO OCTÁVIO BITTENCOURT DE SOUSA


This text summarizes a research on land grabbing in the Kalunga Historical Site and Cultural Heritage, located in Goiás. The author adopts an anthropological approach, describing the signs of land grabbing found, field incursions, and conducted interviews. The text seeks to contribute to the recognition of the area as a heritage of the Kalunga community. The monograph has a structure composed of an introduction, chapters on land grabbing, anthropological analysis, case study, involved characters, forms of resistance, and annexes that provide evidence of the narrated facts. The author highlights the importance of the Kalunga community, thanks the collaborators, and mentions that the monograph is also available in audio format.


The introduction chapter addresses the importance of land in the studies of peasantry and the historical struggle for land in Brazil, especially with the oppression of indigenous peoples. Fazenda Bonito, occupied by the Kalunga, is an example of an area affected by land grabbing, with over 100 quilombola families and valuable natural resources. The lack of official documentation and delays in titling the community facilitate fraud, estimating that each hectare contains 4 illegally appropriated hectares.


Chapter I defines and explores different types of land grabbing, highlighting its relationship with land concentration, economic exploitation, corruption, and complicity of public agencies. It also emphasizes the existence of networks of solidarity and bribery and the involvement of various actors in the practice of land grabbing. Since the colonial period, land grabbing has involved criminal practices and manipulation of laws. The resistance of large landowners and the absence of the State in protecting traditional populations have strengthened the practice.


In the specific case of the Kalunga, land grabbing started in 1942 and intensified with the arrival of mining companies, agricultural enterprises, and hydroelectric plants. The struggle for the protection of the territory intensified with research and actions to recognize the Kalunga lands. The process of territorial regularization had advancements and challenges, with some Kalungas preferring individual land titles while others valued collective land use.


In summary, the research on land grabbing in the Kalunga territory presents evidence and anthropological analysis of the problem. The text highlights the importance of the Kalunga community, describes the types of land grabbing, its socio-economic consequences, and the resistance of traditional populations. Land regularization is a priority for these communities, guaranteeing access to public policies and the preservation of their ways of life.


In Chapter II, the author presents a vertical analysis of land grabbing, an interdisciplinary approach that seeks to understand the process of illegal land appropriation in Brazil. The author emphasizes the importance of a multidimensional analysis of land grabbing, incorporating qualitative, quantitative, and ethnographic methods. Previous anthropological research on land grabbing is mentioned, highlighting works that indirectly addressed the issue in studies on rural workers, agrarian structure, and peasant mobilizations.


In the contemporary context, research on land grabbing has explored the advanced use of mechanisms such as the Internet and georeferencing to expand networks of solidarity and bribery. These investigations have contributed to a better understanding of land grabbing, revealing its connections to state development projects, deforestation, and land regularization.


Different approaches have been adopted to study land grabbing, including the analysis of the political and historical imaginary surrounding the phenomenon, the relationship between humans and the environment, the internal dynamics of land grabbing from a technological perspective, the confrontation between different worlds affected by land grabbing, and the analysis of non-human agents involved in the process.


Research has identified common characteristics in land grabbing schemes, such as the involvement of various actors in an extended network of solidarity and bribery, including both humans and objects and loopholes in legislation. The flexibility of land grabbing allows it to adapt to historical, political, technological, and legislative changes.


Evidence shows that members of the government are involved in land grabbing schemes, and fiscal incentives and mega-infrastructure projects contribute to the overvaluation of land and the proliferation of fraud. The Brazilian land structure has persisted over time, even under left-wing governments, and networks of solidarity and bribery continue to expand.


In Chapter III of the book, various aspects related to Fazenda Bonito are addressed, including its physical characteristics, agricultural potential, and the history of land occupation in Brazil, which may explain the occurrence of fraud in the region. The lack of definitive land titling, the existence of different forms of possession, and judicial processes are highlighted. Fraudulent schemes, such as parish records without delimited areas and irregular transfers, are described. The slowness of the government in resolving the issue and titling the quilombola community is mentioned, further facilitating more fraud. Information is also presented about the geographical location of the farm, vegetation diversity, soil characteristics, and the environmental impact of the occupation.


The text delves into the relationship of the Kalunga, a quilombola group, with the land. The land is considered sacred to them and represents their identity and culture. Kalunga women play a fundamental role in land preservation and gender equality. The Kalunga's way of life and production are based on slash-and-burn agriculture, combining ecological concerns with subsistence. The breeding of Curraleiro cattle contributes to sustainable livestock farming and the economic exploitation of natural pastures, enabling the Kalunga to remain in the rural area.


Land possession is fundamental to the Kalunga, who consider the territory sacred and necessary for their needs. The community's way of life is closely linked to the land, where they reproduce their customs, preserve their ancestry, and obtain sustenance for their families through slash-and-burn agriculture. The cultivation of crops such as rice, corn, beans, sesame, and cassava is essential for their food supply. The breeding of Curraleiro cattle allows for the economic exploitation of the cerrado's native pastures, promoting sustainable livestock farming and a sense of freedom in their relationship with the land. Land preservation and resistance against invaders are central aspects of the Kalunga's struggle for maintaining their way of life and identity.


Chapter IV of the book explores the characters involved in the issue of land grabbing in Goiás. The role of the Cavalcante registry office in the composition of fraudulent schemes and the exposure of post-federal intervention frauds is highlighted. Furthermore, other interested parties in the cases are discussed, revealing the national scope of the Bonito land grabbing problem. Parish records from the 19th century related to the origin of Bonito farm ownership are analyzed, highlighting inconsistencies and possession disputes. The actions taken by landowner Juvelan de Paula e Sousa and controversies surrounding the occupation of the area and the quilombola community are also mentioned.


In the excerpt in question, the author recounts a series of events related to the ownership of land known as "BONITO" and its supposed owner, Abraão Simão da Silva. Several irregularities and indications of land grabbing are observed, including suspicious transactions carried out by Abraão Simão da Silva after his death, the lack of records of individuals mentioned in the documents, and the involvement of third parties, such as João Batista Fernandes do Nascimento, in the land sales scheme. Additionally, there is mention of other buyers who acquired larger areas than those registered and the legal dispute between Juvelan, companies from the Dinâmica group, and the Kalunga community affected by the situation.


These events demonstrate an extensive network of corruption and fraud involving land ownership, causing harm to the rightful owners and directly affecting the Kalunga community, which is fighting for the preservation of their way of life. The fraudulent transactions and overlapping properties have become the subject of legal disputes between different parties involved, highlighting the complexity and vulnerabilities of this corrupt system. The author leaves it to the reader to judge those involved but emphasizes the importance of protecting the rights of the communities affected by this situation.


In the context of land grabbing in the Kalunga territory, the analysis reveals the significance of the Cavalcante Registry Office as a key player in the established network of solidarity and bribery. During the investigations, two relevant periods for the land conflict were identified, with the latter being the most significant. The report highlights the existence of hundreds of frauds and irregularities in the registry office, affecting other registries in neighboring municipalities. The land situation in the Kalunga territory was known to the government, but land regularization was stagnant due to document confusion. Luslene Veloso, an official in the registry office, played a crucial role in identifying the frauds, particularly those related to the Bonito farm, facing pressures and attempted bribes. She discovered that Bonito was part of the Kalunga territory under expropriation process, involving millions of reais in compensations. In 2014, Luslene sent a request for action to the court, seeking the suspension of registrations and annotations, and a month later, the titles related to Bonito were blocked by substitute judge Priscila Lopes da Silveira. However, the process ended up disappearing, generating uncertainties and contributing to the continuation of land grabbing.


Land grabbing in the Kalunga territory involved the Cavalcante Registry Office as a key player in the network of solidarity and bribery. During the investigations, two significant periods were identified, with the latter being the most relevant. The registry office was marked by frauds and irregularities, affecting other registries in the region. Luslene Veloso, an official in the registry office, played an essential role in uncovering the frauds, especially those related to the Bonito farm. She faced pressures and attempted bribes and discovered that Bonito was part of the Kalunga territory under expropriation process. In 2014, Luslene sent a request for action to the court, resulting in the blocking of the titles related to Bonito. However, the process ended up disappearing, generating uncertainties and contributing to the continuation of land grabbing in the area.


In Chapter V, titled "Se o grileiro vem, pedra vai" ("If the land grabber comes, the stone will go"), the author concludes the analysis of the Bonito Farm case, highlighting the presence of networks of solidarity and bribery in the space and people's lives, as well as the influence of the state in land grabbing. The author emphasizes the inaction of the state in combating land grabbing, pointing to the possibility of incompetence or complicity. The chapter ends with the reflection that land grabbing is a tool for land appropriation and integration into the capitalist system.


In the epilogue titled "Vivos apesar do Estado" ("Alive Despite the State"), the author recounts their experience in informally presenting their monograph, seeking to ensure understanding of the text by the studied community and inviting experts to discuss technical issues and hear the perspective of the Kalunga people. The author highlights the importance of conveying the message in an accessible manner and the need to advance in terms of anti-racism in scientific research. The epilogue also mentions that the author sought to listen to people with scientific knowledge and empirical experience of the issues addressed.


The book "Se o grileiro vem, pedra vai" addresses the issue of land grabbing in the Kalunga territory, in Goiás, and conveys several key messages, including:


1. Land conflict and social injustice: The book exposes the reality of land grabbing in the Kalunga territory, highlighting the consequences of this conflict for the local community. It shows how the illegal appropriation of land undermines the rights of quilombola communities and perpetuates social inequality.


2. Corruption and impunity: The author reveals the existence of a network of corruption and impunity involving registries, public officials, and other actors that facilitate land fraud and grabbing. This impunity contributes to the perpetuation of the problem and the denial of the rights of traditional communities.


3. Resistance and fight for land: The book highlights the resistance of the Kalunga community in the face of encroachment by land grabbers. It shows how the Kalungas strive to preserve their way of life, culture, and land rights, even in the face of adversity and threats.


4. Importance of land titling: The author emphasizes the importance of land titling for traditional communities like the Kalungas as a means to secure their rights and preserve their cultural identity. The absence of proper land titles contributes to the vulnerability of these communities in the face of land grabbers.


5. State responsibility: The book questions the responsibility of the State in protecting the rights of traditional communities and resolving the issue of land grabbing. It highlights the State's inaction, whether due to incompetence or complicity, as a factor that perpetuates injustice and inequality.


These are some of the main messages conveyed by the book "Se o grileiro vem, pedra vai". The work sheds light on the reality of land grabbing in Brazil and its consequences for traditional communities, emphasizing the need to address this problem and safeguard the rights of affected populations.


PRÉSENTATION DE L'OUVRAGE "SE O GRILEIRO VEM, PEDRA VAI" (2022), DE FRANCISCO OCTÁVIO BITTENCOURT DE SOUSA

 PRÉSENTATION DE L'OUVRAGE "SE O GRILEIRO VEM, PEDRA VAI" (2022), DE FRANCISCO OCTÁVIO BITTENCOURT DE SOUSA


Le livre "Se o grileiro vem, pedra vai" aborde le thème de l'accaparement des terres dans le territoire Kalunga, à Goiás, et transmet plusieurs messages clés, notamment :


1. Conflit foncier et injustice sociale : Le livre expose la réalité de l'accaparement des terres dans le territoire Kalunga, en mettant en évidence les conséquences de ce conflit pour la communauté locale. Il montre comment l'appropriation illégale des terres nuit aux droits des quilombolas et perpétue les inégalités sociales.


2. Corruption et impunité : L'auteur révèle l'existence d'un réseau de corruption et d'impunité impliquant des bureaux d'enregistrement, des fonctionnaires publics et d'autres acteurs, qui facilitent les fraudes et l'accaparement des terres. Cette impunité contribue à la perpétuation du problème et à la négation des droits des communautés traditionnelles.


3. Résistance et lutte pour la terre : Le livre met en avant la résistance de la communauté Kalunga face à l'avancée des accapareurs. Il montre comment les Kalungas luttent pour préserver leur mode de vie, leur culture et leurs droits sur la terre, même en faisant face à des adversités et des menaces.


4. Importance de la titrisation des terres : L'auteur souligne l'importance de la titrisation des terres pour les communautés traditionnelles, telles que les Kalungas, afin de garantir leurs droits et de préserver leur identité culturelle. L'absence de titres de propriété appropriés contribue à la vulnérabilité de ces communautés face aux accapareurs.


5. Responsabilité de l'État : Le livre interroge la responsabilité de l'État dans la protection des droits des communautés traditionnelles et dans la résolution du problème de l'accaparement des terres. Il met en évidence l'inaction de l'État, qu'elle soit due à l'incompétence ou à la complicité, comme un facteur qui perpétue l'injustice et les inégalités.


Ce sont là quelques-uns des principaux messages transmis par le livre "Se o grileiro vem, pedra vai". L'ouvrage met en lumière la réalité de l'accaparement des terres au Brésil et ses conséquences pour les communautés traditionnelles, en soulignant la nécessité de faire face à ce problème et de garantir les droits des populations concernées.


PRESENTACIÓN DE LA OBRA "SE O GRILEIRO VEM, PEDRA VAI" (2022), DE FRANCISCO OCTÁVIO BITTENCOURT DE SOUSA

 PRESENTACIÓN DE LA OBRA "SE O GRILEIRO VEM, PEDRA VAI" (2022), DE FRANCISCO OCTÁVIO BITTENCOURT DE SOUSA


El libro "Se o grileiro vem, pedra vai" aborda el tema de la apropiación ilegal de tierras en el territorio Kalunga, en Goiás, y transmite varios mensajes principales, entre ellos:


1. Conflicto de tierras e injusticia social: El libro expone la realidad de la apropiación ilegal de tierras en el territorio Kalunga, evidenciando las consecuencias de este conflicto para la comunidad local. Muestra cómo la apropiación ilegal de tierras perjudica los derechos de los quilombolas y perpetúa la desigualdad social.


2. Corrupción e impunidad: El autor revela la existencia de una red de corrupción e impunidad que involucra a registros públicos, funcionarios y otros actores, que facilitan los fraudes y la apropiación ilegal de tierras. Esta impunidad contribuye a la perpetuación del problema y a la negación de los derechos de las comunidades tradicionales.


3. Resistencia y lucha por la tierra: El libro destaca la resistencia de la comunidad Kalunga ante el avance de los apropiadores ilegales de tierras. Muestra cómo los Kalungas luchan por preservar su modo de vida, su cultura y sus derechos sobre la tierra, a pesar de enfrentar adversidades y amenazas.


4. Importancia de la titulación de tierras: El autor resalta la importancia de la titulación de tierras para las comunidades tradicionales, como los Kalungas, como forma de garantizar sus derechos y preservar su identidad cultural. La ausencia de títulos de propiedad adecuados contribuye a la vulnerabilidad de estas comunidades frente a los apropiadores ilegales de tierras.


5. Responsabilidad del Estado: El libro cuestiona la responsabilidad del Estado en la protección de los derechos de las comunidades tradicionales y en la resolución del problema de la apropiación ilegal de tierras. Señala la inacción del Estado, ya sea por incompetencia o complicidad, como un factor que perpetúa la injusticia y la desigualdad.


Estos son algunos de los mensajes principales transmitidos por el libro "Se o grileiro vem, pedra vai". La obra pone de relieve la realidad de la apropiación ilegal de tierras en Brasil y sus consecuencias para las comunidades tradicionales, destacando la necesidad de enfrentar este problema y garantizar los derechos de las poblaciones afectadas.


PRÄSENTATION DES WERKS "SE O GRILEIRO VEM, PEDRA VAI" (2022), VON FRANCISCO OCTÁVIO BITTENCOURT DE SOUSA

 PRÄSENTATION DES WERKS "SE O GRILEIRO VEM, PEDRA VAI" (2022), VON FRANCISCO OCTÁVIO BITTENCOURT DE SOUSA


Das Buch "Se o grileiro vem, pedra vai" behandelt das Thema der Landbesetzung im Kalunga-Territorium in Goiás und vermittelt mehrere Hauptbotschaften, darunter:


1. Landkonflikte und soziale Ungerechtigkeit: Das Buch zeigt die Realität der Landbesetzung im Kalunga-Territorium auf und verdeutlicht die Konsequenzen dieses Konflikts für die lokale Gemeinschaft. Es zeigt, wie die illegale Aneignung von Landrechten die Rechte der Quilombola-Gemeinschaften beeinträchtigt und soziale Ungleichheit aufrechterhält.


2. Korruption und Straflosigkeit: Der Autor enthüllt ein Netzwerk aus Korruption und Straflosigkeit, das Notare, öffentliche Beamte und andere Akteure umfasst und Betrug und Landbesetzungen erleichtert. Diese Straflosigkeit trägt zur Fortdauer des Problems und zur Verleugnung der Rechte der traditionellen Gemeinschaften bei.


3. Widerstand und Kampf um Land: Das Buch hebt den Widerstand der Kalunga-Gemeinschaft gegen die Vormarsch der Landbesetzer hervor. Es zeigt, wie die Kalungas trotz Widrigkeiten und Bedrohungen für ihren Lebensstil, ihre Kultur und ihre Landrechte kämpfen.


4. Bedeutung der Landtitulierung: Der Autor betont die Bedeutung der Landtitulierung für traditionelle Gemeinschaften wie die Kalungas, um ihre Rechte zu gewährleisten und ihre kulturelle Identität zu bewahren. Das Fehlen angemessener Eigentumstitel trägt zur Anfälligkeit dieser Gemeinschaften gegenüber Landbesetzern bei.


5. Verantwortung des Staates: Das Buch stellt die Verantwortung des Staates bei der Wahrung der Rechte der traditionellen Gemeinschaften und bei der Lösung des Problems der Landbesetzung in Frage. Es weist auf die Untätigkeit des Staates, sei es aus Unfähigkeit oder Komplizenschaft, als Faktor hin, der Ungerechtigkeit und Ungleichheit aufrechterhält.


Dies sind einige der wichtigsten Botschaften, die das Buch "Se o grileiro vem, pedra vai" vermittelt. Das Werk bringt die Realität der Landbesetzung in Brasilien und deren Auswirkungen auf traditionelle Gemeinschaften ans Licht und betont die Notwendigkeit, dieses Problem anzugehen und die Rechte der betroffenen Bevölkerung zu gewährleisten.


《如果地契抵达,石头飞去》(2022年)是弗朗西斯科·奥克塔维奥·比滕孔尔特·德索萨的著作。该书探讨了巴西戈亚斯州卡隆加领土上的土地非法侵占问题,并传递了以下几个主要信息:

 《如果地契抵达,石头飞去》(2022年)是弗朗西斯科·奥克塔维奥·比滕孔尔特·德索萨的著作。该书探讨了巴西戈亚斯州卡隆加领土上的土地非法侵占问题,并传递了以下几个主要信息:


1. 土地冲突和社会不公:本书揭示了卡隆加领土上土地非法侵占的现实,并强调了这一冲突对当地社区的影响。它展示了非法土地占有如何损害金斯洛巴社群的权利,并使社会不平等得以延续。


2. 腐败和不受惩罚:作者揭示了包括公证处、公务员和其他参与者在内的腐败和不受惩罚网络的存在,这些网络促进了欺诈和土地非法侵占。这种不受惩罚有助于问题的持续存在,并否定了传统社群的权利。


3. 抵抗和土地争夺:本书强调了卡隆加社群在非法土地侵占的威胁下的抵抗精神。它展示了卡隆加人如何努力保护自己的生活方式、文化和土地权利,尽管面临种种困难和威胁。


4. 土地登记的重要性:作者强调土地登记对于卡隆加等传统社群的重要性,作为确保他们的权利和保护他们文化身份的手段。缺乏适当的产权证明有助于使这些社群在非法土地侵占面前更加脆弱。


5. 国家的责任:本书对国家在保护传统社群权利和解决土地侵占问题方面的责任提出了质疑。它指出国家的无为态度,无论是由于无能还是纵容,都是延续不公和不平等的因素。


这些是《如果地契抵达,石头飞去》这本书传达的一些主要信息。该作品揭示了巴西的土地非法侵占现实及其对传统社群的影响,突出了解决这一问题并确保受影响人群的权利的必要性。


sexta-feira, 21 de abril de 2023

Plano de aula: COSTA, Flávia Roberta. Turismo e Patrimônio Cultural: interpretação e qualificação. São Paulo: SENAC/SESC, 2009. Capítulo: O turismo cultural.

COSTA, Flávia Roberta. Turismo e Patrimônio Cultural: interpretação e qualificação. São Paulo: SENAC/SESC, 2009. Capítulo: O turismo cultural.


Na atualidade, há diversos motivos que levam os indivíduos a realizar uma viagem, e estes motivos determinam as tipologias turísticas mais populares. O ecoturismo e o turismo cultural, por exemplo, cresceram em popularidade a partir de 1980. Entretanto, o conceito de turismo cultural ainda é impreciso e deve levar em consideração as motivações dos participantes, as características do objeto e do público.


O turismo cultural pode ser compreendido como a visitação a recursos de origem cultural, como arqueologia, monumentos históricos, museus, santuários e lugares sagrados, assim como festas tradicionais como o carnaval, a festa de São João, a farra do boi e as congadas. Contudo, é importante observar visões distorcidas do turismo cultural, como a elitização da cultura ou a exotização.


Além disso, o turismo cultural pode ser uma ferramenta para o aprendizado cultural, permitindo aos visitantes experimentar outras práticas culturais, conceitos, hábitos e técnicas. Também pode ser uma ferramenta de aprendizagem, na qual o turista busca conhecimento e pesquisa sobre a cultura local.


O patrimônio cultural é o objeto central do turismo cultural, e pode ser compreendido de diferentes maneiras, como obras do homem, segundo a Unesco, ou como modos de criar, fazer e viver, segundo a Constituição Federal de 1988. Existem também subtipologias do turismo cultural, dependendo dos recursos disponíveis, mas nem todos os recursos são atrativos turísticos; isso depende de fatores como singularidade, atratividade e conservação.


O sujeito do turismo cultural é o turista, definido como aquele que pernoita fora de casa e utiliza recursos obtidos fora do local visitado. Ele é sensível à informação recebida e consome produtos culturais. Existem diferentes níveis de turismo cultural, desde o mais específico até o mais generalista, e a motivação do turista também varia. Geralmente, os turistas culturais são profissionais autônomos.


O objetivo do turismo cultural é educar o turista e conservar o patrimônio cultural. Através do turismo cultural, é possível propiciar experiências que deem origem a um processo educativo do visitante, além de contribuir para a conservação do patrimônio cultural, como resposta ao turismo de massa. O turismo cultural também pode gerar renda para a conservação do patrimônio.


A oferta e a organização do turismo cultural podem variar desde a profusão de roteiros baseados na repetição de atrativos até a exploração da interatividade, experimentação e protagonismo dos participantes, proporcionando uma experiência vivencial ao turista.


Plano de aula


Dinâmica inicial


Storytelling: Divida a turma em grupos e peça que cada grupo escolha uma foto e crie uma descrição de um atrativo cultural vinculado a um dos núcleos do texto. Peça que os grupos pensem em ideias para vender o atrativo, com base nas informações do texto (motivações dos participantes, as características do objeto e do público, explorar interatividade, experimentação e protagonismo dos participantes). Peça que eles criem uma história envolvendo o atrativo cultural e que inclua elementos culturais da região. A foto deverá ser projetada para a turma. Eles devem contar a história para a turma usando a foto como apoio visual.


I. Introdução (5 minutos)


Apresentação do tema: O que é turismo cultural e qual sua importância

Contextualização histórica: O crescimento do turismo cultural desde 1980


II. Tipologias turísticas (10 minutos)


Explicação sobre os diferentes motivos que levam os indivíduos a realizar uma viagem

Apresentação das tipologias turísticas mais populares, como o ecoturismo e o turismo cultural


III. O conceito de turismo cultural (20 minutos)


Definição de turismo cultural e seus principais objetos

As diferentes visões do turismo cultural: elitização da cultura e exotização

A importância de levar em consideração as motivações dos participantes, as características do objeto e do público


IV. Patrimônio cultural (20 minutos)


O patrimônio cultural como objeto central do turismo cultural

Diferentes formas de compreender o patrimônio cultural: obras do homem e modos de criar, fazer e viver

Subtipologias do turismo cultural e fatores que tornam um recurso atrativo turisticamente


V. Sujeito do turismo cultural (15 minutos)


Definição de turista cultural e suas principais características

Diferentes níveis de turismo cultural e variação na motivação do turista

Quem são os turistas culturais


VI. Objetivos do turismo cultural (15 minutos)


Educação do turista: como o turismo cultural pode ser uma ferramenta para o aprendizado cultural e a busca por conhecimento

Conservação do patrimônio cultural: como o turismo cultural pode contribuir para a conservação do patrimônio cultural e a resposta ao turismo de massa

Geração de renda para a conservação do patrimônio


VII. Oferta e organização do turismo cultural (15 minutos)


Variação na oferta e organização do turismo cultural

Desde roteiros baseados na repetição de atrativos até a exploração da interatividade, experimentação e protagonismo dos participantes


VIII. Conclusão (5 minutos)


Recapitulação dos principais pontos abordados

Importância do turismo cultural para a educação, conservação do patrimônio e geração de renda


quinta-feira, 13 de abril de 2023

Se o grileiro vem, pedra vai: redes de solidariedade e suborno na Fazenda Bonito, território Kalunga

Se o grileiro vem, pedra vai: 

redes de solidariedade e suborno na Fazenda Bonito, território Kalunga


Francisco Octávio Bittencourt de Sousa


Resumo: Esse é um trabalho sobre o processo de grilagem de terras no território do Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga (SHPCK), no nordeste goiano. A história contada aqui ainda está tendo desdobramentos, tornando necessário retificações futuras. O leitor encontrará nas páginas que seguem uma narrativa que se confunde com o realismo mágico latino, contada a partir das experiências de um jovem universitário branco que reconhece os privilégios trazidos por essa cor de pele. Meu objetivo é olhar para esse processo por um prisma antropológico; narrar com precisão todo o caminho que percorri; descrevendo com minúcia os indícios de grilagem encontrados nos processos analisados, as incursões a campo, as horas de entrevistas etc. Apesar de um recorte espacial pequeno - cerca de 38 mil hectares que compõem a Fazenda Bonito - os fatos aqui registrados refletem a afirmação de que a história brasileira é, na realidade, uma história de luta pela terra. Esse não é um texto neutro. A pesquisa foi ferramenta para garantir que toda a área da Fazenda Bonito seja reconhecida como patrimônio da comunidade Kalunga. 

Palavras-chave: grilagem; redes de solidariedade e suborno; modos de vida; quilombo Kalunga.


Apresentação

Esse texto é um dos produtos da pesquisa que comecei ainda em 2020, quando decidi que o meu tema seria grilagem de terras. A história contada aqui ainda está tendo desdobramentos, tornando necessário retificações futuras. Esse é um trabalho sobre o processo de grilagem de terras no território do Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga (SHPCK), no nordeste goiano. O leitor encontrará nas páginas que seguem uma narrativa que se confunde com o realismo mágico latino, em que mortos negociam terras, operam milagres, encontram irmãos que nunca existiram etc, contada a partir das experiências de um jovem universitário branco que reconhece os privilégios trazidos por essa cor de pele. 

Meu objetivo é olhar para esse processo por um prisma antropológico; narrar com precisão todo o caminho que percorri até o momento, descrevendo com minúcia os indícios de grilagem encontrados nos processos analisados, as incursões a campo, as horas de entrevistas etc. Apesar de um recorte espacial pequeno - cerca de 38 mil hectares que compõem a Fazenda Bonito - os fatos aqui registrados refletem a afirmação de que a história brasileira é, na realidade, uma história de luta pela terra.  

Fui acusado diversas vezes de ter uma escrita “militante”, então adianto logo: esse também não é um texto neutro, nem almejo qualquer neutralidade. A pesquisa foi ferramenta para garantir que toda a área da Fazenda Bonito seja reconhecida como patrimônio da comunidade Kalunga. Como ensina Abdias do Nascimento (2002, p.310):

A chamada "neutralidade científica" funciona como máscara para o preconceito eurocêntrico exatamente como o chamado "universalismo" tem sido um disfarce para a imposição do sistema de valores europeus sobre outros povos do mundo. Mais ainda, diante dos povos dominados nenhum observador pode manter-se inteiramente neutro. Seus estudos e conclusões serão utilizados para intervir de alguma forma sobre a experiência de dominação. O estudioso, então, contribui ou para prolongar a dominação ou para adiantar o processo de libertação


Me aproximei da comunidade e fiz amigos no campo; me indignei quando as invasões voltaram a ocorrer no território; criei laços que vão além da escrita de um trabalho acadêmico. Pude colocar em prática tudo que aprendi na universidade e a "militância" da minha escrita parece não ter prejudicado os resultados, dado que produtos dessa pesquisa foram validados por técnicos do Ministério Público Federal (MPF).


Introdução

A terra é, provavelmente, o segundo fator mais importante nos estudos do campesinato, ficando atrás somente do próprio camponês. É a terra que permite a reprodução (social e biológica) do camponês. Entre os Kalunga de Goiás (chamados de "povo da terra" por Mari Baiocchi (1999)), é comum ouvir a expressão "nasci, fui criado e criei nessa terra".

Analisando a história brasileira, vemos que há um contínuo embate pela terra (CUNHA, 2012; DIAS, 2019; MOTTA, 2012). Desde a colonização povos indígenas foram oprimidos, perseguidos e expulsos das terras que ocupavam. Isso quando não impunham resistência e eram caçados e mortos. As justificativas eram as mais diversas: desde uma forma "inapropriada" - na concepção dos colonizadores - de lidar com a terra, até o "atraso da civilização" (GUIMARÃES, 2009). Essa parcela “indesejada” da população constitui o que Alberto Passos Guimarães (2009) classificou como “intrusos”: indígenas, negros e pobres, que não se dobraram diante das condições opressivas instituidas na colonização e revalidadas nos regimes administrativos seguintes. 

“Intrusos”, “indesejados”, “vadios”, “preguiçosos”: as pessoas que receberam essa classificação demoraram a ter a atenção devida dos pesquisadores, mas, na realidade, constituíram importante instrumento de luta contra o latifundiário desde a segunda metade do século XVIII e por todo o século XIX (GUIMARÃES, 2009, p.54).

Com seus modos de vida particulares criaram brechas entre as frentes de expansão capitalista no campo; ainda mais no Brasil, onde nunca houve uma adequada partilha de terras. Porém, a ética cristã (e, posteriormente, a capitalista na sua expressão jurídica) passou a exigir justificativas para perseguições e massacres. Dentro dos meios jurídicos, dominados pelos colonizadores, surgiram classificações para a propriedade (coletiva e individual; latifúndio de produção, de proporção, produtivo, improdutivo; minifúndio etc.) e para os “intrusos” da terra (posseiros, colonos, camponeses pobres etc.)  (CUNHA, 2012; DIAS, 2019; MATTEI & NADER, 2013; GUIMARÃES, 2009). 

O caso da Fazenda Bonito ilustra essas afirmações. Não é uma coincidência que a grilagem afete o território e o povo Kalunga. Localizado “entre vãos e serras, cobertos por um céu de azul celeste, límpido e profundo, e emoldurado pela beleza sutil dos Cerrados nas margens do rio Paranã, desenvolveu-se um pedaço da África” (DIAS, 2019, p.52), o imóvel é habitado atualmente por mais de 100 famílias quilombolas, possui dezenas de nascentes, e riquíssimas reservas minerais sob a vegetação em que predomina o cerrado denso e o cerrado típico. A ausência de documentos por se tratar de uma ocupação quilombola e a morosidade do poder público em dar fim ao problema, titulando a comunidade, são portas abertas para mais e mais fraudes. Há aqui toda sorte de esquemas. Estima-se que para cada hectare da área total existam 4 fraudados.

A antropologia nos possibilita analisar esse processo verticalmente, observando - para além dos documentos - o que está sob e sobre a terra. Depois de realizar uma substantiva análise bibliográfica, percebi que o que se repetia nos processos de grilagem era a atuação conjunta de diferentes autores, formando uma rede que Motta (2001;2005) chamou de “rede de solidariedade e suborno”, congregando grupos econômicos, testas-de-ferro, servidores, aliados, bate-paus etc. Por influência de Guilherme Moura e Guilherme Sá, passei a observar que essas redes transcendem os humanos, incluindo por vezes mortos, animais, maquinário agrícola, agrotóxicos, brechas em legislações, eventos atmosféricos, o fogo etc; inúmeros elementos que fazem fazer como resultado da captura de noções de mundo, ou seja, mesmo quando deslocados do ambiente para o qual foram desenvolvidos – e talvez principalmente nessas situações – esses objetos continuam agindo, vão aglutinando formas de agir e relações em contato com outros meios. Dessa forma, abre-se espaço para pensar a grilagem verticalmente, alocando os processos no espaço em disputa.

O presente trabalho é resultado de dois anos entre revisão bibliográfica e pesquisa de campo. O ano de 2020 foi voltado para leituras, para conhecer os "clássicos" da grilagem e pela busca de um local para desenvolver a pesquisa. O segundo ano foi voltado para o trabalho de campo com a comunidade Kalunga. Foram analisadas mais de 18 mil páginas de processos e documentos diversos, centenas de documentos em arquivos históricos e paroquiais, dezenas de pedidos de informação, relatórios de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) e Comissões Parlamentares Mistas de Inquérito (CPMIs) e mais de 30 horas de entrevistas com membros da comunidade e externos, originando alguns produtos como estudos para a Associação Quilombo Kalunga (AQK), notas técnicas, relatórios diversos, reportagens, publicações e participação em eventos acadêmicos.

Com essa variedade de fontes, esse trabalho almeja desvendar parcela das práticas de grilagem no nordeste goiano, expondo elementos dessa rede de solidariedade e suborno que, apesar de dinâmica e flexível, apresenta fragilidades que só não são vistas por uma enorme suspensão de realidade. Nem todos os nomes citados são reais. Algumas fontes importantes pediram para que não fossem citadas em nenhum produto da pesquisa, pedido que fará cada vez mais sentido conforme a trama criada em Cavalcante for revelada. 


Nova filosofia, religião ou epidemia

Conceito chave desse texto, grilagem é um processo fraudulento de aquisição de terras públicas ou particulares (SOARES, 1995, p.66) com dimensão secular e arraigada – compreendendo mecanismo comum entre grandes latifundiários de expansão de suas propriedades – em sua definição de grilagem, caracterizando-a dentro de redes de solidariedade e suborno (MOTTA, 2005) que atuam contra a nação, assumindo historicamente o fundamento da propriedade privada no Brasil; por meio do qual criou-se a possibilidade de latifundiários expandirem sua propriedade indefinidamente. 

Nessa mesma linha de constituição de uma rede, Prieto (2020) aponta para as relações sociais, econômicas e políticas que estão na base da grilagem, motivando a aliança entre grandes proprietários de terra e proprietários do capital. Perspectiva similar à de Devisate (2017), que escreve sobre a amplitude do universo da grilagem, se tornando até mesmo uma ameaça ao meio ambiente e à soberania nacional, pois ela é expressão moderna do desenvolvimento capitalista brasileiro que submeteu a terra à superexploração e os povos que as ocupavam à perseguição constante, evidenciando uma forma própria de relação com o meio ambiente. 

No Livro Branco da Grilagem (INCRA, 1999) ressalta-se o conluio e a conivência de parte do poder público com o roubo de terras, sendo impossível falar de grilagem sem falar do papel que os órgãos de gestão do patrimônio público e do judiciário exercem para o sucesso da fraude de maneira direta (participando ativamente da cadeia operatória da grilagem) ou indireta (se ausentando do papel fiscalizatório ou perpetuando brechas institucionais). 

Outros autores têm apontado para a continuidade e expansão dessa rede de solidariedade e suborno, posto que comporta cada vez mais categorias genéricas, como: empreendedores rurais, madeireiros, criadores de gado e especuladores agrários, em sua maioria, latifundiários que, voltados para o mercado internacional, que tem sofisticado os métodos de obtenção ilegal de terras (ROCHA, 2015; GREENPEACE, 200?; MELO, 2006; FELLET, 2021).

Adentrando nessas redes de solidariedade e suborno, é preciso compreender que o “não agir”, a conivência ou a famosa “vista grossa”, também constituem – para esse autor – uma forma de agência, principalmente de órgãos públicos, que possibilita a fraude grileira. Não há inocência nesse processo, posto que os interesses dos atores do setor público se confundem com os interesses privados, mesmo porque por vezes esses atores são as mesmas pessoas (SERRA, 2019). Fajardo (1988) aponta a idêntica atuação – de omissão ou conivência – dos órgãos que deveriam apurar, julgar e punir os criminosos como tônica comum entre os inúmeros casos de conflito no campo. Linhares e Silva (1999) complementam a análise somando o calote bilionário dado anualmente, que hoje (2021) já alcança um terço do PIB brasileiro:

ao mesmo tempo que se fecha os olhos à violência e aos crimes dos grandes proprietários, que agora se autodenominam "agraristas" e, longe de serem molestados em suas práticas já multisseculares de quem não aceita qualquer limite a seus poderes informais, pelo contrário vêem também legalizado o seu calote bilionário (p.IX)


Considerando os atores do processo de grilagem, em especial servidores do poder público que atuam na “legalização do ilegal”, é possível notar uma aproximação entre a grilagem e a “pilhagem” da qual fala Mattei e Nader (2013). Os dois fenômenos têm por característica o uso da lei para justificar, administrar e sancionar enormes disparidades, locais e globais. Em sua obra, os autores analisam como a ideologia ocidental implícita nas normas jurídicas servem, com frequência, para camuflar a tomada de terra, água, minerais e força de trabalho de nativos e marginalizados (MATTEI & NADER, 2013, p.13), cujo melhor resumo dos efeitos práticos de tal postura é dado por Antônio Bispo dos Santos (2015, p.76):

Do que todas essas comunidades são acusadas? De serem povos atrasados, improdutivos e sem cultura, portanto, um empecilho ao avanço e ao desenvolvimento da integridade moral, social e econômica e cultural dos colonizadores. O que podemos perceber é que essas comunidades continuam sendo atacadas pelos colonizadores que se utilizam de armas com poder de destruição ainda mais sofisticado, numa correlação de forças perversamente desigual. Só que hoje, os colonizadores, ao invés de se denominarem Império Ultramarino, denominam a sua organização de Estado Democrático de Direito e não apenas queimam, mas também inundam, implodem, trituram, soterram, reviram com suas máquinas de terraplanagem tudo aquilo que é fundamental para a existência das nossas comunidades, ou seja, os nossos territórios e todos os símbolos e significações dos nossos modos de vida.


As reflexões desses autores nos possibilitam pensar que a ideia tradicional da grilagem feita através dos “títulos pena”, criação de herdeiros de sesmarias, criação de cadeias dominiais mediante corrupção de cartório e do poder judiciário etc. (BRASIL, 2002; ASSELIN, 1982; DEVISATE, 2017) já não é mais suficiente para a análise do processo. É preciso verticalizar a análise da grilagem pensando que a área alvo deste crime não é apenas um número em metros quadrados ou alqueires, obtido da análise em duas dimensões. É necessário olhar o processo em pelo menos três dimensões para enxergar o que e quem ocupa essa área, o que está sobre a terra (madeira, espécies endógenas, tradições, técnicas etc.) e sob ela (água, minérios, fertilidade etc.). 


A grande propriedade resiste

O historiador francês François Chealier destaca [...] uma característica básica do conjunto do mundo agrário latino-americano: a grande propriedade resiste, se adapta ou se afirma em qualquer que seja a conjuntura (LINHARES & SILVA, 1999, p.55).

Antes da Lei de Terras de 1850, o processo de grilagem girava entorno das sesmarias, sendo registrados diversos métodos criminosos de obtenção de terras a exemplo de posse de múltiplas sesmarias (por vezes em conluio com “testas de ferro”); caça e assassinato de indígenas com posterior ocupação das suas terras; o poder de poucas famílias sobre o aparato jurídico, acabando por legitimar a grilagem utilizando "interpretações criativas" das leis; doação e transmissão por herança de terras; entre outros (NOZOE, 2006; MOTTA, 2004; PINTO, 2011, PUNTONI, 1999; PESSOA, 2003; MOTTA, 2012; CUNHA, 2012; PRIETO, 2020). 

A Lei de Terras de 1850, como afirma Prieto (2020), foi o primeiro marco jurídico nacionalizado da legalização da grilagem de terras no Brasil, atropelando nativos e outras populações locais com métodos alternativos de uso da terra.

A ausência de discussão sobre o termo “terras públicas” abriu brecha para o surgimento de uma rede de solidariedade que tinha por objetivo a falsificação de títulos legitimados por escrivães mediante suborno. Era sabido que o poder central do Império não tinha capacidade para fiscalizar o processo de ocupação de terras e, com o aparato militar nas mãos dos grandes proprietários, era comum o aumento da fronteira das propriedades por meio de violência. O método mais comum era a falsificação de títulos - por meio do afamado método dos grilos ou urina de equinos – já que os registros eram precários e a fiscalização possuía baixíssima eficácia (SILVA, 1997; MARTINS,1996; PRIETO, 2020). 

Junto com a Lei de Terras de 1850, a tentativa de regularização de terras através dos "registros do vigário" ou “registros paroquiais” em 1854 inaugurou mais uma forma de legalização de grilos, abrindo a possibilidade de proprietários estenderem, nas declarações paroquiais, o quanto quisessem suas propriedades. A precariedade dos registros e dos mapas foi assinalada no mesmo século, inaugurando a grilagem por meio de "medições fantásticas" reforçada pelo descaso do Estado ao fingir ignorar o que ocorria, não tomando, com isso, medidas cabíveis para dar fim a esse estado de coisas, revelado nas constantes ilegalidades frente às áreas devolutas e na decorrente violência contra os camponeses (BORGES, 2009).

O período de decadência do Império e ascensão da República é marcado por negociatas com a elite de grandes proprietários, forjando o novo regime sob o pilar da concentração de terras. Foram enormes os passos dados rumo a consolidação da grilagem como principal ferramenta de aquisição de terras no país em que a argamassa que unia a elite nacional, como reconhecido por Linhares e Silva (1999, p. 92-93) era a oposição a qualquer forma de propriedade alternativa da terra, como a terra comunal ou as terras ditas de "santo" ou "de negros":

Entretanto, nem todo o poderio político do latifúndio conseguiu impedir o surgimento de bolsões de resistência e que estouraram em guerras abertas pelo país, a exemplo de Canudos e Contestado, como bem nos lembra Antônio Bispo dos Santos (2015, p.50):

Com a promulgação da primeira constituição republicana, em 24 de fevereiro de 1891, todos os analfabetos, em sua imensa maioria negros e índios, perderam o direito ao voto e o direito de serem eleitos, assim como também foram cerceados o direito de falarmos as nossas línguas, de praticarmos os nossos cultos, de festejarmos, etc., criminalizando e/ ou impondo uma série de dificuldades para mantermos vivos todos os símbolos e as significações dos nossos modos de vida. Tamanha foi a opressão sofrida nesses tempos que durante todo o período republicano (1889-1930), assistimos no Brasil a eclosão de inúmeros conflitos e rebeliões, inclusive no interior da própria organização político-social dos colonizadores como, por exemplo, a Revolta da Chibata (1910), a Revolta dos Tenentes (1922) e a Revolta de 1924 que se desdobrou na Coluna Prestes. 


Como nos lembra Clovis Moura (2020, p.110): “não é por acaso que logo depois da proclamação da República cria-se a Lei da Vadiagem para agir como elemento de repressão e controle social contra essa grande franja marginalizada de negros e não brancos em geral” e que persiste e é reforçada no próximo regime.

O Golpe de 1930, que deu fim a Primeira República, e o governo provisório instaurado em 1931 inaugura uma nova rodada de legalização da grilagem. É interessante destacar que Getúlio Vargas conseguiu "renovar" os agentes da grilagem com os interventores locais, substituindo integrantes das redes de solidariedade e suborno já estabelecidas: “tratava-se uma guerra surda entre os velhos setores agrários do país e as novas idéias autoritário-modernizantes” (LINHARES & SILVA, 1999, p.127).

Esse também é o período da expansão dos incentivos fiscais e da criação de megaprojetos de infraestrutura, promovendo uma supervalorização da terra e incentivando a grilagem, que seguia perseguindo e assassinando posseiros e povos nativos, garantindo ao governo Vargas mais uma dubiedade: ao passo que “os soldados brasileiros foram enviados para a Europa para combater o holocausto do povo judeu, [...] no Brasil a sua força era utilizada para promover a expropriação territorial e o genocídio das populações tradicionais que aqui residiam” (SANTOS, 2015, p.51).

Com a queda de Vargas, em 1945, o equilíbrio de forças precário que fora estabelecido anteriormente ruiu. As velhas oligarquias agrárias foram implacáveis contra a intervenção estatal no campo. Entretanto, não se pode tirar de Vargas e dos demais governos desenvolvimentistas pré-Ditadura Militar a popularização da questão agrária. Nota-se esse fato com o sucesso de obras como Menino de engenho, de José Lins do Rego; Vidas Secas de Graciliano Ramos; Sinhá-moça, dirigido por Tom Payne e Oswaldo Sampaio; entre outros (LINHARES & SILVA, 1999).

Todas as investidas federais contra a estrutura fundiária instalada na quarta república encontravam forte resistência no Congresso Federal. Especialmente no governo Goulart, era grande o temor da extensão de direitos trabalhistas e sociais aos assalariados do campo, fazendo uma junção entre os grupos urbanos rurais que lutavam pelas chamadas reformas de base. Essa medida e outras mais que viriam conforme crescia a pressão por reformas sociais, como o projeto de reforma agrária, culminaram na crise de 1964.

Com o Golpe Militar de 1964, o processo de grilagem virou rotina e passou a ter o Estado como seu maior contribuinte (PRIETO, 2020). Temendo os contingentes cada vez maiores de insatisfeitos no campo

O Estatuto da Terra [criado meses após o golpe, em novembro de 1964] surgia exatamente como o reconhecimento pela ditadura de uma questão agrária no país ou, como já foi dito, como o reconhecimento de um longo processo de lutas sociais e políticas. Entretanto, a própria interpretação do Estatuto da Terra foi feita de tal forma que se possibilitou que o processo de resolução da questão agrária, tal qual imaginava-se naquele momento, fosse montado sobre a idéia-chave de modernização do latifúndio. Tal associação, estreitíssima, entre propriedade da terra, bancos e grande capital (no mais, multinacional) abria caminho para a industrialização do campo, a formação dos CAIs e a indiferenciação campo/cidade [atropelando os pequenos camponeses e excluindo do debate comunidades tradicionais] (LINHARES & SILVA, 1999, p.186-187) 


A grilagem se tornou, escancaradamente, a principal modalidade de aquisição de terras no País. Foi um período de aumento do fluxo do capital internacional, incentivando a grilagem de terras com venda garantida a estrangeiros, com conhecimento e participação de membros do poder público, consagrando as redes de solidariedade compostas por grileiros, empresários, funcionários públicos e capital internacional; a exemplo do Bradesco no caso das terras dos Avá Canoeiro, da Tellus S/A no Matopiba, da C. R. Almeida no Pará, da Celestial Green Venture e comunidades amazonenses etc. 

O enfraquecimento do regime militar e o retorno do regime democrático trouxeram à tona a extrema violência que compôs o repertório de técnicas da grilagem no período, com ampla repercussão nos governos que sucederam o período ditatorial. Entretanto, apesar dos crimes cometidos em parceria com o Estado, os senhores do latifúndio ainda seguiam influentes no meio político

Ao mesmo tempo que a Constituição de 1988 criou os mecanismos necessários para se proceder a uma grande reforma agrária no país (definia claramente a desapropriação de terras por motivos sociais e o pagamento das terras com títulos da dívida pública), o próprio presidente da República capitaneava uma ampla frente conservadora, o centrão, de bloqueio a qualquer mudança estrutural da sociedade brasileira (LINHARES & SILVA, 1999, p.196)


A pressão por reformas sociais seguia aumentando. Mais organizados, os trabalhadores rurais, agora assessorados por advogados e parlamentares, passaram a exigir de pecuaristas e madeireiras, na justiça, a apresentação dos títulos que dariam direito às expropriações dos posseiros. De acordo com Linhares e Silva (1999) a resposta veio rápida; por todo o país, “jagunços assassinavam líderes sindicais, advogados e padres envolvidos na defesa dos sem-terra”. (p.196-197). 

As denúncias foram tão assustadoras que o período seguinte foi marcado por uma série de iniciativas de combate à grilagem, a exemplos das diversas CPI’s que trataram direta ou indiretamente do assunto (CPI da ocupação de terras públicas na região amazônica (2002), CPMI da Terra (os dois relatórios de 2005), CPI do Extermínio no Nordeste (2005) e CPI da Biopirataria (2006)) e da publicação do Livro Branco da Grilagem (INCRA, 1999). 

Já nos anos 2000, sob o avanço do neoliberalismo em terras latinoamericanas, a grilagem recebeu novo incentivo – desde que enquadrada no amplo espectro da “posse mansa e pacífica” – com a certeza da regularização das terras. Sob o governo Lula, o Programa Terra Legal, criado em 2009, premiou a grilagem com a igualização jurídica de grileiros e posseiros.

Parcelando as terras em frações correspondentes aos limites legais, o grileiro conseguia o título da terra. Tal programa marcou a contrarreforma agrária ocorrida nos governos petistas (e continuada com o Golpe de 2016 e a ascensão da extrema direita neofacista), que transferiu “terra, patrimônio público, para grileiros e/ou grandes proprietários (e seus laranjas), colaborando para expansão do domínio do agronegócio no Brasil e fundamentalmente para a especulação fundiária e suas estratégias de extração de renda fundiária” (PRIETO, 2020, p.160) e possibilitou a criação de medidas provisórias, decretos, projetos de leis e leis – a exemplo Medida Provisória (MP) 759/2016 transformada na Lei n. 13.465/2017, da MP 910/2019 que caducou, mas acabou transmutada no PL 2633/2020 – com o objetivo de anistiar grileiros (OLIVEIRA, 2020; PRIETO, 2020).

A novidade nesse ínterim foi a possibilidade da grilagem verde, utilizando mecanismos que serviriam para regularização ambiental. O Cadastro Ambiental Rural (CAR) inaugurou uma nova modalidade de grilagem que pode ser praticada com menos intermediários e de dentro de casa, posto que é digital e autodeclaratório. 

O Cadastro Ambiental Rural foi um mecanismo instituído pela lei 12.651/2012. Concebido como mecanismo de regularização ambiental, acabou se tornando instrumento da grilagem na medida em que passou a servir como comprovante de posse que muitos invasores usam para reivindicar as áreas griladas e colocá-las à venda, tentando dar aspecto de legalidade às transações (FELLET, 2021; OLIVEIRA, 2020).  

Ligada à presunção da fiscalização da apresentação de comprovação da propriedade ou posse (note a quantidade de ações) na rede de relações práticas, o CAR autonomizou-se, se tornando ferramenta de grilagem. Unindo os programas, benefícios e autorizações ligados ao CAR com a aceitação como prova de propriedade, o resultado é que o registro está sendo utilizado como regularização prévia de interesses do latifundiário, ou seja, um tipo de acordo para negociar terra, soja ou gado, ou para possibilitar acesso a financiamentos públicos e privados em áreas rurais, aquecendo atividades econômicas e a especulação imobiliária rural, formando verdadeiras redes de solidariedade e acelerando processos de expulsão de povos tradicionais de seus territórios (OLIVEIRA, 2020; Redação RBA, 2020; DALLABRIDA & FERNANDES, 2020).

Hoje diversos procedimentos de regularização fundiária utilizam o CAR como forma de comprovação de posse, o que demonstra a autonomização para além do simples desvio, se tornando regra que propicia a fraude. O cadastro garantiu apenas parte dos benefícios previstos no texto da lei, desburocratizando a regularização ambiental ao passo que criava um banco de dados de produtores rurais sem avançar na mesma intensidade para comunidades tradicionais (a exemplo da já citada exigência de uma “área líquida” para as comunidades tradicionais). Pelo contrário: o que se assiste é, em alguma medida, a flexibilização para o primeiro grupo e a criação de entraves para o segundo. As comunidades, apesar de possuírem um módulo específico dentro do cadastro, não obtiveram benefícios com a regularização ambiental e se viram cada vez mais à mercê de conflitos socioespaciais. 

Atualmente, a grilagem tem se fortalecido com o anúncio de terras roubadas na Internet, expandindo a rede de solidariedade. Não é raro que se encontre em oferta terras “aguardando titulação” ou “com registro no CAR” à venda. Quando a transferência é efetivada, o grileiro tem a chance de se distanciar da fraude, "passando o problema adiante". Para tanto, não é raro que a área grilada seja fragmentada e vendida para diversos compradores, aumentando o lucro do grileiro e encobrindo a fraude. 

Nos aproximando mais do recorte espacial desta monografia, desde as pesquisas realizadas por Mari de Nasaré Baiocchi (1999), é sabido que as terras dos Kalunga começaram a ser griladas em 1942, quando se iniciou a expansão para o norte do estado de Goiás. A grilagem teria se aprofundado na década de 60, após a mudança da capital para Brasília, que fica a cerca de 300km do território tradicional Kalunga. Nas décadas seguintes, mais de duas dezenas de mineradoras, empresas agrícolas, pastoris e hidrelétricas (algumas citadas mais a frente no texto) também se apossaram de partes do território Kalunga. 

As demandas dos Kalungas por seu território começam apenas em 1975, quase 30 anos depois do início do avanço da grilagem sobre o território. Neste ano, os Kalungas foram até o IDAGO (Instituto de Desenvolvimento Agrário de Goiás), em Goiânia, para fazer o primeiro requerimento de propriedade das terras que eles habitavam. A demanda dos Kalunga pelo reconhecimento do seu direito à propriedade das terras e consequente proteção do seu património cultural baseava-se na ancestralidade da propriedade e na afirmação da importância de preservar e proteger as comunidades tradicionais do Brasil. Até então, a preocupação normativa para com a proteção de espaços territoriais quilombolas era inexistente. Esta luta se intensificou com a chegada de Mari Baiocchi e sua equipe. Começava então a coleta de informações que resultou na primeira leva de publicações acadêmicas sobre grilagem do território Kalunga nos anos 90 (SOARES, 1995; MARTINS, 1997; SOUZA, 1997).

Durante a segunda rodada de entrevistas, entre setembro e novembro de 2021, em uma noite de chuva forte em Teresina de Goiás ouvi um dos relatos mais pesados associados ao tema. Estava reunido com representantes de três gerações da família Santos Rosa tentando rastrear os primeiros ocupantes das terras da Bonito. Dona Davina e Dona Bernardina estavam receosas em conversar conosco. Foi a intervenção de Ismail, filho de Davina, que possibilitou a conversa: “eles estão fazendo esse estudo para que não aconteça com o pessoal do Prata o que aconteceu com a gente”. Perguntei o que havia acontecido com a família e foi narrada a três vozes a guerra que aconteceu na zona rural de Teresina, território Kalunga, entre os anos 70 e 80.

A família vivia no campo, criando gado e plantando, até a chegada dos “gaúchos”. Vieram bem armados e em veículos, elemento novo para o lugar. Alegaram que as terras eram deles e que as famílias iriam sair por bem ou por mal. Instauraram um verdadeiro regime de terror, tornando comum a perseguição, tortura e assassinatos. Dona Davina narra que perdeu o esposo e um filho no período, assassinados na frente da família. Os gaúchos chegaram no entardecer e chamaram o esposo e o filho mais velho, conhecidos por impor resistência aos desmandos dos estranhos. O esposo de Davina negou ajoelhar-se na frente dos opressores dizendo que só se ajoelhava pelo seu senhor Jesus. Pai e filho foram executados a tiros na frente da família. Além das execuções, a família contou histórias de degolas e de pessoas que eram amarradas na “rural” (modelo de veículo) e puxadas por quilômetros nas estradas de terra. O regime de terror imposto pelos invasores só terminou quando assassinaram o filho de um dos comandantes de polícia de Goiás. Ismail recorda que depois desse assassinato não demorou para que chegassem batalhões inteiros em Teresina. O leitor não pense que os grileiros acabaram presos. A resposta militar veio na mesma moeda. O último dos gaúchos tinha por nome Divaldo Aquimédio. 

Relatos como esse nos dão uma dimensão do que a grilagem de terras representa na vida das pessoas. Apesar de extrapolar os limites da Fazenda Bonito, esse breve histórico é importante para cravar que a grilagem não ocorre apenas em um imóvel ou em uma região; pelo contrário, é parte relevante da história social brasileira. 

Pelo apresentado até então, já é possível distinguir ao menos dois impactos da grilagem: o econômico e o social. Para compreender o motivo pelo qual a grilagem coloca em risco também o patrimônio ambiental e cultural brasileiro é preciso observar a área alvo da fraude, analisando o que está sob e sobre a terra: as pessoas, as plantas, os animais, os costumes e saberes locais etc. A disputa pelas terras transcende o questão agrária, constituindo um embate cosmológico (de formas de ver, representar e interagir com o mundo), pois, como nos lembra Antônio Bispo dos Santos (2015, p. 41) na 

matriz afro-pindorâmica a terra, ao invés de ser amaldiçoada, é uma Deusa e as ervas não são daninhas. Como não existe o pecado, o que há é uma força vital que integra todas as coisas. As pessoas, ao invés de trabalhar, interagem com a natureza e o resultado dessa interação, por advir de relações com deusas e deuses materializados em elementos do universo, se concretizam em condições de vida.


O mesmo autor nos lembra da luta secular do povo negro pela manutenção de modos de vida alternativos 

É sabido que o povo da África, ao chegar ao Brasil, imediatamente se rebelou contra os colonizadores, deles escapando de várias maneiras: adentrando-se pelas matas virgens, reconstituindo os seus modos de vida em grupos comunitários contra colonizadores, formando comunidades em parceria com os povos nativos, em determinados casos organizados como nômades, outras vezes ocupando um território fixo. Para essas comunidades contra colonizadoras, a terra era (e continua sendo) de uso comum e o que nela se produzia era utilizado em benefício de todas as pessoas, de acordo com as necessidades de cada um, só sendo permitida a acumulação em prol da coletividade para abastecer os períodos de escassez provocados por irregularidades climáticas, guerras ou os longos períodos de festividades. (SANTOS, 2015, p.48)


Um exemplo dessas comunidade é o Quilombo Kalunga, originada do encontro negros revolucionários e população indígena, manteve-se apartada da sociedade que a oprimia por séculos (BAIOCCHI, 1999; DIAS, 2019). Os seus membros prosperaram pela força das tradições, impondo derrotas às investidas da modernidade e do estado que sempre teve inclinação favorável ao latifúndio (GUIMARÃES, 2009). 

No Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga (SHPCK), o povo Kalunga desenvolveu um modo de vida particular, contrário a dominância funcional capitalista (HAESBAERT, 2010), em que “o uso da terra deve ser implantado em prol de todos que nela trabalham de forma respeitosa, retirando desta, apenas, o necessário para a sua sobrevivência, não se importando com o acúmulo de riquezas, nem com títulos de propriedades” (DIAS, 2019, p.51).   

Não fosse esse modo alternativo de vida que identifica a comunidade e as próprias características do local, provavelmente não encontraríamos nos limites do território Kalunga uma das áreas de cerrado nativo mais preservado do país, de solo riquíssimo em minérios e de elevada taxa de nascentes por quilômetro quadrado. Além de uma orientação que prevaleceu por séculos voltada para a vida comunitária, existem ali técnicas de cultivo desenvolvidas ao longo dos anos, originadas de conhecimentos empíricos adquiridos pelos quilombolas através do trabalho nas roças; constatações que não ausentam a comunidade de contradições e conflitos internos, como veremos mais à frente. 

Na primeira vez que fui a campo, em setembro de 2021, terminava todas as entrevistas que fazia com a seguinte pergunta: “qual a primeira necessidade dos Kalunga nesse momento?”. Em todas as entrevistas, resultado que eu não esperava, a resposta era variações de regularização fundiária (desde "ajeitar os papéis da terra" até "pressionar o poder público para titular todo o território"). Esse fato me chamou especial atenção porque até as pessoas mais simples - como a Dona Antonia, que não tinham energia ou água encanada - colocaram como primeira necessidade a regularização fundiária. Me lembrei em especial das discussões nas aulas de Sociedades Camponesas a partir da leitura de Chayanov (1976), sobre como os parâmetros ocidentais não são aplicáveis para comunidades rurais.

Eu esperava respostas como "energia", "água encanada" ou "esgoto". Talvez casas de tijolos. Mas a primeira necessidade apontada por todos os entrevistados eram os papéis da terra. Essa pergunta tornava imperativo questionar quais os efeitos da grilagem e das invasões no dia a dia?

O resumo foi dado por um depoimento riquíssimo de uma das lideranças comunitárias mais combativas entre os quilombolas: Damião. Para responder à pergunta ele fez um comparativo entre a liberdade dos fazendeiros e a liberdade dos Kalunga. Enquanto os primeiros almejam continuar expandindo suas terras para plantar soja, a liberdade para os Kalunga estava na possibilidade de mobilidade dentro do território: o gado é criado solto, para que possa escolher a área que lhe forneça melhor nutrição, bem como as famílias, que - pela ausência de cercas - podem buscar o melhor lugar para abrir suas roças e, no limite, se mudar para uma nova área quando a atual já não lhe é suficiente.

Me lembrei especialmente de Otávio Velho, em “Capitalismo autoritário e campesinato” (2009a), quando afirma que a divisão territorial simbólica é preservada e permite que todos tenham abundância de víveres. O direito de ir e vir, o uso das águas, caçar e pescar não se proíbe a ninguém. A vida flui entre núcleos familiares, a propriedade em grupo. O trabalho em grupo propicia uma convivência que nada tem a ver com o individualismo e a solidão do Homo-urbi. 

Me parece, interpretando as respostas, que a primeira necessidade dos Kalunga é conquistar a liberdade. Baiocchi, ao mapear os significados da palavra “Kalunga” em “Kalunga: o povo da terra” (1999, p.41), destacou que um dos significados possíveis para o termo é a ideia de “um lugar sagrado que não pode pertencer a uma só pessoa ou família. É de todos prá’s horas de dificuldade”. Ou ainda, recordando o exemplo de Vercilene Dias (2019, p.16), quilombola da comunidade Kalunga de Goiás: “a luta pela regularização do território Kalunga se constitui, entre todas as lutas, a mais importante, pois, como costumamos dizer em nossas  reivindicações, quilombola sem-terra não tem vida”:

Olhando por esse prisma, cada ato realizado por essa parcela “indesejada” da população, do mais corriqueiro ao mais estupefaciente, do alimentar a criação a autodeclaração de TICCA, torna-se resistência. Até mesmo a escolha do local e a forma de se dispor no território, como pontuou Dias (2019), com casas distantes para caso houvesse invasão, os moradores pudessem entrar cada vez mais para o interior avisando os demais; e Edison Carneiro (2019, p.42), que constatou, ao pensar a formação dos quilombos, que a hostilidade da floresta os tornava “mais fortificados por natureza do que pudera ser por arte”. Tal fato nos dá uma dimensão da luta histórica empreendida pela comunidade; pioneira até mesmo na sua faceta institucional. 

Bárbara Oliveira Souza (2008, p.41) conecta a “descoberta” da comunidade Kalunga  um contexto histórico mais amplo, com influência até mesmo na Constituinte, que - como vimos anteriormente - foi marcada por embates políticos: 

A dimensão da invisibilidade, no período pós-abolição, é outro ponto importante do contexto que circunda as comunidades quilombolas. No imaginário nacional, quilombo é concebido como algo do passado que teria desaparecido do País com o término do sistema escravista. Essa dimensão de extinção é reforçada com a grande invisibilidade que impera sobre a questão quilombola no período pós abolição. Essa invisibilidade se espelha na realidade dos descendentes das comunidades quilombolas até recentemente: “Daí que a resistência negra dos descendentes de quilombos brasileiros deveu dar-se através do heróico, porque voluntariamente desumano, recurso da invisibilidade. Enquanto os índios, ainda que injustiçados, alcançam uma visibilidade no imaginário social, relativamente alta em termos de sua pequena presença demográfica atual, as comunidades negras rurais, igualmente submetidas a injustiças, tiveram que se tornar invisíveis, simbólica e socialmente, para sobreviver” (Carvalho, 1996: 46). No Brasil, a sobrevivência pela invisibilidade historicamente esteve presente. Exemplo disso é a “descoberta”, no início da década de 80, de uma comunidade negra, no meio do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, chamada Kalunga. 


Em 2000, como mais um passo rumo a regularização do território, a comunidade recebeu a certificação quilombola da Fundação Cultural Palmares, requisito prévio para o início dos trabalhos do INCRA na regularização fundiária (BAIOCCHI, 1999; DIAS, 2019). Em junho de 2002 o Congresso Nacional ratificou a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), instrumento internacional que trata dos direitos coletivos dos povos indígenas, estabelecendo padrões mínimos a serem seguidos pelos Estados, reconhecendo os elementos de auto-identificação e o roubo de terras, a grilagem, desde o domínio colonial, com os prejuízos causados pela expulsão e deslocamento a impostos a populações específicas e a luta secular dos que não se dobraram ao monopólio da terra, ao trabalho escravo, etc. 

Em 2004 foi celebrado o convênio entre o Estado de Goiás e a Agência Rural para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação, regularização, desobstrução e titulação das terras do SHPCK; convênio estendido posteriormente ao INCRA e a Fundação Palmares. 

Em 2009, houve o Decreto Presidencial de 20 de novembro, que declarou de interesse social, para fins de desapropriação, os imóveis abrangidos pelo “Território Quilombola Kalunga”, situado nos Municípios de Cavalcante, Terezina de Goiás e Monte Alegre de Goiás, Estado de Goiás. Mais recentemente, o SHPCK foi reconhecido oficialmente como um TICCA (Territórios Indígenas e Áreas Conservadas por Comunidades Locais) por um registro internacional que é hospedado pelo Centro Mundial de Monitoramento da Conservação (CMMC) do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Essa internacionalização tem impactos na forma com que os conflitos locais se desenrolam.

Apesar disso, atualmente - segundo dados de Dias (2019, p.66-67) -, somente 24.532,25 hectares do território contam com títulos definitivos; uma área de 6.220,56 hectares espera para indenização; 6.618,47 hectares estão ajuizados sem Contrato de Concessão de Direito Real de Uso (CCDRU) e 22.330,02 hectares com CCDRU. Há ainda uma área com a posse suspensa de 484.00 hectares; uma avaliada com área de 11.105,00 hectares; uma com CCDRU na Procuradoria Federal Especializada (PFE) com área de 225.05 hectares; uma de Projeto de Assentamento Federal (PA), que foi implementado na fazenda Diadema, em terra devoluta do Estado de Goiás, com área de 5.321,79 hectares; além das glebas devolutas com área de 64.016,37 hectares. 

Em recente atuação do Estado de Goiás, por meio do Despacho n.º 3.923/2018 da Procuradoria do Estado de Goiás, foi entregue no dia 6 de julho, pelo governo do Estado, escritura de Concessão de Direito Real de Uso de 75,2 mil hectares de terras ao então presidente da Associação Quilombo Kalunga (AQK), Vilmar Souza Costa, referente à Gleba Devoluta Moleque, com 3.682,5639 hectares, Gleba Vão das Almas, com 57.343,4438 hectares,e à Reserva Biológica Serra da Contenda I, com 14.207,0000 hectares (DIAS, 2019, p.66-67).  Na tentativa de solucionar as questões conflituosas dentro da Comunidade Kalunga, o INCRA intenta emitir o título de forma coletiva em nome da Associação Quilombo Kalunga (AQK). A ausência da titulação definitiva tem ocasionado, a décadas, uma série de conflitos tanto em terras devolutas quanto privadas. 

Souza (2018) chama atenção para os frequentes episódios enfrentados pelos Kalunga, desde invasões de suas terras por novos personagens, roças e casas ora queimadas e/ou derrubadas por tratores até visitas constantes de policiais com mandados judiciais expedidos por delegados e outras autoridades do poder público local; criando um ambiente que incentiva a reprodução dos modos de produção ocidentais, com o uso intensivo das paisagens vegetais e de agroquímicos. E o mesmo autor destaca que o modo de vida, de produção e a agrobiodiversidade local garantiram o sustento alimentar de muitas famílias kalungas durante as invasões das terras. 

Sendo assim, o modo de cultivo dos seus alimentos, os conhecidos roçados, ou roças de toco, por meio do qual cultivam arroz, milho, feijão, gergelim e mandioca da qual sempre fizeram farinha; torna-se também método de resistência: como disse dona Clarina, moradora da beira do Paranã: “Na terra nós nasceu, na terra nós vive, na terra nós morre, a terra nós deixa. Nós não pode vender terra”. 


O grilo "Fazenda Bonito"

É difícil mensurar a dimensão da fraude da Bonito. Até o momento em que esse texto está sendo escrito foram mapeados em um trabalho coletivo 234 matrículas do imóvel. Estima-se que para cada hectare da área total existam 4 fraudados. O caso desse grilo merece destaque por não parar de crescer. A ausência de documentos por se tratar de uma ocupação quilombola e a morosidade do poder público em dar fim ao problema, titulando a comunidade, são portas abertas para mais e mais fraudes. 

Há aqui toda sorte de esquemas: registros paroquiais sem área delimitada, processos que se escondem magicamente dos técnicos, mortos que milagrosamente multiplicam negociam terras, irmãos criados em processos, sobreposições, títulos pena, herdeiros que descobrem ser donos da noite para o dia, oficial de cartório que transfere terras para si mesmo; folhas de livros de registro em branco, compras contestadas na justiça; polígonos de imóveis que mudam quando passam de pai para filho etc.; fraudes agravadas pela participação de alguns quilombolas e que se tornaram mais recorrentes após o reconhecimento da área como parte do território Kalunga. 

Todo o conteúdo desta monografia está apoiado em milhares de páginas de processos, documentos oficiais, entrevistas gravadas, depoimentos obtidos ao longo de meses de pesquisa, expostos em fragmentos na monografia que originou essa síntese. Antes de detalhar essas questões, gostaria de apresentar a terra e quem a ocupa, a fim de demonstrar que não há aleatoriedade na escolha de terras para serem griladas.

O imóvel Bonito se localiza no noroeste do SHPCK, confrontando, ao norte, com o Rio Paranã; e, a oeste, confrontando da foz do Prata no Rio Paranã até sua nascente, com área de 37.843,9362 há. Habitado atualmente por mais de 100 famílias quilombolas, que, assim como os seus ancestrais, residem nestas terras há mais de três séculos, detendo a posse mansa e pacífica, sem qualquer oposição. Nasceram ali, foram criados e lá vivem, fazendo do local a sua moradia habitual, onde produzem para sua subsistência. 

Há algumas dezenas de nascentes da área que corresponde ao imóvel, cercado pelos rios Prata, Paranã, Corrente e Ouro Fino; com predominância de vegetação que varia entre cerrado denso, cerrado típico (dominantes), cerradão, campos sujos, campos limpos e pastagens. Há 19 espécies localmente ameaçadas encontradas na região, dentre as quais a Griffinia nocturna, uma planta em floração listada como criticamente ameaçada no Centro Nacional de Conservação da Flora. Há também duas espécies de pássaros, Penelope ochrogaster e Harpyhaliaetus coronatus, que estão globalmente ameaçadas e constam como vulneráveis e ameaçadas na Lista Vermelha Nacional Brasileira e na União Internacional para a Conservação da Natureza – UICN. A Penelope ochrogaster é uma espécie endêmica da área e está presente em todo o território. 

A aptidão agrícola das terras, seguindo a classificação de Valladares et al. (2007), varia bastante, com predomínio de terras sem aptidão agrícola, destinadas à preservação da fauna e da flora e aptidão restrita para silvicultura e/ou pastagem natural. Entretanto há uma boa quantidade de terras, cerca de um terço, que mesclam (1) aptidão regular para práticas agrícolas que requerem a adoção de um baixo ou nenhum nível tecnológico, onde não há aplicações de capital para manejo, melhoramento e conservação das condições agrícolas das terras e das lavouras. Assim as práticas agrícolas podem ser desempenhadas basicamente pelo trabalho braçal, podendo ainda ser utilizada alguma tração animal com implementos agrícolas simples; e (2) aptidão  boa para práticas que requerem um nível tecnológico médio, caracterizado por alguma aplicação de capital e de resultados de pesquisas para manejo, melhoramento e conservação das condições agrícolas das terras e das lavouras. As práticas agrícolas estão ainda condicionadas principalmente ao trabalho braçal e à tração animal. Se usada máquina motorizada será para o transporte e beneficiamento da produção; ou (3) práticas agrícolas que requerem um alto nível tecnológico, caracterizado pela aplicação intensiva de capital e de resultados de pesquisas para manejo, melhoramento e conservação das condições agrícolas das terras e das lavouras como a aplicação de fertilizantes e corretivos agrícolas. A moto mecanização é usada nas diversas fases da operação agrícola. 

Não é raro encontrar afirmações que vinculam comunidades tradicionais a um comportamento sempre harmônico com o meio ambiente, e muitos pesquisadores se chocam ao conhecer a realidade contraditória dos supostos “guardiões da natureza”. Na minha primeira incursão a campo, acompanhado de uma das lideranças locais da comunidade, Adriano Paulino, vários moradores perguntavam quando chegaria o trator para preparar as áreas de cultivo. A persistência daquele tema em várias paradas da viagem me indignou. Perguntei a Adriano se a AQK não tinha tratores e ele respondeu que não, que aguardavam o da prefeitura ou de um projeto financiado pela companhia elétrica. 

Perguntei se a AQK não teria interesse em adquirir tratores para responder a demanda com mais facilidade, até propus que escrevêssemos um projeto de financiamento para aquisição das máquinas e o que ouvi foi surpreendente. Com a visão que só uma liderança local consegue alcançar, Adriano respondeu algo do tipo: “Interesse tem, mas eu não vou escrever esse projeto com você, não quero ser o responsável por acabar com o pouco que resta de cerrado conservado no país. O dia que a AQK tiver um trator, não vai restar um palmo de terra coberta por essa mata que você está vendo”.

Depois de refletir sobre essa fala de Adriano, conhecendo o regimento interno da associação, percebi que a comunidade instrumentalizou a conservação da vegetação nativa prevendo a proibição do uso de máquinas para abertura de roças com área superior a 2,5 hectares por família e determinando que é obrigatória a rotação de cultura em roçados abertos mecanicamente. Incorporaram à conservação inerente do modo de vida alternativo desenvolvido ali ao discurso ambientalista como ativo de valor, que veio a permitir, por exemplo, o reconhecimento como TICCA, o fortalecimento do turismo etc. A manutenção das práticas agrícolas desempenhadas basicamente pelo trabalho braçal, que requerem a adoção de um baixo ou nenhum nível tecnológico, onde não há aplicações de capital para manejo foi uma escolha da comunidade, que vive bem, com fartura (que tem um significado próprio diferente do que nós, ocidentais, atribuímos a essa palavra).

Na segunda visita ao território, depois de algumas apresentações de uma ONG que visa replantar árvores, ouvi que os Kalunga não queriam plantar “pau”, queriam plantar arroz, milho etc. Há aqui o choque, sintetizado por Foladori e Taks (2004), entre a falsa identificação romântica e politicamente mobilizada das práticas econômicas e rituais de grupos detentores de tecnologias de baixo impacto ambiental, de um lado, e as técnicas aparentemente similares descritas pelos modernos teóricos da agroecologia, de outro. Querer ensinar o Kalunga a conservar a natureza  é como querer ensinar o padre a rezar a missa; não fosse o modo de vida local, não haveria tantas áreas conservadas.  Temos o dever de aprender com o que Antônio Bispo dos Santos (2015, p.90) caracteriza como “relação respeitosa, orgânica e biointerativa com todos os elementos vitais, uma das principais chaves para compreensão de questões que interessam a todas e a todos. Pois sem a terra, a água, o ar e o fogo não haverá condições sequer para pensarmos em outros meios”.

O fogo também se encontra nessa situação dúbia: ao mesmo tempo que assistimos os incêndios criminosos se espalhando, a população local ainda pratica  a “roça de toco”, que é tida por muitos pesquisadores como degradante. Se há alguma conclusão a ser tirada desses exemplos é que é preciso enxergar a agência dessas comunidades sobre suas próprias formas de interação com o meio ambiente, desenvolvidas conjuntamente, impactando e sofrendo os impactos das mudanças no espaço. Em todo caso, essa quebra de expectativas não exclui a valorização necessária dos conhecimentos e técnicas tradicionais que são criados e aprimorados nessa dinâmica que as populações locais estabelecem com o meio; lado a lado com a ciência gerada nas universidades, nos laboratórios, nas salas de aula; colocados em risco pela grilagem. 

Como a proposta é verticalizar a análise, aqui já identificamos um dos fatores para a disputa que envolve a Fazenda Bonito. Há disponibilidade hídrica e terras com aptidão agrícola. Se Goiás já é um dos grandes produtores de soja e gado do país, imagine o que esses milhares de hectares significariam de incremento na produção; apesar de que tanto soja, quanto gado nos moldes da produção intensiva, não carecem de uma área com muitos requisitos; como ouvi de um produtor: “aceitando máquina, o resto dá jeito com implemento”. Há uma vasta gama de riquezas minerais no solo, sendo comum operações para combate de mineração ilegal. 

Como destaca Costa (2013) e Dias (2019), imóvel em sua totalidade é utilizado pelas famílias Kalunga, local que para eles é sagrado, já que para os quilombolas o sentido de territorialidade permeia o conceito físico de terra; houve ali uma trajetória secular de conquista do povo Kalunga. Estas famílias têm uma ligação visceral com a terra, ali reproduzem seus modos de ser e viver, preservando seus costumes e ancestralidades. Ali construíram suas moradias, fazem sucessivas manutenções e reformas, e de lá retiram o seu sustento, através do manejo do solo que permite a conservação do meio ambiente e as investidas dos invasores. 

Como nos lembra Souza (2018), é justamente a diversidade e a transformação dos  sistemas de cultivo de roça de toco, ou seja, do modo de produção e a agrobiodiversidade local que garantiram o sustento alimentar de muitas famílias durante as invasões das terras por fazendeiros. Em sua dissertação, o primeiro capítulo é voltado para a grilagem, localizando indiretamente diversos elementos da rede de solidariedade e suborno: os frequentes episódios por eles enfrentados eram desde invasões de suas terras por novos personagens, roças e casas ora queimadas e ou derrubadas por tratores e visitas constantes de policiais com mandados judiciais expedidos por delegados e outras autoridades do poder público local (p.27); criando um ambiente que incentiva a reprodução dos modos de produção ocidentais, com o uso intensivo das paisagens vegetais e de agroquímicos. Não fosse esse modo de vida e de produção local, a batalha contra o latifúndio já estaria perdida.

O modo de cultivo dos seus alimentos são os conhecidos roçados, ou roças de toco, em que cultivam por 4 a 5 anos. Após este período esperam a regeneração da vegetação por aproximadamente dez anos, quando voltam a plantar. E assim vão cultivando arroz, milho, feijão, gergelim e mandioca da qual sempre fizeram farinha. A maior parte da produção é para o consumo próprio, sendo que a farinha de mandioca é um produto tradicional das famílias, cujos excedentes são comercializados nas cidades da região. Os pratos, característicos da culinária sertaneja e goiana, são baseados na dupla feijão com arroz. Os principais ingredientes são o arroz, o feijão, a abóbora, o quiabo, o maxixe, jiló e a mandioca. Entretanto, alguns produtos industrializados vêm ganhando força dentro dessa refeição, como é o caso do macarrão e o do óleo de soja, substituto barato e prático da banha e dos óleos artesanais.

O rebanho bovino e os equinos pastam nas pastagens naturais do cerrado e em várzeas nas margens dos córregos e rios, utilizando toda a área como pastagem nativa, questão vinculada por vezes à ideia de liberdade para os entrevistados. A carne vermelha nem sempre está presente nas mesas da comunidade. Quando visitei o território pela primeira vez, houve certa preocupação com onde a equipe iria comer, pois com a baixa turística decorrente da pandemia, a maioria dos restaurantes estavam fechados. Fomos informados de que seria preciso levar mantimentos, principalmente carne, mas não encontramos carne-seca (a única que aguentaria a viagem) de última hora. O que resultou em comida farta por onde passamos, mas nem sempre com carne no prato. 

A área da Fazenda Bonito é usada integralmente pelo modo de vida da comunidade; as áreas que não são cultivadas servem de pastagem para o gado e podem vir a abrigar uma família que considere que sua morada atual já não provê o necessário, o que retoma a dinâmica do local sagrado da qual falei a alguns parágrafos. 

Falar do gado Kalunga, Curraleiro, requer um estudo à parte, pois há uma história conjunta de desenvolvimento e adaptação posta em risco pela modernização do campo e invasões no final do século XX e começo do XXI, inserindo novas espécies no território. Os nomes de algumas das comunidades evidenciam a participação histórica da atividade pecuária na região, por exemplo: Curral da Taboca, Fazenda Sucuri, Boa Sorte e Saco Grande, entre outras. Em linhas gerais, o gado Curraleiro apresenta baixa exigência nutricional e a capacidade de pastejar plantas nativas, sendo criado na solta por já estar adaptado às condições naturais do Cerrado (NETO, 2016). 

Dessa forma, a pecuária tradicional com gado Curraleiro não exige a derrubada de extensas matas para a formação de pastagens plantadas, contribuindo para a permanência de povos Kalunga na área rural, com a prática de uma atividade sustentável. De acordo com Aurélio Neto (2016), esse tipo de criação contribui para uma pecuária sustentável e para a exploração econômica de pastagens naturais, em áreas desfavoráveis à criação de gado zebuíno, fornecendo ao trabalhador rural carne, leite e animais de trabalho, sem necessidade de grandes investimentos na infraestrutura da propriedade. Criar na solta não pressupõe ausência de cuidado ou preguiça (tanto é que não abrange outras criações), mas constitui uma escolha da comunidade, diante das exigências do meio que ocupam. 

Essa forma de ocupar dos Kalunga está diretamente ligada à noção de liberdade citada por alguns moradores. Recordo-me especialmente de Damião: enquanto fazendeiros almejam continuar expandindo suas terras para plantar soja, a liberdade para os Kalunga está na possibilidade de mobilidade dentro do território: o gado é criado solto, para que possa escolher a área que lhe forneça melhor nutrição, bem como as famílias, que - pela ausência de cercas - podem buscar o melhor lugar para abrir suas roças.

Sobre e sob os  37.843,9362 ha da Fazenda Bonito se encontram essas histórias, esses modos de vida, essas relações. Quando o grileiro ordena a abertura de picadas e o cercamento das terras ele fere cada um dos elementos dessa rede brevemente descrita aqui. 

A grilagem marca a nação como um todo e também o início das reivindicações dos Kalunga junto a sociedade nacional e órgãos oficiais. Inclusive, no primeiro contato entre Kalungas e poder público, a abertura de estradas ficou vinculada a titulação das terras, pois se temia o que os grileiros poderiam fazer com seus próprios carros no território. Pode-se dizer então que desde a década de 80 o Estado já estava ciente do problema de terras no território Kalunga. Com a criação do Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga (SHPCK), em 1991, houve um compromisso legal com o combate à grilagem firmado nos objetivos da Lei Estadual n° 11.409. 

Em 2008, a inspeção da Corregedoria Geral de Justiça no Registro de Imóveis identificou várias fraudes, a exemplo de folhas em branco nos livros de registro, registros feitos a lápis, folhas reservadas para matrículas sem qualquer registro, enxertos de registro, rasuras, duplicidade ou triplicidade de matrículas e multiplicação de áreas; constatando que “as irregularidades continuam sendo praticadas, apesar da mudança de comando à serventia” (Relatório n° 022/2008 extraído do processo n° 2427613/2008, p.22).

Há dez anos, o Superintendente Regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), o Sr. Marco Aurélio Bezerra da Rocha, INFORMAÇÃO/INCRA/SR-28/T/N°/2011 (fl. 26-28) no processo 54700.001356.2008-68, reconhecia a “grande complexidade de natureza dominial, com inúmeros conflitos e sobreposições de matrículas, além de graves inconsistências no que se refere ao registro dos imóveis”. Foi reconhecido um verdadeiro milagre de multiplicação de terras, em que – de acordo com o Sr. Marco Aurélio Bezerra da Rocha no processo acima mencionado (fl. 26-28) – “estima-se que para a área medida de 250.000 ha do Território Kalunga, existam aproximadamente 350.000 ha registrados, fora as áreas que venham a ser de propriedade do Estado de Goiás.

A Fazenda Bonito é indicativo dessa situação. Excluída da Ação Discriminatória, os registros paroquiais de sua origem apresentam graves falhas (ausência de delimitação da área, nomes diferentes). Já no final do século XX, fora reconhecido pelo INCRA, no processo 54700.001396.2000-81  através da PORTARIA/INCRA/P/N° 558/99 (fl.7), “enorme percentual de inconsistência em relação a origem e sequência dos títulos de propriedade e a dimensão das áreas”. É no OFÍCIO/INCRA/SR(28)DFE/GAB/N° 104/02 (fl.49), do mesmo processo, que ficamos a par do processo de multiplicação de terras que caracterizou a grilagem na Fazenda Bonito. Nesse ofício o INCRA informava que cancelou os cadastros dos imóveis com área acima de 10.000 há (dez mil hectares) e convocou os proprietários para apresentação de documentos faltosos, pois havia observado “fortes indícios de irregularidades na Comarca de Cavalcante/GO, todas relativas ao aumento da área dos imóveis”. 

Na INFORMAÇÃO/INCRA/P/N°09/2010 (fl.116), parte do processo 54700.001396.2000-81, temos o detalhamento dos indícios: 

1) Não há o quantitativo de área adquirida. O quantitativo de 1/4 de terras não especifica o quantitativo da área do imóvel registrado.

2) Houve tentativas de cadastrar no Sistema de Informações Rurais - SIR desta Autarquia, da Fazenda Bonito, com área de 19.190,0 hectares, em nome do Sr. Abrahão Simão da Silva (morto) de maneira irregular.

3) Consta no cartório de registro que o Sr. Abrahão Simão da Silva (morto), vendeu a área de "1/4 de terras", 9 (nove) vezes, o que acresceu a área do imóvel para 81.297,04 hectares.


Dos 35 processos administrativos de desapropriação referentes ao imóvel Bonito que tramitam na Superintendência Regional do INCRA SR-28, em 17 há mapa e/ou memorial descritivo dos imóveis rurais . Destaca-se que 4 desses imóveis, apesar das matrículas informarem que estão no imóvel Bonito, na verdade encontram-se fora do território Kalunga, sendo que 2 imóveis extrapolam os limites estaduais entre Goiás e Tocantins. Imagine a quantidade de sobreposições se todos os imóveis matriculados apresentassem informações cartográficas.

Chegou-se ao absurdo que um mesmo agrimensor elaborou um mapa do Espólio do Sr. Helano de Paulo e Souza com um formato e o do seu suposto herdeiro, Juvelan de Paula Souza, de outro. Outro fato absurdo é que um mesmo agrimensor assinou mais de 7 mapas e/ou memoriais entre os 17 processos, sendo que 3 estão localizados fora do Sítio Histórico. Destaca-se ainda que muitos são polígonos perfeitos em uma região acidentada, cortada por rios e vales, sem demarcação no campo, sem marcos de confrontação; imóveis que, via de regra, nem sequer seus ditos proprietários sabem onde estão situados.

Somente na parte norte do imóvel Bonito pude contar mais de 10 mapas, que constam de processos administrativos de desapropriação na Superintendência Regional do INCRA SR-28, que de alguma forma se sobrepõem. Mais alarmante ainda é o fato de que o processo nº 01/2014, que pede providências para corrigir estes atos, sumiu entre o Fórum da Comarca de Cavalcante e o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Destaca-se ainda que oficiala do Cartório de Cavalcante que denunciou toda a fraude perdeu o cargo. 

Uma breve ressalva que precisa ser feita é que tanto o processo de regularização quanto os de grilagem ainda estão tendo desdobramentos durante a escrita dessa monografia, ou seja, o que apresento aqui é um retrato do momento. O trabalho não se encerra aqui, pois é provável que existam outras vias para além das que serão apresentadas; há mais de 200 matrículas da Fazenda Bonito! Mas acredito ser possível dar a dimensão do problema com os casos aqui narrados.

Até mesmo a ação discriminatória pode ser colocada em dúvida, por juntar a descrição do inventário de falecimento a um registro paroquial que não tinha determinação de área. As redes de solidariedade e suborno se mostram aqui extremamente arraigadas, articulando grileiros, agrimensores, juízes, oficiais de cartório, defuntos, pessoas criadas em processos etc. tudo isso em uma das áreas de cerrado mais preservadas do país. Outro agravante é o fato de que, durante a pesquisa de campo pude identificar a participação de quilombolas nos processos, vendendo benfeitorias ou trabalhando para os grileiros. 

Na primeira ida a campo, junto à equipe da Agência Pública, entrevistamos não apenas as pessoas que se sentiam prejudicadas pelo processo de grilagem, mas pessoas que se aliaram direta ou indiretamente aos interesses do estranho. É preciso dizer que criar intrigas entre as comunidades locais ou mesmo forjar conflitos entre comunidades diferentes é uma antiga estratégia de grilagem, localizada por Almeida (1981;1982); em alguns lugares do país, com certo destaque para Amazônia, não é raro que pequenos posseiros e populações tradicionais entrem em guerra pela terra, pressionados por fatores externos; o que é sintomático da crise do regime fundiário brasileiro. 

No caso da Bonito, a rede de solidariedade e suborno envolveu também alguns locais, despertando a raiva de outros. Quando estive ouvindo as histórias que os moradores contavam sobre os Kalunga que haviam vendido as benfeitorias me pareceu, à primeira vista, que havia um padrão: homens de fora do território se casavam com mulheres Kalunga e posteriormente negociavam as terras. Entretanto, quando entrevistei uma das ex-esposas, percebi que minha tese estava errada. Ouvi da jovem quilombola que a ideia de vender foi dela, que o invasor era uma boa pessoa, que traria empregos para a comunidade e que caso ela não quisesse, nem precisaria sair da terra, apenas receber o dinheiro (50 mil reais) e assinar os papéis. 

Sejamos pragmáticos: quem negaria uma proposta como essa? Ganhar 50 mil reais para permanecer em casa, se assim desejar!? A entrevistada afirmou inclusive que ele compraria de quem quisesse vender, ou seja, o que havia aqui era uma expansão calculada da rede de solidariedade e suborno. Envolvendo os quilombolas, além da ocupação mansa e pacífica, o grileiro poderia vir a alegar que as terras estavam apenas arrendadas. Seguindo o lastro desse problema, alcançaremos em algum momento a discussão sobre propriedade coletiva ou individual, que marcou - nos anos 80 - o início das reivindicações dos Kalunga junto a sociedade nacional e órgãos oficiais: a escolha da propriedade coletiva tinha como um dos objetivos evitar a grilagem em suas terras. 

E é demonstrativo de como a grilagem é um processo mutável, e a rede de solidariedade, flexível. Nesse caso em particular, o esquema se desenvolve sem violência física; não há, recentemente, pistoleiros na região; reflexo, em parte, do reconhecimento nacional e internacional que a comunidade conquistou. A trama aqui vai ganhando robustez na medida em que amplia a rede de solidariedade e suborno. 

Outro caso de ampliação da rede de solidariedade encontra-se na negociação que um dos moradores Kalunga fez pela “exclusão” da sua terra dos marcos do grileiro. Na beira do Paranã, numa tarde quente, ouvimos de um senhor que ele havia trabalhado na construção da cerca por um pacto que fez com o invasor: se sua terra fosse deixada de fora, o quilombola e os primos fariam a cerca. E assim aconteceu. Já vimos o que essas cercas levantadas a mando de estranhos significam para o modo de vida local e como ferem os princípios de liberdade da comunidade. 

Na segunda visita, topamos com o caso de um filho de criação que havia vendido a área da mãe na beira do rio Paranã, de onde ela buscava água. O argumento do filho é que se eles não davam conta de “usar” tudo, não tinha porque não vender. Tal visão entra em conflito com a liberdade Kalunga; o filho usa o mesmo argumento dos invasores e é respaldado pelo poder público, fortalecendo as redes de solidariedade: imputa-se a comunidade métricas ocidentais de uso/ocupação que nada tem haver com o modo de vida particular. Esse caso voltou a me perturbar semanas depois, enquanto estudava a grilagem verde no território. 

A área total do território é de aproximadamente 262 mil hectares, e na consulta pública do CAR constavam apenas 43 mil (GO-5213509-0F73691564694F6F83503A10AE6B3951; dado verificado pela última vez em 16 de novembro de 2021). Buscando entender o motivo de constar uma área de apenas 15% do território junto ao INCRA, ao Serviço Florestal Brasileiro e a CONAQ, fui informado de que para comunidades tradicionais era exigido a descrição de uma “área total declarada do território” (os 262 mil ha) e uma “área líquida de propriedade” (os 43 mil ha). Ninguém soube me explicar exatamente como se definia a “área líquida” do território, se era da titulação definitiva ou um número arbitrário definido pelos Kalunga; fato é que tal exigência só existe para comunidades tradicionais. A recomendação da CONAQ era para que toda a área do território fosse declarada como área líquida, entretanto isso não ocorreu quando o território Kalunga foi declarado, estabelecendo essa divisão.

Trabalhando para solucionar o problema, descobri a existência de filtros automáticos que tem como objetivo estabelecer critérios mínimos para a inscrição no CAR (informados pelo Serviço Florestal Brasileiro em resposta a pedido de informação via Lei n° 12.527) – expressão da autonomia do cadastro – que barram as tentativas de retificação via sistema; especialmente o filtro que trata de sobreposições superiores a 30%, impedindo a correção. Como vários outros imóveis já foram declarados na área que compõe o território Kalunga (alguns, inclusive, com status "ativo", exemplos GO-5205307-C7593B47D924446BA8333515C3279EAE e GO-5205307-AE00527292424B189B251AFA9BC92538), a declaração total dos 262 mil ha resultaria em dezenas de sobreposições integrais ou parciais.

Na prática, isso significa que o território não aparece integralmente na consulta pública do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (SICAR), o que resulta na não contabilização da área total dos imóveis rurais sobrepostos e do quantitativo de imóveis rurais sobrepostos. 

Comparando os dados do SICAR com os dados do Sistema de Gestão Fundiária (SIGEF), é possível notar que há dezenas de CARs de imóveis rurais declarados em área pública, sintoma de grilagem. Cabe destacar, porém, que declarações individuais podem ter sido feitas inclusive por quilombolas, o que resulta em outro problema para a comunidade, não refletindo a integralidade do território e reforçando os conflitos locais sobre a titulação coletiva ou individual das áreas ocupadas.

A professora Marcela Vechione chama atenção para o fato de que o cadastro não se ocupou dessa questão: “Não levar em conta essas formas distintas de uso pode gerar uma padronização do que deve ser a forma certa e adequada ambientalmente. E isso é perigoso porque pode mudar pouco a pouco a relação que se tem com a terra e com a importância de se ter a posse coletiva” (BARCELOS & BARROS, 2016). 

Outra possibilidade, retomando a ideia de pilhagem, mas partindo de uma leitura de Clovis Moura (2001, p.318), é que por vezes a legislação ambiental acaba tendo um caráter excludente e as medidas administrativas de controle e vigilância que regulam atividades diárias promovem um outro reordenamento do espaço geográfico, diretamente relacionada aos impedimentos à livre utilização dos recursos naturais do território historicamente ocupado. 

Para algumas formas de se relacionar com a terra, a exemplo do modo de vida Kalunga, simplesmente não faz sentido falar de módulo rural, área total declarada do território, área líquida de propriedade, propriedade individual da terra ou mesmo área de proteção permanente. Esse é um vocábulo que integra a rede de relações de um núcleo restrito de pessoas. 

O resultado dessa escolha de palavras são conflitos como os apontados por Vechione, com quilombolas registrando CARs individuais dentro de áreas coletivas (quilombos); ou como o exemplo levantado pelo professor Treccani, que trata da velocidade com que populações tradicionais conseguem solicitar o cadastro, resultando em uma ação por vezes mais lenta do que a de latifundiários, levando a sobreposição de área ou simples não efetivação do registro (BARCELOS & BARROS, 2016). Voltando ao caso do filho que negociou a terra da mãe, o que merece destaque é que a ideia de usar a terra defendida pelo filho, que tem eco entre o argumento dos fazendeiros, e a concepção de uma “área líquida” exigida para declaração do CAR convergem sobre o mesmo ponto: não se considera a forma de ocupar dos quilombolas como válida. 

Pensemos então na amplitude da rede de relações aqui exposta: de jagunços ao CAR, há diferentes elementos operando para a continuidade da grilagem do território Kalunga. Tudo começa com um documento, forjado ou incompleto, que mobiliza cartórios, juízes, servidores públicos, quilombolas; todos que direta ou indiretamente contribuem para a continuidade da fraude, sendo beneficiados seja com diárias seja com suborno. Qualquer elemento que seja retirado da malha de relações enfraquece a rede, e, em parte, é isso que estamos fazendo aqui.  


Chegou de caminhonete e bem vestido, veio tratar da Bonito

Nessa rede de solidariedade e suborno, há uma peça chave: o Cartório de Registros de Cavalcante. Falar de cartórios de maneira geral nunca é simples, pois são nesses ambientes que as fraudes começam a ganhar corpo. Pouco ou nada vale um documento que não tenha sido registrado em cartório. No caso de Cavalcante, durante as pesquisas de campo e a partir de documentos obtidos via lei de acesso à informação, pude mapear dois períodos chave para o conflito que se desenrola hoje.

Já sabemos que grilagem não é uma novidade no território Kalunga; as primeiras demandas ao poder público vieram justamente no intuito de coibir a expansão das redes de solidariedade. Houve também iniciativas pontuais de combate a fraude, que acabaram descontinuadas. Hoje a regularização fundiária de todo o território se encontra estagnada em razão do mar de lama no qual os documentos estão imersos. 

O Cartório de Registro de Imóveis de Cavalcante é elemento importantíssimo dessa rede de grilagem que se formou. O Relatório n° 022/2008 nos dá a dimensão do primeiro período: o da titular Erli Nunes Bandeira e do titular que a precedeu. Centenas de irregularidades foram rastreadas no período, atingindo outros cartórios em municípios vizinhos, justificando uma primeira intervenção federal no cartório em 2009 tamanha a confusão dominial dos últimos 60 anos.

O Diagnóstico sobre o procedimento de regularização do território Kalunga (2009), coordenado por Givânia Maria Silva, já destacava o problema da Bonito, pontuando como razões para ações de desintrusão e regularização fundiária: o reconhecimento do valor cultural pelo decreto estadual e o título expedido pela Fundação Palmares, a omissão do poder público caracterizada pela não continuidade das ações, a posição histórica em nível mundial da regularização fundiária do território Kalunga, o valor antropológico e sociobiológico do território, a preservação do cerrado e a ação de ocupantes não-quilombolas. Se estou escrevendo uma monografia sobre o tema é porque a situação não mudou muito. O mesmo relatório destaca que:  

o território Kalunga é uma região de muitos conflitos fundiários, onde se destaca a seguinte problemática: um procedimento discriminatório em suas terras devido a excessiva sobreposição de imóveis e a falta de confiabilidade dos cartórios; um mercado de terras onde a especulação se encontra em alta devido aos interesses de mineradoras e outros empreendimentos, isto tudo ouriçado pela frustração da ação do próprio INCRA em ocasiões passadas. (2009, p.14)

Esse parágrafo é um excelente resumo do que a análise vertical da grilagem pressupõe, pois vai para além da fraude documental e começa a olhar para o território em si, encontrando as causas, consequências e elementos chave da rede de solidariedade e suborno instaurada. Vê-se também a centralidade dos cartórios no regime fundiário brasileiro. 

Sabemos então que a situação fundiária do território era conhecida pelo poder público e que por mais de 60 anos o cartório de registros foi marcado por fraudes e irregularidades. Houve iniciativas de combate à grilagem, inclusive com a nomeação de interventores, entre eles uma senhora chamada Luslene Veloso, que entrevistei junto à equipe da Agência Pública. 

Luslene chegou ao cartório de Cavalcante em 2009, no período de intervenção, marcando o início do segundo período. Como vimos, as fraudes no cartório chamaram atenção da justiça federal e dois funcionários eram investigados por indícios de fraudes e atividades irregulares. Luslene, mapeando as fraudes no cartório, dedicou especial atenção a Bonito, posto que começou a encontrar dezenas de matrículas que descreviam a mesma área, mas com proprietários diferentes. Os esforços de investigação resultaram em um levantamento inicial de 64 transcrições e 86 matrículas originárias da fazenda Bonito, a maioria com milhares de hectares de áreas sobrepostas e os demais problemas já citados. 

Neste trabalho, Luslene identificou dez matrículas com origem em aquisições de áreas de Abraão Simão da Silva e que, a partir desses documentos havia mais e mais multiplicação de terras, como o caso Eustáquio. Abraão, que havia assinado a primeira transferência em 1967, já estava morto desde 1940 (se é que ele um dia existiu para além dos documentos). A oficiala identificou que entre os supostos proprietários da fazenda Bonito, havia empresas que deram as terras como garantia a empréstimos e financiamentos em instituições bancárias.

Entre as empresas que entraram com pedido de indenização está o grupo Dinâmica, com três áreas, uma delas com origem no espólio de Abraão. O valor total estimado em pagamento de indenizações para a empresa é de pouco mais de 7 milhões de reais, em valores de 2014. Duas das áreas que a empresa reivindica, as glebas 3 e 4 da fazenda Vista Linda, foram cedidas aos quilombolas em 2015. A empresa do ramo de serviços pertence à família Pedrosa, tradicional da política do Distrito Federal. 

Entretanto, a dedicação de Luslene ao tema não agradava muita gente, o que resultou em um aumento da pressão sobre o cartório com dezenas de pedidos de documentos chegando, muitos ligados à fazenda Bonito. A oficiala começou a desconfiar que os pedidos que chegavam sem parar tinham o motivo de fazer com que detalhes dos papéis passassem despercebidos. Nesse imbróglio a Bonito tinha destaque, sempre com áreas gigantescas e proprietários ricos: “chegou de caminhonete e bem vestido, veio tratar da Bonito”, destacou a entrevistada. Tentativas de suborno eram corriqueiras, se pedia para "dar um jeito" nos documentos ou forjar do zero quando necessário, principalmente nos ligados a Bonito. 

Os motivos do porquê da recorrência daquele imóvelnão estavam muito claros para a interventora, até a descoberta de que a Bonito fazia parte do território Kalunga que estava ainda em processo de desapropriação, com milhões dos cofres públicos sendo destinados a indenização. Essa descoberta de Luslene é representativa dos motivos da necessidade de se olhar para o território e para as pessoas que estão sobre esse território nos processos de grilagem; não há coincidências, as vítimas são sempre os "intrusos" de que nos fala Guimarães (2009). 

Depois dessa descoberta e da continuidade das pesquisas, a oficiala enviou, em junho de 2014, um pedido de providências à justiça, constando diversos indícios que colocam o cartório e toda a documentação do imóvel sob suspeição. Já no primeiro parágrafo é informado que não há área exata descrita nos paroquiais e que, ao longo dos anos, foram registrados vários desmembramentos com áreas gigantescas em diferentes livros. Que empresas adquiriram parte do imóvel de forma suspeita para solicitar empréstimos. Que é comum que apresentem no cartório documentos com informação de registro que não existem. Que existem aproximadamente 64 números de transcrição e 86 números de matrícula de áreas desmembradas do imóvel Bonito. Que a sobreposição dessas áreas desmembradas é comum. Que a indenização por desapropriação para o Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga atraiu ainda mais especuladores, aumentando os conflitos no campo e a confusão dominial, colocando o cartório em situação de extrema insegurança jurídica, justificando o pedido de suspensão dos registros e averbações. 

Um mês depois, em julho de 2014, a então juíza substituta da comarca de Cavalcante, Priscila Lopes da Silveira, bloqueou matrículas relacionadas ao imóvel Bonito. A decisão da magistrada travava (em teoria) novas matrículas, novas transmissões de posse ou alterações no teor de matrículas. Encaminhando os autos à Corregedoria e ao Núcleo Fundiário, aos cuidados do Dr. Eduardo Tavares, o processo desapareceu em posse do Poder Judiciário. 

Alguns dias atrás me disseram que eu não poderia dizer que o processo desapareceu; que estava tramitando "sem que ninguém soubesse". Mas a questão é que havia pessoas buscando informações desse processo e nenhum técnico soube explicar onde estava; mesmo se estivesse tramitando em sigilo era dever do poder público informar tal situação, mas nem quando fomos pessoalmente ao fórum de Cavalcante souberam informar o paradeiro do processo. Só recentemente, com a Notícia de Fato autuada pelo procurador Daniel César Azeredo Avelino (com base, entre outros documentos, em relatório de minha autoria) é que descobrimos que o processo foi juntado a outro. Oito anos de dúvida!? É preciso dizer que a continuidade dos processos de grilagem está diretamente ligada a essa confusão intencional que se faz no antro do judiciário. 

Retornando ao depoimento de Luslene, se as pressões durante a investigação já eram grandes, com o pedido de providências registrado e a rede exposta, tudo piorou. Deu-se início a uma onda de brigas e ameaças que ultrapassaram as paredes do cartório e atingiam até mesmo pessoas do núcleo íntimo da oficiala. 

As ameaças se transformaram em denúncias na Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Goiás e em mandados de segurança contra ela e o cartório, desgastando a servidora e a equipe. Em 2019, Luslene foi exonerada do cartório sob circunstâncias muito estranhas. Narra a ex oficiala que ela foi exonerada por acúmulo de função pública, mas trabalhava apenas no cartório. Depois que tomou conhecimento do processo, descobriu que havia sido nomeada para um cargo de uma prefeitura em uma cidade vizinha e nunca foi informada de tal nomeação. Vê-se aí com clareza que as redes de solidariedade e suborno transcendem limites municipais. 

Com certeza não pude expor a totalidade dos casos de corrupção e irregularidades sobre a Bonito; aqui há apenas fragmentos de uma rede dinâmica e arraigada que transcende limites municipais, estaduais, temporais etc. Espero que essa monografia sirva de exemplo para que se aprimore a forma de analisar a grilagem de terras, raiz da estrutura fundiária brasileira. Que essa leitura seja um reforço para a denúncia da origem criminosa de inúmeras propriedades Brasil afora.


Se o grileiro vem, pedra vai

E aqui encerramos a nossa análise vertical do inconcluso caso da Fazenda Bonito. Espero que tenha ficado demonstrado como as redes de solidariedade e suborno estão presentes no espaço e na vida das pessoas, articulando uma série de elementos viventes ou não. Me despeço do leitor com uma súplica para que o tema não caia no esquecimento, como desejam os poderosos que sustentam a estrutura fundiária brasileira.

Ao longo do texto vimos o que está sob e sobre o território, os interesses que esses elementos mobilizam e os riscos aos quais estão expostos. Vimos como a rede engloba novos elementos, gerando novas articulações, como o CAR e alguns quilombolas. Vimos a grilagem no cotidiano das pessoas. 

Resta dizer, sem sombra de dúvidas, que a grilagem é um instrumento de poder não apenas do grileiro, mas do Estado, para além de governos, dada a continuidade da fraude que só no caso em análise ultrapassa 80 anos sem solução definitiva. O atraso e a omissão aparecem como formas de acobertar, incentivar e encampar a grilagem, possibilitando que mais e mais elementos sejam integrados à rede. 

Na bibliografia fica nítido que há décadas a grilagem vem sendo conhecida, pesquisa e denunciada, sem que sejam tomadas medidas capazes de combatê-la. Pelo contrário, são criados elementos de ampliação dessa rede, como o programa Terra Legal (2009) e o CAR (2012). Fica difícil fugir de uma dessas conclusões: incompetência ou cumplicidade. Pelo que foi dito até aqui, acredito que a minha preferência está nítida. A grilagem é, por séculos, ferramenta de apropriação de terras e sua consequente incorporação ao sistema capitalista dentro de um projeto econômico definido e planejado em que não há espaço para formas alternativas de ocupar.

Mas, se o sistema é tão voraz, porque ele não devorou toda a terra de uma vez, retardando esse processo por todo esse tempo? Porque, assim como os Kalunga, há quem lute para conservar o modo de vida e o direito conquistado sobre o local que ocupa. E, nesse sentido, é importante reconhecer que falam de um quilombo, descrito por Edison Carneiro (2019, p.47) como

um acontecimento singular na vida nacional, seja qual for o ângulo por que o encaremos. Como forma de luta contra a escravidão, como estabelecimento humano, como organização social, como reafirmação dos valores das culturas agricanas, sob todos estes aspectos o quilombo revela-se como um fato novo, único, peculiar - uma síntese dialética.


Mesmo sem os recursos do latifundiário, os "intrusos" não se dobraram diante das condições opressivas instituídas na colonização e revalidadas nos regimes administrativos seguintes, constituindo importante instrumento de luta contra o latifúndio. Com seus modos de vida particulares criaram brechas entre as frentes de expansão capitalistas no campo. 

Me recordo de dois casos da comunidade Kalunga, o primeiro em que um jovem chamado Joca se juntou com os primos e parou o trator que estava abrindo as picadas para Juvelan. Sem violência, somente uma conversa franca entre dois trabalhadores. A raiva e a punição não devem cair sobre o capataz que ergue as cercas ou no tratorista que abre as picadas, mas em quem dá a ordem e financia a operação. Na ponta, o sangue derramado nessa guerra é de uma mesma parcela da população, vítima de um sistema excludente, no qual ou se aceita um salário de fome ou entra para a lista de vítimas do conflito. 

Não sei se com esse esforço, que transcende essa monografia estando presente nos relatórios enviados ao MPF, nas notas técnicas divulgadas, nos estudos feitos para a AQK, nas reportagens acompanhadas etc., pude mudar a vida de muitas pessoas, mas definitivamente mudei a minha. Espero que essas folhas aqui contidas sejam parte de um movimento maior de luta por justiça social. Se o Estado atua em benefício do latifúndio, transformando posseiros e populações tradicionais em trabalhadores pobres, que a fome seja a nova consciência. 

Se o grileiro vem, pedra vai

De cima deste morro ninguém sai

Ao grileiro nós vamos resistir

Todo povo daqui vai descer

E uma ordem geral partir

Que é botar o grileiro pra correr

(Centro Popular de Cultura - CPC, 1962)



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