TRABALHO FINAL DE INTRODUÇÃO À
CIÊNCIA POLÍTICA – TURMA O
Bruna Arrias Monteiro – 190025417
Bruna Arrias Monteiro – 190025417
Francisco
Sousa – 190045809
Hiann
Riell Sotero da Silva – 190059681
Júlia
Vilela Garcia – 190057912
Nathalia
Cerqueira Lins – 190035838
Em debates e reflexões no
decorrer do semestre, notou-se que o conceito chave que guia o termo democracia
é justamente o fato de a palavra significar “governo do povo”. A partir desse
termo, é possível inferir que uma democracia pura compreende a participação
ativa da comunidade, de forma igualitária e justa entre os cidadãos.
Entretanto, o que muitos intelectuais nos mostram é que o termo democracia tem
se tornado cada vez mais difuso e dotado de divergências. A democracia, que
antes tinha como norte ser um governo do povo, culminou em inúmeras vertentes
democráticas que, muitas vezes, se divergem em suas bases e não concordam entre
si (MIGUEL, 2005; VITULLO, 2009).
Uma das dificuldades que
alguns autores alegam para que a democracia seja de fato um governo em que haja
a participação igualitária e ativa de toda uma comunidade é justamente o
tamanho populacional exacerbado, que dificulta o processo de ouvir e se fazer
ouvido por todos os cidadãos (MIGUEL, 2005; VITULLO, 2009). Assim, algumas
vertentes da democracia, tal como a democracia liberal-pluralista, acreditam
que a participação da população por meio do voto – que elege um representante
apto para o governo – seria suficiente para que um governo seja considerado
democrático (MIGUEL, 2005). Por outro lado, outras vertentes democráticas,
encaram o voto como não suficiente para garantir a participação plena dos
cidadãos, posto que eles elegem um governador, mas não podem de fato governar,
ou seja, a democracia se torna restrita ao sufrágio. Esse é um dos principais
desafios da democracia participativa, cujo princípio é a busca pela
participação dos indivíduos para além do voto.
Essa vertente democrática
é muito bem descrita por Miguel (2005) e Vitullo (2009). Este último ainda
acredita que uma síntese entre democracia participativa e democracia
representativa deve ser vista como uma forma de democracia contra hegemônica
(VITULLO, 2009, p. 272). Para o autor, a população deve não só eleger seus
representantes, como participar ativamente e diretamente dos processos
democráticos complementando e corrigindo possíveis falhas da democracia
representativa. Visão semelhante a necessidade de se ter uma participação ativa
e para além do voto é descrita por Hanna Pitkin (2003). A autora disserta
acerca da necessidade de o eleitor, mesmo em uma democracia representativa,
acompanhar e fiscalizar as atividades do representante, engajando-se
politicamente e cobrando dos governantes uma posição adequada.
É importante ressaltar
que para que os eleitores possam cobrar e contribuir para a melhoria do governo
exista uma circulação de informações que não busque privar o indivíduo de ter
conhecimentos múltiplos acerca de sua realidade, mas que abra os seus
horizontes e o permita ter uma visão crítica do mundo. Isso porque a informação
é a principal arma para que os cidadãos possam participar ativamente de um
governo, uma vez que é ela quem molda a forma com que observamos e agimos no
mundo. É a informação que detém o poder não só de fazer abrir os horizontes dos
indivíduos, mas de limitar os seus interesses e, em uma escala menor, os
interesses políticos que serão cobrados pelos eleitores dos representantes.
Segundo Miguel (2007)
grande parte da informação que os indivíduos obtêm advém dos meios de comunicação
de massa, ou seja, da mídia. Esse veículo de informações, adaptável às novas
tecnologias da comunicação, têm em si um grande potencial para a democracia
quando apoiado no pluralismo de ideias, o que garantiria algum espectro de
neutralidade e imparcialidade. Entretanto, esse potencial midiático, embora valorizado
pela maior parte da população, não existe de forma plena, posto que ao mesmo
tempo em que coloca algumas opiniões públicas em destaque, também possui o
potencial de reprimir outras. Isso se dá devido a uma concentração, cada vez
maior dos meios de comunicação nas mãos de poucos grupos, impactando
diretamente o espaço de debate democrático. Desse modo, compreende-se que a lógica
do mercado liberal não foi capaz de coibir com a formação de oligopólios
midiáticos, dando a eles o poder de agenda.
Esse poder de agendamento
de pautas, tão citado por Bachrach e Baratz (2011), deixa, aqui, de ser um
poder única e exclusivamente dos governantes, como bem colocado pelos autores,
e passa a fazer parte também de uma lógica midiática que oferece aos espectadores
apenas o que se acredita que possa dar um retorno positivo para o veículo de
comunicação, limitando seus horizontes de conhecimento e, consequentemente,
interferindo em uma participação política democrática. Isso se dá justamente
porque o poder de selecionar as informações a serem veiculadas, junto a
transmissão unidirecional das informações pelos canais convencionais – como a televisão,
o jornal e o rádio – resulta em uma ausência de análise crítica por parte dos
consumidores, constituindo um risco para a democracia.
Para além dos riscos que
o poder de agendamento midiático possui, o qual é capaz de mobilizar o
interesse público e subjugar a política enquanto debate de ideias –
apresentando apenas uma caracterização maniqueísta da realidade – existe também
o risco inerente de que os meios de comunicação de massa atuem sobre a formação
da preferência dos indivíduos.
De acordo com Sunstein
(2009), o foco da sociedade moderna, deixa de ser o bem comum e passa a ser os
interesses individuais, de tal forma que esses se tornam o principal alvo da
discussão pública e passam a regulamentar as ações estatais. Entretanto, essa
visão afirma falsamente a ideia de que as preferências dos indivíduos são fixas
e previamente dadas, ignorando o fato de que elas são, na verdade, moldadas
pelo contexto em que cada indivíduo se localiza e age no mundo, bem como pelo
acesso a informação que este possui. As preferências, portanto, possuem um
caráter endógeno, sendo fruto do contexto social e podendo ser constantemente
moldadas pela circulação de informações. Considerá-las como rígidas e
individuais, seria, então um risco para a democracia.
O grande problema que aí reside, é justamente
na relação entre agenda, circulação midiática, participação e preferências que
são constantemente construídas e modificadas com o tempo e o contexto social.
Uma vez que a mídia, pautada em um oligopólio, seleciona aquilo que é
veiculado, pressupõe-se que a circulação restrita de informações leva o
indivíduo a refletir e moldar suas visões de mundo apenas com relação àquilo
que é veiculado, sendo difícil para os espectadores buscarem outros veículos
que ofereçam informações distintas.
Exemplos do agendamento
midiático político atrelado à formação de preferências, participação e opinião
pública não são recentes. Nas décadas de 40 e 50, o então presidente Getúlio
Vargas, notando as potencialidades que o rádio possuía para veicular
informações sobre sua figura e sua política, regulamentou o setor para que o
governo obtivesse maior controle sobre as transmissões do rádio (SILVA, 2012).
Esse controle midiático culminou na transformação de Vargas em um líder
político e no fortalecimento e popularização do seu poder governamental,
contribuindo para a ideia de que a mídia possui um grande poder de manipulação
e interferência não só nas preferências dos indivíduos, mas em uma participação
amplamente democrática.
Para além do agendamento efetuado
pela mídia tradicional, o advento da Internet e da Web 2.0[1]
facilitou a circulação de informações em tempo real. Essas informações são,
muitas vezes, propagadas por veículos alternativos de comunicação, como blogs, indivíduos que possuem o status
de digital influencer, ou até mesmo a
partir de um transmissor anônimo. Isso culminou em uma circulação não só de
informações acerca do mundo todo em uma velocidade jamais vista anteriormente,
mas em um índice elevado de notícias falsas, constantemente manipuladas,
ferindo ainda mais a participação democrática efetiva e impondo novos
obstáculos ao regime democrático.
Exemplos de como os
perigos de veicular falsas informações podem impactar na política foi o recente
caso político da eleição do presidente Jair Bolsonaro. Em uma reportagem do
site de notícias ISTOÉ (2018) nota-se a afirmação de que o, na época, candidato
à presidência, consolidava sua candidatura “pela propagação e disseminação de
informações falsas, distorções de fatos históricos ou de ações sem qualquer
comprovação técnica ou científica”. Isso fez com que as informações fossem
altamente veiculadas, moldando a percepção de seus eleitores, como prova uma
pesquisa feita pelas organizações Avaaz e IDEA Big Data, posteriormente
veiculada pelo jornal on-line Folha de São Paulo (2018). O estudo revelou que
cerca de 90% dos eleitores de Jair Bolsonaro acreditavam nas notificas falsas
veiculadas nos canais de comunicação, constituindo uma falsa percepção política
e democrática do governo.
Outra polêmica que
envolveu o presidente Jair Bolsonaro foi o uso de bots, isto é, o uso de perfis automatizados, no impulsionamento e
na veiculação de notícias falsas (VILICIC, Filipe; LOPES, André, 2018). O uso
de inteligência artificial para promover o candidato foi algo polêmico, visto
que parte de uma campanha política pautada em informações falaciosas e não
orgânica. Os perigos dos perfis anônimos e automatizados para a democracia e
participação política são retratados no texto “Deep Fake, a mais recente ameaça distópica”, de Michael K. Spencer
(2019). Segundo o texto, a tecnologia possui um potencial alarmante, posto que
a inteligência artificial chegou ao ponto de criar humanos digitais, pessoas
que não existem na vida real, mas que se comunicam e são capazes de formar
redes de confiança on-line, alcançando um novo nível de manipulação de
informações, o que foi explicitamente notado na campanha de Bolsonaro. Para
além da criação de humanos artificiais, é possível também manipular vídeos e
imagens que se tornam verdade universal e incontestável para aqueles que
assistem, posto que as imagens são consideradas uma prova cabal da realidade.
Conclui-se que o acesso a informação no atual
contexto afeta tanto de forma positiva, quanto de forma negativa a prática
democrática. Por um lado, o acesso à informação permite não só que a
representação tenha qualidade, mas faz com que os representados se engajem
politicamente e sejam aptos para avaliar a representação política, bem como ver
se as ideologias são coerentes. Para mais, com o acesso à informação, os
representados podem entender melhor os projetos políticos, e assim cobrar,
coletivamente, o que havia sido proposto pelo representante. Em contrapartida,
o acesso à informação, pode trazer consequências negativas, uma vez que há uma
concentração de propriedade midiática e um controle e seleção das informações
que são disseminadas. Com isso, comumente, observa-se a criação de informações
falaciosas, o que gera um problema político preocupante, posto que implica na
limitação do espaço de debate e também impossibilita uma pluralidade de pontos
de vistas na mídia – aspecto extremamente importante para atividade
democrática.
Diante disso, assistimos
a uma era da desinformação que põe em jogo a participação ativa e democrática dos
cidadãos no ambiente político. De um lado, o problema do oligopólio midiático
poderia ser solucionado, ou ao menos suavizado, com uma regulamentação da
mídia, como bem colocado por Sunstein (2009). A regulamentação é primordial
para que se garanta uma pluralidade de informações circulando e alcançando os
indivíduos, para que estes possam ser capazes de criar um senso crítico
ponderando as diferentes informações de canais divergentes entre si. Vale
lembrar que a regulamentação não visa a regulação de conteúdo, mas justamente a
sua multiplicidade de forma ética e respeitosa. Assim, a partir da
regulamentação midiática, o espectador pode participar de forma mais ativa do
cenário político, moldando suas preferências não só com base em informações
previamente agendadas de um oligopólio, mas a partir de uma multiplicidade de
conteúdo.
Entretanto, como
regulamentar um ambiente tão aberto e dinâmico como a internet, que ultimamente
tem propiciado inúmeras informações falaciosas? Apesar de a internet ter assegurado
espaço para novas discussões e gerado importantes debates e articulações políticas,
como manifestações, atos e até mesmo uma rede de discussões sobre o governo, a
web ainda é um território de certo modo “sem lei”, gerando, ao mesmo tempo,
muita desinformação e interferindo na participação democrática, sendo
necessário, portanto, um olhar mais cauteloso acerca da circulação informacional,
bem como a criação de medidas que visem combater a desinformação. Exemplo
disso, é o primeiro site especializado em checagens de informação da Agência
Lupa, vinculado à revista Piauí e ao Grupo Folha e até mesmo o serviço de
checagem Fato ou Fake, proporcionado pelo Grupo Globo. Contudo, aqui, mais uma
vez, caímos no problema do oligopólio midiático.
Referência Bibliográfica
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Acesso em: 18 mai. 2019.
[1] Web 2.0 é um termo utilizado para designar a segunda geração de
comunidades e serviços oferecidos na internet, por meio de aplicativos baseados em redes sociais
e tecnologia da informação (O’REILLY, 2005).