domingo, 15 de agosto de 2021

Século XIX - A construção nacional

 

Século XIX - A construção nacional

Francisco Octávio B. de Sousa

 

Antecedentes: O Brasil entrou no século 19 com grande aspiração de autonomia, no embalo da Inconfidência Mineira (1789) e da Conjuração Baiana (1798). A América Lusitana estava dividida em três estados portugueses: o Estado do Brasil (propriamente dito), com capital no Rio de Janeiro, o Estado do Grão Pará e Rio Negro, com capital em Belém, e o Estado do Maranhão e Piauí, com capital em São Luís. Apesar de habitarem estados portugueses, os brasileiros não tinham as mesmas oportunidades que os portugueses de Portugal.

 

1808: A Corte Portuguesa chega em terras brasileiras: Com a chegada da Família Real, em 1808, o Brasil ganhou novo status, passando a sede da Coroa Portuguesa. Em 1815 foi elevado a Reino. Em 1821, o Reino Unido Lusitano foi transformado em uma Monarquia Parlamentar, governado pelas Cortes de Lisboa. Esse processo resultou na Guerra da Independência do Brasil.

No desembarque em Salvador tocava: "Cheguei (cheguei)/Cheguei chegando/Bagunçando a zorra toda/E que se dane/Eu quero mais é que se exploda/Porque ninguém vai estragar meu dia/Avisa lá, pode falar" (Ludmilla, 2017).

 

1822: Declaração da Independência do Brasil: os portugueses, em Portugal, não apreciaram, em geral, a nova condição do Brasil e buscaram revertê-la, transformando o regime de governo em uma Monarquia Parlamentar, comandada pelas Cortes de Lisboa, desde janeiro de 1821. Em setembro, do mesmo ano, as Cortes determinaram que as províncias seriam comandadas por juntas provisórias de governo, eleitas nas próprias províncias. O poder do Príncipe Regente tornou-se simbólico, na verdade, as Cortes determinaram que o Príncipe não tinha lugar no Brasil. Os governos provisórios das províncias brasileiras despachavam diretamente com as Cortes de Lisboa. Mas o Príncipe Dom Pedro, não tinha simpatias pelas Cortes de Lisboa. Forças políticas portuguesas exigiram o retorno do Príncipe Regente D. Pedro à Portugal. O Príncipe negou-se a sair do Brasil. Em Sete de Setembro de 1822, quando o Príncipe deu seu grito de guerra Independência ou Morte, marcou-se o rompimento de Dom Pedro com Portugal, resultando na Guerra de Independência, em âmbito nacional. Não se sabe exatamente o que foi dito pelo Príncipe, na área do Ipiranga, em complemento ao seu grito de guerra. Os relatos são contraditórios e publicados muito depois. Não houve ali uma "proclamação de independência", como querem alguns autores, mas não há dúvidas que foi naquele momento que o Príncipe avisou que lutaria por ela. A partir de então, ficou claro que era um processo sem volta. A Independência do Brasil foi um processo que se estendeu de 1822 a 1824. A adesão à causa da Independência foi em província por província. Aquelas cujo governo não aderiu, foram conquistadas, uma a uma. Estados Unidos, Portugal e Inglaterra, a maior potência da época, reconheceram o Brasil como nação soberana. A paz foi selada pelo Tratado de Amizade e Aliança, de 1825, entre Brasil e Portugal, mediado pela Grã-Bretanha.

Registros encontrados recentemente demonstram que D. Pedro cantou na beira do Ipiranga: “O sol rachando já passou do meio dia/Daqui não saio, daqui ninguém me tira” (Munhoz & Mariano, 2012).

 

1824: Promulgação da 1ª Constituição do Brasil (outorgada): instituía um governo monárquico e hereditário, constitucional, parlamento bicameral, voto indireto e censitário, divisão do território em províncias, conselho de estado, catolicismo e divisão administrativo em 4 poderes. O autoritarismo que marcou o processo de outorga da Constituição de 1824 inaugurou uma fase na história política do Brasil, onde a centralização política se transformou em uma prática severamente questionada. Mesmo contando com alguns princípios de natureza liberal, a Constituição de 1824 também foi marcada por uma série de dispositivos contrários ao seu aparente liberalismo. A centralização dos poderes acabava gerando a insatisfação de muitos dos representantes políticos do período. D. Pedro I depôs o então governador, Manuel de Carvalho Paes de Andrade, e indicou um substituto para o cargo. A troca do governo seria o último episódio que antecedeu a formação do movimento que ficou conhecido como Confederação do Equador, esse ganhou tal nome em razão de sua proximidade geográfica com a Linha do Equador. A Confederação, que se iniciou com a ação de lideranças e populares pernambucanos, logo tomou corpo e conseguiu a adesão de outros estados do nordeste. Rio Grande do Norte, Ceará e Paraíba também se juntaram ao movimento. Impassíveis às tentativas de negociação do Império, os revoltosos buscaram criar uma constituição de caráter republicano e liberal. Além disso, o novo governo resolveu abolir a escravidão e organizou forças contra as tropas imperiais. Depois de estabelecidas as primeiras ações da Confederação, alguns de seus líderes decidiram abandoná-la. Tudo isso porque alguns integrantes da revolta defendiam a radicalização de algumas ações do novo governo. Frei Caneca, Cipriano Barata e Emiliano Munducuru acreditavam que a ampliação de direitos políticos e reformas no campo social eram medidas urgentes no novo poder estabelecido. Com isso, os integrantes da elite que apoiaram a Confederação se retiraram do levante. De outro lado, o governo imperial tomou medidas severas contra o movimento separatista. Dom Pedro I pediu empréstimos à Inglaterra e contratou mercenários ingleses para que lutasse contra os revoltosos. Não resistindo ao enfraquecimento interno do movimento e a dura reação imperial, a Confederação do Equador teve seu fim. Inicia-se a crise do Primeiro Reinado.

D. Pedro bateu com o cetro na mesa cantando: "Tem que ser coletivo/Aqui manda quem pode, obedece quem tem juízo" (Menor do Chapa, 2015).

 

1825: Guerra da Cisplatina: conflito travado pelo Império do Brasil contra as Províncias Unidas do Rio da Prata (atual Argentina) pelo controle da Cisplatina, região que atualmente conhecemos como Uruguai. Essa foi a primeira guerra de que o Brasil participou como nação independente e estendeu-se de 1825 a 1828. O resultado do confronto foi desastroso para o Brasil, que, além de perder a Cisplatina, teve de amargar uma intensa crise econômica. Os gastos com o conflito foram gigantescos e quebraram a economia brasileira. Além disso, essa situação foi agravada pelo fato de que, durante os anos da guerra, a Casa da Moeda emitiu grande volume de moeda, o que causou a sua desvalorização. A guerra também contribuiu para desgastar a imagem de D. Pedro I. O imperador vinha sofrendo um desgaste contínuo desde 1822 por causa de seu autoritarismo. Ao final da guerra, a derrota e a crise econômica fizeram a sua popularidade despencar.

Barões brasileiros da região de Pisadinha contaram a história na seguinte canção: "Tava tudo decorado/Friamente calculado/Na minha mente/Hoje era o fim da gente/Mas quando eu tava cara a cara/Falei nada com nada/Aconteceu aquele imprevisto" (Os Barões da Pisadinha, 2021).

 

1831: Dom Pedro I abdica do Trono: em 7 de abril de 1831, D. Pedro I foi forçado a deixar o trono em favor de seu filho, Dom Pedro II, então com cinco anos de idade. De um lado os absolutistas, que defendiam a ordem e a propriedade privada, mas também o imperador e seus abusos contrários à legalidade, e de outro os liberais, que, embora também defendessem a ordem e a propriedade privada, defendiam a liberdade constitucional. Inicialmente muitos membros da elite nacional se colocaram ao lado de D. Pedro I, especialmente porque passaram a ocupar cargos administrativos e receber títulos honoríficos. Mas, com o passar do tempo, os brasileiros foram passando para o lado dos liberais, e os portugueses saíam em defesa do imperador. Entre a população urbana e o exército o sentimento contrário aos portugueses era bastante comum. Assim, o exército foi se afastando do imperador, tendo em vista que sua base era composta de pessoas pobres dos centros urbanos e as condições de trabalho não eram das melhores. O atraso no pagamento e a disciplina eram traços marcantes da atividade no exército. Em março de 1831 o Imperador retorna de uma viagem à Minas Gerais, onde não foi bem recebido. Os portugueses decidem promover festejos em sua homenagem, demonstrando apoio. Os brasileiros então reagiram e os conflitos nas ruas duraram poucos dias. Em um deles um evento conhecido como noite das garrafadas aconteceu. Brasileiros atacaram casas de portugueses, que responderam com garrafas e cacos de vidro. Iniciaram-se assim as manifestações contrárias ao imperador, com os comandantes aderindo à revolta. Com a situação cada vez mais insustentável, D. Pedro I se viu obrigado a abdicar do trono em abril de 1831.

Dizem que a melancolia de D. Pedro foi narrada na canção: "Melhor eu ir/Tudo bem vai ser melhor só/Se teve que ser assim/É que pensando bem nunca existiu nós/Só eu que pensei na gente/Ainda que demorei pra terminar, dói" (Péricles, 2015).

 

1831: Período Regencial: foi o momento da História do Brasil entre o Primeiro e o Segundo Reinado. Teve início depois que Dom Pedro I abdicou ao trono (1831) e se entendeu até o denominado Golpe da Maioridade, quando D. Pedro II passou a governar o império. O período é marcado por intensos conflitos político-sociais realizados em todo país e é dividido em Regência Trina Provisória, Trina Permanente, Una do Padre Feijó e Una de Araújo Lima. As más condições sociais e a pouca contribuição do governo central com as regiões fizeram surgir conflitos em diversos estados do Brasil. Os principais deles foram:

 

         Balaiada: realizada na província do Maranhão entre 1838 a 1841. Contou com a participação de escravos e fazendeiros. As principais causas da Balaiada estão ligadas à pobreza da população da província maranhense, bem como sua insatisfação diante dos desmandos políticos dos grandes fazendeiros da região.

         Cabanagem: movimento realizado na província do Grão-Pará (Pará, Amazonas, Amapá, Roraima e Rondônia) e teve como objetivo a independência da região.

         Guerra dos Farrapos: também conhecida como Revolução Farroupilha, a revolta foi mobilizada pelos grandes proprietários de terra do Rio Grande do Sul, insatisfeitos com os altos impostos cobrados pelo governo imperial sobre seus produtos. Por isso, constataram que a separação e a república seriam uma forma de obter liberdade comercial e política.

         Revolta dos Malês: realizada na Bahia em 1835, foi organizada por escravos de origem islâmica que buscavam liberdade religiosa.

         Sabinada: outro movimento baiano realizado entre 1837 e 1838, tinha como objetivo construir uma república separada do restante do país até a maioridade de D. Pedro II.

O contexto fala por si: "Vish, muita tretae vish, muita treta vish/Muita treta vish vish vish vish" (Apocalipse 16, 2010).

 

1847: Golpe da Maioridade. Dom Pedro II assume o trono brasileiro: garantiu ascensão ao trono de D. Pedro II, em 23 de julho de 1840, aos 14 anos. A antecipação da maioridade foi a estratégia do Partido Liberal para dar fim ao Período Regencial (1831-1840), quando o Brasil foi governado por regências. O objetivo do Golpe da Maioridade era restabelecer a estabilidade política ao Brasil. O País estava marcado por confrontos políticos e sociais no Primeiro Reinado (1822-1831) e que se mantinham no Período Regencial (1831-1840). Com o Golpe, inicia-se o Segundo Reinado, período que se estendeu por 49 anos e que pode ser dividido da seguinte maneira:

 

         Consolidação (1840-1850): quando o imperador estava no poder e estabeleceu-o, a seu modo, sobre o país, colocando políticos e províncias rebeldes sob seu controle.

         Auge (1850-1865): quando o poder do imperador era amplo e sua posição estava consolidada.

         Declínio (1865-1889): quando surgem contestações contra a posição de D. Pedro II, e a economia do país não ia bem.

 

A distribuição do poder durante o Segundo Reinado acontecia de forma que o imperador tivesse amplos poderes na política. O imperador representava pessoalmente o Poder Moderador e estava à frente do Executivo. No Executivo também constava o Conselho de Estado. No caso do Legislativo, destacam-se os cargos de senador e deputado. Por fim, da política brasileira, um último e importante destaque a ser mencionado é o que ficou conhecido como parlamentarismo às avessas. O Brasil funcionava como uma monarquia parlamentarista na qual o imperador interferia na política sempre que fosse necessário para garantir seus interesses. Assim, se fosse eleito um primeiro-ministro que não lhe agradasse, ele o destituía, e se a Câmara tomasse medidas que não lhe agradassem, ela era dissolvida. Em termos econômicos, o grande destaque vai para a economia cafeeira, que se consolidou durante o Segundo Reinado como o principal meio de produção da economia brasileira. As zonas produtoras de café do Brasil nesse período foram três: Vale do Paraíba (RJ/SP), Oeste Paulista (SP) e Zona da Mata (MG). A produção do café aconteceu (primeiramente no Vale do Paraíba) utilizando-se, principalmente, de trabalhadores escravizados. Inclusive, à medida que o número de escravos foi sendo reduzido no país, as regiões produtoras de café tornaram-se grandes compradoras de escravos. O Oeste Paulista utilizou, a princípio, a mão de obra escrava, mas, ao longo da década de 1880, essa foi substituída pelos imigrantes que passaram a chegar em grande volume no país. Outro momento importante da economia brasileira, durante o Segundo Reinado, foi o de grande crescimento econômico marcado por algum desenvolvimento industrial: a Era Mauá. Tal prosperidade econômica aconteceu entre 1840-1860, e nela as receitas do Brasil aumentaram quatro vezes.

Os representantes do Partido Liberal buscaram Pedro II cantando: "Novinho safadinho, hoje eu vou falar pra tu/Eu quero é tu" (Mc Jaja, 2013).

 

1850: Publicação da Lei Eusébio de Queiroz que proibiu o tráfico de escravos: o crescimento econômico desse período é muito atribuído ao reflexo do fim do tráfico negreiro no país por meio da Lei Eusébio de Queirós, de 1850. Com essa lei, o tráfico negreiro foi proibido, e todos os recursos, que antes eram utilizados na aquisição de escravos, passaram a servir para outros investimentos. As exportações do país aumentaram, e o investimento em estradas de ferro, por exemplo, aumentou bastante.

Era o início de uma campanha pelo fim da escravidão: "Deixa eu dançar, deixa eu dançar/Ai, me solta, porra!" (Nego do Borel, 2018).

 

1864: Início da Guerra do Paraguai: A Guerra do Paraguai foi reflexo da consolidação das nações da bacia platina (Argentina, Uruguai, Brasil e Paraguai) e resultou em enorme destruição e grande saldo de mortos. Conflito de maior duração e proporção de toda a história da América do Sul, a Guerra do Paraguai foi um grande divisor de águas para todos os países envolvidos. Nessa guerra, Brasil, Argentina e Uruguai, por meio da Tríplice Aliança, lutaram contra o Paraguai, governado nessa época por Francisco Solano López. O Brasil venceu esse conflito, mas suas consequências para a economia do país e para a monarquia foram ruins. Para o Brasil, a guerra gerou forte impacto na economia, uma vez que os gastos do Brasil foram 11 vezes o orçamento anual do país em 1864. Além disso, o governo brasileiro saiu bastante endividado, sobretudo com bancos ingleses, em decorrência dos empréstimos feitos para financiar o conflito. A guerra também fortaleceu o exército como instituição e marcou o início da decadência da monarquia. Em relação à quantidade de mortos, o saldo foi o seguinte:

 

         Uruguai: 3.120 mortos;

         Argentina: 18 mil mortos;

         Brasil: 50 mil mortos;

         Paraguai: 150 mil mortos (não há consenso entre pesquisadores).

 

O Paraguai foi a nação mais prejudicada na guerra, afinal, grande parte das batalhas aconteceu em território paraguaio, o que lhe causou grande destruição material. A nação ainda foi obrigada a abrir mão dos litígios territoriais que travava com Brasil e Argentina.

Cansados da perseguição infundada a Solano López, os militares cantavam para D. Pedro II:Vem de chicote, algema, corda de alpinista, aí que eu percebi que o cara é sadomasoquista” (Deize Tigrona, 2021).

 

1888: A princesa Isabel assina a Lei Áurea que aboliu a escravidão: Durante o Segundo Reinado, a abolição da escravatura foi um dos temas centrais e alvo de debates acalorados nos meios políticos. O ponto de partida para que a abolição fosse decretada no Brasil foi a Lei Eusébio de Queirós, decretada em 1850 e que estipulava a proibição do tráfico negreiro no país. Com essa lei, a abolição era questão de tempo, uma vez que era o tráfico que mantinha o elevado número de escravos no Brasil. Iniciou-se aqui uma transição lenta e gradual, na qual o objetivo da elite econômica do país era postergar a abolição tanto quanto fosse possível. Durante esse período de transição, foram decretadas diversas leis, como a Lei de Terras, Lei do Ventre Livre e Lei dos Sexagenários. A abolição da escravatura aconteceu em 13 de maio de 1888, quando a princesa Isabel assinou a Lei Áurea. O fim da escravidão foi resultado de uma intensa mobilização popular e da ação dos escravos rebelando-se contra essa instituição.

Essa não tem meme! A música realmente reflete sobre o século XIX e a Lei Áurea: "Liberdade, liberdade!/Abra as asas sobre nós (bis)/E que a voz da igualdade/Seja sempre a nossa voz" (Imperatriz Leopoldinense (RJ), 1989).

 

1889: Proclamação da República: aconteceu no dia 15 de novembro de 1889. Resultado de um levante político-militar que deu início à República Federativa Presidencialista. Fica marcada a figura de Marechal Deodoro da Fonseca como responsável pela efetiva proclamação e como primeiro Presidente da República brasileira em um governo provisório (1889-1891). Sempre contrário ao movimento republicano e defensor da Monarquia como deixa claro em cartas trocadas com seu sobrinho Clodoaldo da Fonseca em 1888 afirmando que apesar de todos os seus problemas a Monarquia continuava sendo o “único sustentáculo” do país, e a república sendo proclamada constituiria uma “verdadeira desgraça” por não estarem, os brasileiros, preparados para ela. Os problemas no Império estavam em várias instâncias que davam base ao trono de Dom Pedro II:

 

         A Igreja Católica: Descontentamento da Igreja Católica frente ao Padroado exercido por D. Pedro II que interferia em demasia nas decisões eclesiásticas.

         O Exército: Descontentamento dos oficiais de baixo escalão do Exército Brasileiro pela determinação de D. Pedro II que os impedia de manifestar publicamente nos periódicos suas críticas à monarquia.

         Os grandes proprietários: Após a Lei Áurea ascende entre os grandes fazendeiros um clamor pela República, conhecidos como Republicanos de 14 de maio, insatisfeitos pela decisão monárquica do fim da escravidão se voltam contra o regime. Os fazendeiros paulistas que já importavam mão de obra imigrante, também estão contrários à monarquia, pois buscam maior participação política e poder de decisão nas questões nacionais.

         A classe média urbana: As classes urbanas em ascensão buscam maior participação política e encontram no sistema imperial um empecilho para alcançar maior liberdade de econômica e poder de decisão nas questões políticas.

 

A República Federativa Brasileira nasce pelas mãos dos militares que se veriam a partir de então como os defensores da Pátria brasileira. A República foi proclamada por um monarquista. Deodoro da Fonseca assim como parte dos militares que participaram da movimentação pelas ruas do Rio de Janeiro no dia 15 de novembro pretendiam derrubar apenas o gabinete do Visconde de Ouro Preto. No entanto, levado ao ato da proclamação, mesmo doente, Deodoro age por acreditar que haveria represália do governo monárquico com sua prisão e de Benjamin Constant, devido à insurgência dos militares. A Maçonaria e os maçons permanecem presentes entre as lideranças brasileiras desde a Independência, aliados aos ideais da filosofia Positivista, unem-se na formação do Estado Republicano, principalmente no que tange o Direito. A filosofia Positivista de Auguste Comte esteve presente principalmente na construção dos símbolos da República. Desde a produção da Bandeira Republicana com sua frase que transborda a essência da filosofia Comteana “Ordem e Progresso”, ou no uso dos símbolos como um aparato religioso à religião republicana. A nova organização brasileira pouco ou nada muda nas formas de controle social, nem mesmo há mudanças na pirâmide econômica, onde se agrupam na base o motor da economia, e onde estão presentes os extratos mais pobres da sociedade, constituída principalmente por ex-escravizados e seus descendentes. Já nas camadas mais altas dessa pirâmide econômica organizam-se oligarquias locais que assumem o poder da máquina pública gerenciando os projetos locais e nacionais sempre em prol do extrato social ao qual pertencem. Não há uma revolução, ou mesmo grandes mudanças com a Proclamação da República, o que há de imediato é a abertura da política aos homens enriquecidos, principalmente pela agricultura. Enquanto o poder da máquina pública no Império estava concentrado na figura do Imperador, que administrava de maneira centralizadora as decisões políticas, na República abre-se espaço de decisão para a classe enriquecida que carecia desse poder de decisão política.

A última carta de Pedro II para Deodoro continha a seguinte mensagem: "E aí, compensou me largar?/Cadê suas amizades?/Os seus esqueminhas?/Que você falava e falava que tinha/É isso que cê chama de volta por cima/"Cê" deu foi volta por baixo amor/Cadê o melhor que eu que você arrumou?" (Henrique e Juliano, 2020).

 

Livres e pobres no século XIX: Eles eram, principalmente, descendentes de portugueses, africanos e indígenas e já estavam integrados àquela sociedade no momento da chegada dos imigrantes europeus. Os primeiros trabalhos sobre os homens livres pobres, da mesma forma que sobre os ‘desclassificados’, projetaram-lhes um perfil violento, mas, ao mesmo tempo, passivo diante de sua exploração. Essa visão foi contestada nos anos 1980, demonstrando a complexidade do mundo rural brasileiro dos Séculos XIX e XX, salientando a diversidade da estrutura fundiária e suas resistências frente ao processo de expropriação. Os pequenos posseiros também se valeram da legislação para efetivar suas posses e fazer frente aos litígios contra os grandes possuidores de terras. Também é perceptível a utilização do homem livre e pobre como um “escudo humano” frente aos “perigos da mata”. Se existia uma fronteira agrária aberta na região, era, principalmente, devido à insegurança existente no mato, tanto por causa dos possíveis ataques dos indígenas quanto de foragidos e outros grupos que perambulavam pela região.

 

Indígenas no século XIX: enquadrados entre o extermínio e a mudança de hábitos, de práticas e de valores, estão os povos indígenas, que em um primeiro momento do século são colocados como a personificação da nação brasileira, especialmente os da etnia Tupi-Guarani, tidos como o “bom selvagem”, ilustrados nas obras de José de Alencar, como “Iracema” e “O Guarani”, bem como nas obras de outros autores da época. Essa imagem mitificada do "indígena bom" contrasta com relatos descrevendo indígenas “selvagens, bestas, primitivos”, presente nos sertões, que praticavam insurreições elencadas como a barbárie, a exemplo do roubo de gado e de bens materiais, do incêndio de propriedades e de plantações, do assassinato de fazendeiros, do afugentamento de viajantes pelas estradas, dentre outros ocorridos, como formas de resistir ao processo de ocupação de suas terras e de reagir às tentativas civilizatórias por parte das sociedades coloniais. Até mesmo dentro dos próprios aldeamentos ocorriam resistências para com a arbitrariedade praticada pelos missionários ou diretores provinciais. Diversas populações indígenas, em diferentes províncias, mantinham seus ritos tradicionais e passaram a utilizar também de meios legais para demonstrar sua insatisfação para com a forma de tratamento dentro dos aldeamentos. Mesmo com as perseguições e massacres, os povos indígenas seguiram resistindo às pressões estatais, apesar de marginalizados e desassistidos.

 

Negros no século XIX: o século XIX foi marcado por mudanças na sociedade escravista (inicialmente estável e considerada por parte da sociedade do período como necessária). Ir contra a escravidão era ir contra os interesses do Brasil, não só das elites, mas de várias camadas sociais. A escravidão era um consenso e a reprodução social dependia de um fluxo constante de pessoas escravizadas. Ao longo dos oitocentos, questões internas e externas fazem com que a escravidão mude de tom. Internacionalmente, se tornava cada vez mais difícil sustentar a continuidade da escravidão desde de 1831 ao menos, quando o Brasil se compromete a acabar com a escravidão. Em decorrência dessa mudança de pensamento e da proibição do tráfico atlântico de pessoas escravizadas, a propriedade escrava se tornou cada vez mais concentrada. Os escravizados se tornaram artigo de luxo com os preços cada vez maiores. Pequenos proprietários passaram a vender seus escravizados aos grandes proprietários, promovendo o tráfico interno e a concentração de escravizados em áreas de pujança econômica. Somente em 1850, com a Lei Eusébio de Queiroz, a burocracia e as instituições de estado passam a combater o tráfico. A escravidão da segunda metade do XIX já não era a mesma dos dois séculos anteriores: é nesse período que se cristaliza a imagem do rico proprietário de escravos na casa grande. A Abolição em 1888, apesar de representar uma importante conquista, não veio acompanhada de um plano de integração dessas pessoas à sociedade, resultando na continuidade de preconceitos e marginalização da população negra.

 

Referências:

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ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os índios na História do Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010, p. 9-28.

 

ABREU, Martha & MATTOS, Hebe. Em torno das “Diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afrobrasileira e africana”: uma conversa com historiadores. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 21, nº 41, janeiro-junho/2008, p. 5-20.

 

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21-37.

 

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SCHWARCZ, Lília M. & GOMES, Flávio dos Santos. Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

 

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