MINTZ,
SW. Comida e antropologia. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 16. n.
47, p. 31-41, 2001.
Essa breve revisão de Mintz ilumina uma
série de questões que complexificam nosso olhar sobre a comida, propondo uma
ligação desta à nossa identidade social. Elencando autores que trataram das
formas de comer e o que comer, Mintz afirma que a comida segue balizas
materiais, culturais e históricas, podendo ser compreendida como base para nos
relacionarmos com a realidade.
Observando os processos de preparação da
comida, o autor sugere que a comida expressa também um pacto social referente
ao trabalho, visto que há uma divisão de gênero quando observamos quem é
responsável por preparar o alimento (a associação das mulheres com a comida e
com o cozinhar, e dos homens com a caça e a política). E, em uma escala mais
ampla, nos é sugerido uma "globalização" da comida, ou seja, a
difusão mundial de certos alimentos, como marca da colonização (me lembrou de
"Imperialismo Ecológico" (1986) do Crosby), colocando a comida como
capítulo vital na história da expansão capitalista, o que suscita outras
questões sobre quando e como alimentar pessoas (ou dificultar que se
alimentem), como fazer dinheiro com isso e quais os impactos sociais e
econômicos locais dessa difusão de novos alimentos e novos sistemas de
distribuição em todo o globo.
Daí é possível refletir sobre a comida
como índice de mudança ou padronização social, refletindo em alguma medida o
paradoxo referente ao incentivo das nações desenvolvidas para que nações pobres
preservem o meio ambiente, enquanto estas lutam pelo direito de também
"piorar" o planeta e almejam em alguma medida os mesmos problemas
enfrentados pelas nações ricas (do ponto de vista alimentício, ressalta-se a
obesidade, problemas circulatórios e cardíacos e muitos outros).
Outro ponto abordado no texto faz
referência as comidas "nacionais", associadas a povos em particular,
retomando a questão da identidade. Se me permite uma rápida reflexão, nesse
ponto me lembrei do sucesso de programas como "Master Chef", em que
diversas provas são montadas sobre a ideia de que certas comidas ou processos
de preparação são associados a países ou regiões do globo (toda preparação
francesa leva muita manteiga; as preparações asiáticas valorizam mais a
diversidade de sentidos e sabores; os doces "brasileiros" são sempre
"mais doces" e não agradam o paladar de jurados de outros países; a
própria nacionalidade dos jurados etc.).
Já na parte final, Mintz traz diversas
questões possíveis e que abastecerão a antropologia por muitos anos, por
exemplo: o deslocamento de pessoas e alimentos, a separação crescente de
produtores e consumidores, a disposição cada vez maior em consumir alimentos
preparados, o declínio da habilidade culinária das classes médias etc. Como
leitor com a mesma idade do texto, eu adicionaria a questão dos ultraprocessados,
o crescimento do vegetarianismo e veganismo, o sucesso repentino de programas
como o já citado Master Chef, a erradicação e o retorno da fome em meio a
pandemia, a relação da classe média com o alimento nesse mesmo contexto.
Após a leitura, refletindo sobre a
pesquisa que tenho desenvolvido junto aos Kalunga de Goiás, me parece que a
restrição do território dos quilombolas pela grilagem resulta em uma menor
produção de alimentos, incentivando o uso cada vez maior de agroquímicos,
reforçando um pacote tecnológico que prevê formas de uso e relação com a terra.
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