quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Resenha "Comida e antropologia" - Mercado, ética, alimentação e consumo

 

MINTZ, SW. Comida e antropologia. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 16. n. 47, p. 31-41, 2001.

 

Essa breve revisão de Mintz ilumina uma série de questões que complexificam nosso olhar sobre a comida, propondo uma ligação desta à nossa identidade social. Elencando autores que trataram das formas de comer e o que comer, Mintz afirma que a comida segue balizas materiais, culturais e históricas, podendo ser compreendida como base para nos relacionarmos com a realidade.

Observando os processos de preparação da comida, o autor sugere que a comida expressa também um pacto social referente ao trabalho, visto que há uma divisão de gênero quando observamos quem é responsável por preparar o alimento (a associação das mulheres com a comida e com o cozinhar, e dos homens com a caça e a política). E, em uma escala mais ampla, nos é sugerido uma "globalização" da comida, ou seja, a difusão mundial de certos alimentos, como marca da colonização (me lembrou de "Imperialismo Ecológico" (1986) do Crosby), colocando a comida como capítulo vital na história da expansão capitalista, o que suscita outras questões sobre quando e como alimentar pessoas (ou dificultar que se alimentem), como fazer dinheiro com isso e quais os impactos sociais e econômicos locais dessa difusão de novos alimentos e novos sistemas de distribuição em todo o globo.

Daí é possível refletir sobre a comida como índice de mudança ou padronização social, refletindo em alguma medida o paradoxo referente ao incentivo das nações desenvolvidas para que nações pobres preservem o meio ambiente, enquanto estas lutam pelo direito de também "piorar" o planeta e almejam em alguma medida os mesmos problemas enfrentados pelas nações ricas (do ponto de vista alimentício, ressalta-se a obesidade, problemas circulatórios e cardíacos e muitos outros).

Outro ponto abordado no texto faz referência as comidas "nacionais", associadas a povos em particular, retomando a questão da identidade. Se me permite uma rápida reflexão, nesse ponto me lembrei do sucesso de programas como "Master Chef", em que diversas provas são montadas sobre a ideia de que certas comidas ou processos de preparação são associados a países ou regiões do globo (toda preparação francesa leva muita manteiga; as preparações asiáticas valorizam mais a diversidade de sentidos e sabores; os doces "brasileiros" são sempre "mais doces" e não agradam o paladar de jurados de outros países; a própria nacionalidade dos jurados etc.).

Já na parte final, Mintz traz diversas questões possíveis e que abastecerão a antropologia por muitos anos, por exemplo: o deslocamento de pessoas e alimentos, a separação crescente de produtores e consumidores, a disposição cada vez maior em consumir alimentos preparados, o declínio da habilidade culinária das classes médias etc. Como leitor com a mesma idade do texto, eu adicionaria a questão dos ultraprocessados, o crescimento do vegetarianismo e veganismo, o sucesso repentino de programas como o já citado Master Chef, a erradicação e o retorno da fome em meio a pandemia, a relação da classe média com o alimento nesse mesmo contexto.

Após a leitura, refletindo sobre a pesquisa que tenho desenvolvido junto aos Kalunga de Goiás, me parece que a restrição do território dos quilombolas pela grilagem resulta em uma menor produção de alimentos, incentivando o uso cada vez maior de agroquímicos, reforçando um pacote tecnológico que prevê formas de uso e relação com a terra.

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