CAMPBELL,
Colin. O consumidor artesão: cultura, artesania e consumo em uma sociedade
pós-moderna. Antropolítica, n. 17, 2 sem. 2004.
Campbell inicia o texto apresentando
algumas imagens do consumidor: (1) uma primeira, oriunda da teoria econômica,
que enxerga o consumidor como um ator ativo, que - dada a limitação de seus recursos
- busca a maximizar a vantagem obtida, o "herói" de Salter; (2) uma
segunda, comum nos estudos sobre a “sociedade de massa”, vê o consumidor como
ator passivo, manipulado e explorado pelas forças do mercado, o
"tolo" de Salter; (3) uma terceira, de génese da filosofia
pós-moderna, percebe o consumidor como um manipulador dos significados
simbólicos vinculados aos produtos, que escolhe os bens com a intenção de criar
certa identidade; e (4) uma quarta imagem, objeto do artigo, o "consumidor
artesão” com um desejo de expressar sua individualidade através da
criatividade.
Apresentadas essas imagens, o autor passa
a refletir sobre a construção da figura do "artesão", em um resgate
histórico que lembra bastante da dualidade tecnofobia vs tecnofilia da antropologia
da técnica. Campbell cita como no final do século XIX, a forma de trabalho dos
artesãos era vista por como a "mais pura de todas as atividades
humanas", enobrecedora, humanizadora, um modelo para expressão de
humanidade. Esse artesão contrastaria com a realidade dos trabalhadores da
revolução industrial, alienados, insatisfeitos e desumanizados pelos processos
de manufatura. O consumo não ia em uma via muito diferente, pois não tinha
nenhum potencial desalienante ou libertador, sendo visto por intelectuais e
cientistas sociais de esquerda, como uma “coisa ruim”.
No entanto, no fim do século XX, momento
em que o consumo começava a despontar como campo específico de estudos, há o
desenvolvimento de uma visão do consumo associado a rebeldia ou resistência à
“ideologia dominante”. O consumo, como atividade, teria capacidade de
transferir há um objeto conotações particulares e inseparáveis, se tornando
“prática cultural”. Atividades como colecionar, presentear ou estilizar, nesse
prisma, passavam a resistir às forças do mercado.
Os desdobramentos dessa análise integrados
à introdução sobre o "artesão" constituem uma nova atividade
artesanal em que indivíduos exercem o controle sobre o processo de consumo e
trazem personalidade, habilidade, conhecimento e paixão à ação de consumir
denominada por Campbell como atividade artesanal. O “consumo artesanal” é
marcado pela realização das atividades de concepção, construção e consumo
simultaneamente, humanizado a mercadoria. Esse processo é marcado por rituais como
os de posse e de tratamento, que tem por função aproximar consumidor e produtos
produzidos em massa, trazendo esses produtos para o "mundo de sentido
individual".
Não se pode confundir atividades
artesanais com atividades como “customizar” e “personalizar”. Respectivamente,
essas atividades estão associadas a: (1) marcar produtos para indicar que são
propriedade particular sem modificações significativas na natureza do produto;
e (2) ajustar os produtos para atender suas necessidades, não implicando necessariamente
em um tipo de ação criativa implicada no termo consumidor artesão. Ainda nessas
ressalvas para evitar confusões, Campbell ressalta que o “consumo artesanal”
não envolve necessariamente a criação física de um produto, o que é realmente
“criado” são relações (identitárias, estéticas etc.) entre produtos que marcam
o modo de expressão da individualidade.
Há algumas balizas bastante flexíveis para
o desenvolvimento dessas atividades artesanais: uma certa quantidade de capital
monetário, capital cultural e preocupação com os "efeitos alienantes e
homogeneizantes do consumo de massa". Numa análise primaria, apontaríamos
essas atividades artesanais como pertencentes a um nicho da classe média, mas
não necessariamente. Essas atividades não envolvem necessariamente uma despesa
considerável, nas palavras do autor. Pensei na volta da popularidade dos brechós,
brechós on-line etc. por exemplo, que demonstram a afirmação de que as
atividades artesanais geram um aumento na demanda de uma ampla gama de bens e
serviços de consumo.
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