quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Resenha: O consumidor artesão (CAMPBELL, 2004)

 

CAMPBELL, Colin. O consumidor artesão: cultura, artesania e consumo em uma sociedade pós-moderna. Antropolítica, n. 17, 2 sem. 2004.

 

Campbell inicia o texto apresentando algumas imagens do consumidor: (1) uma primeira, oriunda da teoria econômica, que enxerga o consumidor como um ator ativo, que - dada a limitação de seus recursos - busca a maximizar a vantagem obtida, o "herói" de Salter; (2) uma segunda, comum nos estudos sobre a “sociedade de massa”, vê o consumidor como ator passivo, manipulado e explorado pelas forças do mercado, o "tolo" de Salter; (3) uma terceira, de génese da filosofia pós-moderna, percebe o consumidor como um manipulador dos significados simbólicos vinculados aos produtos, que escolhe os bens com a intenção de criar certa identidade; e (4) uma quarta imagem, objeto do artigo, o "consumidor artesão” com um desejo de expressar sua individualidade através da criatividade.

Apresentadas essas imagens, o autor passa a refletir sobre a construção da figura do "artesão", em um resgate histórico que lembra bastante da dualidade tecnofobia vs tecnofilia da antropologia da técnica. Campbell cita como no final do século XIX, a forma de trabalho dos artesãos era vista por como a "mais pura de todas as atividades humanas", enobrecedora, humanizadora, um modelo para expressão de humanidade. Esse artesão contrastaria com a realidade dos trabalhadores da revolução industrial, alienados, insatisfeitos e desumanizados pelos processos de manufatura. O consumo não ia em uma via muito diferente, pois não tinha nenhum potencial desalienante ou libertador, sendo visto por intelectuais e cientistas sociais de esquerda, como uma “coisa ruim”.

No entanto, no fim do século XX, momento em que o consumo começava a despontar como campo específico de estudos, há o desenvolvimento de uma visão do consumo associado a rebeldia ou resistência à “ideologia dominante”. O consumo, como atividade, teria capacidade de transferir há um objeto conotações particulares e inseparáveis, se tornando “prática cultural”. Atividades como colecionar, presentear ou estilizar, nesse prisma, passavam a resistir às forças do mercado.

 

Os desdobramentos dessa análise integrados à introdução sobre o "artesão" constituem uma nova atividade artesanal em que indivíduos exercem o controle sobre o processo de consumo e trazem personalidade, habilidade, conhecimento e paixão à ação de consumir denominada por Campbell como atividade artesanal. O “consumo artesanal” é marcado pela realização das atividades de concepção, construção e consumo simultaneamente, humanizado a mercadoria. Esse processo é marcado por rituais como os de posse e de tratamento, que tem por função aproximar consumidor e produtos produzidos em massa, trazendo esses produtos para o "mundo de sentido individual".

Não se pode confundir atividades artesanais com atividades como “customizar” e “personalizar”. Respectivamente, essas atividades estão associadas a: (1) marcar produtos para indicar que são propriedade particular sem modificações significativas na natureza do produto; e (2) ajustar os produtos para atender suas necessidades, não implicando necessariamente em um tipo de ação criativa implicada no termo consumidor artesão. Ainda nessas ressalvas para evitar confusões, Campbell ressalta que o “consumo artesanal” não envolve necessariamente a criação física de um produto, o que é realmente “criado” são relações (identitárias, estéticas etc.) entre produtos que marcam o modo de expressão da individualidade.

Há algumas balizas bastante flexíveis para o desenvolvimento dessas atividades artesanais: uma certa quantidade de capital monetário, capital cultural e preocupação com os "efeitos alienantes e homogeneizantes do consumo de massa". Numa análise primaria, apontaríamos essas atividades artesanais como pertencentes a um nicho da classe média, mas não necessariamente. Essas atividades não envolvem necessariamente uma despesa considerável, nas palavras do autor. Pensei na volta da popularidade dos brechós, brechós on-line etc. por exemplo, que demonstram a afirmação de que as atividades artesanais geram um aumento na demanda de uma ampla gama de bens e serviços de consumo.

 

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