quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Trajetória do Direito à educação: Direito Público Subjetivo

 Grupo da Educação Profissionalizante 

Francisco Octávio Bittencourt de Sousa – 190045809 

Ivo Braga de Siqueira – 170105784 

Raphaela Santana de Sousa - 211025308 

 

1- Com base no texto de Lisniowski (2016) e no conteúdo da aula síncrona, solicita-se que o grupo aborde o conceito de direito público subjetivo e o significado desse dispositivo constitucional para o direito à educação. A seguir, de acordo com a legislação educacional atual, qual é a abrangência educacional e a faixa etária do direito público subjetivo? (1,5). 

  

O direito público subjetivo é aquele dever do estado, uma capacidade que é garantida a uma pessoa devido a sua posição de cidadã, sem restrições. É o que garante, juridicamente, certo poder de reinvindicação às pessoas, sendo instrumento individual de defesa de direitos, nesse caso, o direito à educação.  

No que tange a educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, a família é obrigada a inserir a criança/jovem no sistema de ensino e tem, como ferramenta última para isso, o direito público subjetivo de reivindicar uma vaga no sistema seja no poder público (secretarias de educação, prefeituras, etc.), seja com o acionamento do poder judiciário para fazer cumprir o artigo 208 da Constituição Federal de 1988. O direito público subjetivo responsabiliza o Poder Público caso não haja oferta de vagas. 

Ainda no referido artigo, fica assegurada a oferta gratuita para todos que não tiveram acesso à educação na idade própria e a recusa de matrícula para jovens e adultos, que estejam amparados por esse artigo, é ato inconstitucional. Vale ressaltar que o artigo também contempla o direito ao ensino noturno gratuito adequado às necessidades do educando, ainda que sua oferta não seja obrigatória.  

  

2- Caso um(a) estudante encontre-se na faixa etária e no nível educacional que correspondem ao direito público subjetivo, mas não encontre vaga na escola pública próxima de sua residência, quem pode solicitar a vaga para este estudante? Qual medida deverá ser adotada pelo Poder Público (distrital, municipal ou estadual) para garantir o direito à educação? Justifique sua resposta. (1,5). 

  

De acordo com a o artigo 5 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída e, ainda, o Ministério Público, acionar o poder público para exigir a vaga para este estudante. Na Lei citada (art. 5º § 5º) não há uma definição clara de qual medida deverá ser adotada pelo Poder Público, há a afirmação de que “o Poder Público criará formas alternativas de acesso aos diferentes níveis de ensino”. Essas “formas alternativas” abrangem, por exemplo, a realização da matrícula em escolas conveniadas (comunitárias, confessionais ou filantrópicas). Nesse caso, o pagamento à escola se torna uma bolsa de estudos para o aluno. De toda forma, recomenda-se recorrer – inicialmente – ao conselho tutelar, e – posteriormente –, caso não solucionado, levar a demanda ao judiciário. 

 

3- O direito à educação é um direito de todos, conforme preceito constitucional (CF/88).  Com base nos dados do Anuário Brasileiro da Educação Básica (2020), cujo link está em anexo, solicita-se que cada grupo sintetize e evidencie as principais desigualdades educacionais no Brasil. (2,0). 

  

O inciso VII da Constituição Federal de 1988 exige do Estado brasileiro medidas que assegurem a permanência dos educandos na escola, esse inciso tem como objetivo reconhecer as desigualdades de acesso. O Estado brasileiro deve, ou deveria, garantir condições para que o exercício do direito à educação seja cumprido. A realidade é paralela, as políticas públicas vigentes não alcançam, com eficiência e precisão, aqueles em situação de vulnerabilidade e se torna ainda mais inalcançável para os que estão nos extremos do país.  

Em populações ribeirinhas, por exemplo, em que até o transporte é de difícil acesso, as crianças não recebem o mesmo ensino que as crianças que vivem nos centros urbanos.  Não apenas no Norte, o Nordeste também apresenta uma desigualdade absurda em relação as outras regiões do país. São escolas sucateadas, sem o mínimo de investimento em infraestrutura, em que falta desde livros até cadeiras e mesas e não é capaz de oferecer alimentação para os alunos.  

A falta de mobilidade urbana é outro fator importante a se considerar, que impulsiona o abandono escolar, pois muitas escolas se encontram longe de centros urbanos, é uma das maiores dificuldade enfrentadas por populações rurais além dos ribeirinhos. A falta de investimentos mínimos, previstos em lei, aumenta a evasão que segue o ritmo dos níveis escolares.  

Sendo assim, é possível afirmar que os principais desafios para a educação brasileira circundam os baixíssimos níveis de aprendizagem, a desintegração de políticas públicas para educação que levem em conta o contexto social das crianças e adolescentes, o grande contingente de crianças fora da escola, a ausência de dados e os cortes de programas de monitoramento e a formação e atratividade da carreira na docência. 

Muitos desses problemas ficaram ainda mais evidentes no contexto de pandemia, onde as desigualdades se tornaram gritantes. Nesse sentido, é preciso destacar que as desigualdades socioeconômicas se somam a disparidades regionais e tem sua expressão principal em alguns pontos: (1) de oportunidade de aprendizagem para alunos pobres e ricos, de redes públicas e privadas; (2) de acesso a infraestrutura e recursos tecnológicos; (3) de acesso/meios físicos para chegar as escolas; e (4) de oportunidade e recursos para conclusão do ensino. 

Por consequência das desigualdades listadas, o progresso individual fica cada vez mais estreito. Aquele que não consegue vencer as barreiras de acesso e de sucesso na educação está condenado a baixa mobilidade ocupacional e uma renda restrita. As melhores posições requerem cada vez mais escolaridade, ou seja, para alcançar um emprego de grande porte, é necessário um nível alto de escolaridade. De acordo com PNAD Educação 2019, apenas 48,8% da população acima de 25 anos possuem o ensino médio completo, apesar deste número estar em crescimento, ainda é um número muito baixo para um país onde a educação é obrigatória para todos. Isso evidencia a evasão escolar que, por consequência, acaba criando um ciclo onde as pessoas que abandonam as escolas e não alcançam o nível escolar necessário para ter uma boa renda ficam reféns das desigualdades sociais. 

 

Referências 

BRASIL. Constituição. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei número 9394, 20 de dezembro de 1996. 

LISNIOWSKI, Simone Aparecida.  Legitimidade jurídico-democrática do direito à educação. In: ROCHA, Maria Zélia Borba, PIMENTEL, Nara Pimentel (Orgs). Organização da educação brasileira: marcos contemporâneos.  Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2016. P. 59 a 98. 

O que fazer se a escola não tem para meu filho? Jusbrasil, 2018. Disponível em: <https://epdonline.jusbrasil.com.br/artigos/657856882/o-que-fazer-se-a-escola-nao-tem-vaga-para-meu-filho>. Acesso em: 15/08/2021 

TAFNER, Paulo. Brasil: o estado de uma nação. Rio de Janeiro. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 2006. 

PNAD Educação 2019: Mais da metade das pessoas de 25 anos ou mais não completaram o ensino médio. IBGE, 2020. Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/28285-pnad-educacao-2019-mais-da-metade-das-pessoas-de-25-anos-ou-mais-nao-completaram-o-ensino-medio>. Acesso em: 15/08/2021 

 

 

Resenha: O consumidor artesão (CAMPBELL, 2004)

 

CAMPBELL, Colin. O consumidor artesão: cultura, artesania e consumo em uma sociedade pós-moderna. Antropolítica, n. 17, 2 sem. 2004.

 

Campbell inicia o texto apresentando algumas imagens do consumidor: (1) uma primeira, oriunda da teoria econômica, que enxerga o consumidor como um ator ativo, que - dada a limitação de seus recursos - busca a maximizar a vantagem obtida, o "herói" de Salter; (2) uma segunda, comum nos estudos sobre a “sociedade de massa”, vê o consumidor como ator passivo, manipulado e explorado pelas forças do mercado, o "tolo" de Salter; (3) uma terceira, de génese da filosofia pós-moderna, percebe o consumidor como um manipulador dos significados simbólicos vinculados aos produtos, que escolhe os bens com a intenção de criar certa identidade; e (4) uma quarta imagem, objeto do artigo, o "consumidor artesão” com um desejo de expressar sua individualidade através da criatividade.

Apresentadas essas imagens, o autor passa a refletir sobre a construção da figura do "artesão", em um resgate histórico que lembra bastante da dualidade tecnofobia vs tecnofilia da antropologia da técnica. Campbell cita como no final do século XIX, a forma de trabalho dos artesãos era vista por como a "mais pura de todas as atividades humanas", enobrecedora, humanizadora, um modelo para expressão de humanidade. Esse artesão contrastaria com a realidade dos trabalhadores da revolução industrial, alienados, insatisfeitos e desumanizados pelos processos de manufatura. O consumo não ia em uma via muito diferente, pois não tinha nenhum potencial desalienante ou libertador, sendo visto por intelectuais e cientistas sociais de esquerda, como uma “coisa ruim”.

No entanto, no fim do século XX, momento em que o consumo começava a despontar como campo específico de estudos, há o desenvolvimento de uma visão do consumo associado a rebeldia ou resistência à “ideologia dominante”. O consumo, como atividade, teria capacidade de transferir há um objeto conotações particulares e inseparáveis, se tornando “prática cultural”. Atividades como colecionar, presentear ou estilizar, nesse prisma, passavam a resistir às forças do mercado.

 

Os desdobramentos dessa análise integrados à introdução sobre o "artesão" constituem uma nova atividade artesanal em que indivíduos exercem o controle sobre o processo de consumo e trazem personalidade, habilidade, conhecimento e paixão à ação de consumir denominada por Campbell como atividade artesanal. O “consumo artesanal” é marcado pela realização das atividades de concepção, construção e consumo simultaneamente, humanizado a mercadoria. Esse processo é marcado por rituais como os de posse e de tratamento, que tem por função aproximar consumidor e produtos produzidos em massa, trazendo esses produtos para o "mundo de sentido individual".

Não se pode confundir atividades artesanais com atividades como “customizar” e “personalizar”. Respectivamente, essas atividades estão associadas a: (1) marcar produtos para indicar que são propriedade particular sem modificações significativas na natureza do produto; e (2) ajustar os produtos para atender suas necessidades, não implicando necessariamente em um tipo de ação criativa implicada no termo consumidor artesão. Ainda nessas ressalvas para evitar confusões, Campbell ressalta que o “consumo artesanal” não envolve necessariamente a criação física de um produto, o que é realmente “criado” são relações (identitárias, estéticas etc.) entre produtos que marcam o modo de expressão da individualidade.

Há algumas balizas bastante flexíveis para o desenvolvimento dessas atividades artesanais: uma certa quantidade de capital monetário, capital cultural e preocupação com os "efeitos alienantes e homogeneizantes do consumo de massa". Numa análise primaria, apontaríamos essas atividades artesanais como pertencentes a um nicho da classe média, mas não necessariamente. Essas atividades não envolvem necessariamente uma despesa considerável, nas palavras do autor. Pensei na volta da popularidade dos brechós, brechós on-line etc. por exemplo, que demonstram a afirmação de que as atividades artesanais geram um aumento na demanda de uma ampla gama de bens e serviços de consumo.

 

quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Resenha "Comida e antropologia" - Mercado, ética, alimentação e consumo

 

MINTZ, SW. Comida e antropologia. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 16. n. 47, p. 31-41, 2001.

 

Essa breve revisão de Mintz ilumina uma série de questões que complexificam nosso olhar sobre a comida, propondo uma ligação desta à nossa identidade social. Elencando autores que trataram das formas de comer e o que comer, Mintz afirma que a comida segue balizas materiais, culturais e históricas, podendo ser compreendida como base para nos relacionarmos com a realidade.

Observando os processos de preparação da comida, o autor sugere que a comida expressa também um pacto social referente ao trabalho, visto que há uma divisão de gênero quando observamos quem é responsável por preparar o alimento (a associação das mulheres com a comida e com o cozinhar, e dos homens com a caça e a política). E, em uma escala mais ampla, nos é sugerido uma "globalização" da comida, ou seja, a difusão mundial de certos alimentos, como marca da colonização (me lembrou de "Imperialismo Ecológico" (1986) do Crosby), colocando a comida como capítulo vital na história da expansão capitalista, o que suscita outras questões sobre quando e como alimentar pessoas (ou dificultar que se alimentem), como fazer dinheiro com isso e quais os impactos sociais e econômicos locais dessa difusão de novos alimentos e novos sistemas de distribuição em todo o globo.

Daí é possível refletir sobre a comida como índice de mudança ou padronização social, refletindo em alguma medida o paradoxo referente ao incentivo das nações desenvolvidas para que nações pobres preservem o meio ambiente, enquanto estas lutam pelo direito de também "piorar" o planeta e almejam em alguma medida os mesmos problemas enfrentados pelas nações ricas (do ponto de vista alimentício, ressalta-se a obesidade, problemas circulatórios e cardíacos e muitos outros).

Outro ponto abordado no texto faz referência as comidas "nacionais", associadas a povos em particular, retomando a questão da identidade. Se me permite uma rápida reflexão, nesse ponto me lembrei do sucesso de programas como "Master Chef", em que diversas provas são montadas sobre a ideia de que certas comidas ou processos de preparação são associados a países ou regiões do globo (toda preparação francesa leva muita manteiga; as preparações asiáticas valorizam mais a diversidade de sentidos e sabores; os doces "brasileiros" são sempre "mais doces" e não agradam o paladar de jurados de outros países; a própria nacionalidade dos jurados etc.).

Já na parte final, Mintz traz diversas questões possíveis e que abastecerão a antropologia por muitos anos, por exemplo: o deslocamento de pessoas e alimentos, a separação crescente de produtores e consumidores, a disposição cada vez maior em consumir alimentos preparados, o declínio da habilidade culinária das classes médias etc. Como leitor com a mesma idade do texto, eu adicionaria a questão dos ultraprocessados, o crescimento do vegetarianismo e veganismo, o sucesso repentino de programas como o já citado Master Chef, a erradicação e o retorno da fome em meio a pandemia, a relação da classe média com o alimento nesse mesmo contexto.

Após a leitura, refletindo sobre a pesquisa que tenho desenvolvido junto aos Kalunga de Goiás, me parece que a restrição do território dos quilombolas pela grilagem resulta em uma menor produção de alimentos, incentivando o uso cada vez maior de agroquímicos, reforçando um pacote tecnológico que prevê formas de uso e relação com a terra.

domingo, 15 de agosto de 2021

Século XIX - A construção nacional

 

Século XIX - A construção nacional

Francisco Octávio B. de Sousa

 

Antecedentes: O Brasil entrou no século 19 com grande aspiração de autonomia, no embalo da Inconfidência Mineira (1789) e da Conjuração Baiana (1798). A América Lusitana estava dividida em três estados portugueses: o Estado do Brasil (propriamente dito), com capital no Rio de Janeiro, o Estado do Grão Pará e Rio Negro, com capital em Belém, e o Estado do Maranhão e Piauí, com capital em São Luís. Apesar de habitarem estados portugueses, os brasileiros não tinham as mesmas oportunidades que os portugueses de Portugal.

 

1808: A Corte Portuguesa chega em terras brasileiras: Com a chegada da Família Real, em 1808, o Brasil ganhou novo status, passando a sede da Coroa Portuguesa. Em 1815 foi elevado a Reino. Em 1821, o Reino Unido Lusitano foi transformado em uma Monarquia Parlamentar, governado pelas Cortes de Lisboa. Esse processo resultou na Guerra da Independência do Brasil.

No desembarque em Salvador tocava: "Cheguei (cheguei)/Cheguei chegando/Bagunçando a zorra toda/E que se dane/Eu quero mais é que se exploda/Porque ninguém vai estragar meu dia/Avisa lá, pode falar" (Ludmilla, 2017).

 

1822: Declaração da Independência do Brasil: os portugueses, em Portugal, não apreciaram, em geral, a nova condição do Brasil e buscaram revertê-la, transformando o regime de governo em uma Monarquia Parlamentar, comandada pelas Cortes de Lisboa, desde janeiro de 1821. Em setembro, do mesmo ano, as Cortes determinaram que as províncias seriam comandadas por juntas provisórias de governo, eleitas nas próprias províncias. O poder do Príncipe Regente tornou-se simbólico, na verdade, as Cortes determinaram que o Príncipe não tinha lugar no Brasil. Os governos provisórios das províncias brasileiras despachavam diretamente com as Cortes de Lisboa. Mas o Príncipe Dom Pedro, não tinha simpatias pelas Cortes de Lisboa. Forças políticas portuguesas exigiram o retorno do Príncipe Regente D. Pedro à Portugal. O Príncipe negou-se a sair do Brasil. Em Sete de Setembro de 1822, quando o Príncipe deu seu grito de guerra Independência ou Morte, marcou-se o rompimento de Dom Pedro com Portugal, resultando na Guerra de Independência, em âmbito nacional. Não se sabe exatamente o que foi dito pelo Príncipe, na área do Ipiranga, em complemento ao seu grito de guerra. Os relatos são contraditórios e publicados muito depois. Não houve ali uma "proclamação de independência", como querem alguns autores, mas não há dúvidas que foi naquele momento que o Príncipe avisou que lutaria por ela. A partir de então, ficou claro que era um processo sem volta. A Independência do Brasil foi um processo que se estendeu de 1822 a 1824. A adesão à causa da Independência foi em província por província. Aquelas cujo governo não aderiu, foram conquistadas, uma a uma. Estados Unidos, Portugal e Inglaterra, a maior potência da época, reconheceram o Brasil como nação soberana. A paz foi selada pelo Tratado de Amizade e Aliança, de 1825, entre Brasil e Portugal, mediado pela Grã-Bretanha.

Registros encontrados recentemente demonstram que D. Pedro cantou na beira do Ipiranga: “O sol rachando já passou do meio dia/Daqui não saio, daqui ninguém me tira” (Munhoz & Mariano, 2012).

 

1824: Promulgação da 1ª Constituição do Brasil (outorgada): instituía um governo monárquico e hereditário, constitucional, parlamento bicameral, voto indireto e censitário, divisão do território em províncias, conselho de estado, catolicismo e divisão administrativo em 4 poderes. O autoritarismo que marcou o processo de outorga da Constituição de 1824 inaugurou uma fase na história política do Brasil, onde a centralização política se transformou em uma prática severamente questionada. Mesmo contando com alguns princípios de natureza liberal, a Constituição de 1824 também foi marcada por uma série de dispositivos contrários ao seu aparente liberalismo. A centralização dos poderes acabava gerando a insatisfação de muitos dos representantes políticos do período. D. Pedro I depôs o então governador, Manuel de Carvalho Paes de Andrade, e indicou um substituto para o cargo. A troca do governo seria o último episódio que antecedeu a formação do movimento que ficou conhecido como Confederação do Equador, esse ganhou tal nome em razão de sua proximidade geográfica com a Linha do Equador. A Confederação, que se iniciou com a ação de lideranças e populares pernambucanos, logo tomou corpo e conseguiu a adesão de outros estados do nordeste. Rio Grande do Norte, Ceará e Paraíba também se juntaram ao movimento. Impassíveis às tentativas de negociação do Império, os revoltosos buscaram criar uma constituição de caráter republicano e liberal. Além disso, o novo governo resolveu abolir a escravidão e organizou forças contra as tropas imperiais. Depois de estabelecidas as primeiras ações da Confederação, alguns de seus líderes decidiram abandoná-la. Tudo isso porque alguns integrantes da revolta defendiam a radicalização de algumas ações do novo governo. Frei Caneca, Cipriano Barata e Emiliano Munducuru acreditavam que a ampliação de direitos políticos e reformas no campo social eram medidas urgentes no novo poder estabelecido. Com isso, os integrantes da elite que apoiaram a Confederação se retiraram do levante. De outro lado, o governo imperial tomou medidas severas contra o movimento separatista. Dom Pedro I pediu empréstimos à Inglaterra e contratou mercenários ingleses para que lutasse contra os revoltosos. Não resistindo ao enfraquecimento interno do movimento e a dura reação imperial, a Confederação do Equador teve seu fim. Inicia-se a crise do Primeiro Reinado.

D. Pedro bateu com o cetro na mesa cantando: "Tem que ser coletivo/Aqui manda quem pode, obedece quem tem juízo" (Menor do Chapa, 2015).

 

1825: Guerra da Cisplatina: conflito travado pelo Império do Brasil contra as Províncias Unidas do Rio da Prata (atual Argentina) pelo controle da Cisplatina, região que atualmente conhecemos como Uruguai. Essa foi a primeira guerra de que o Brasil participou como nação independente e estendeu-se de 1825 a 1828. O resultado do confronto foi desastroso para o Brasil, que, além de perder a Cisplatina, teve de amargar uma intensa crise econômica. Os gastos com o conflito foram gigantescos e quebraram a economia brasileira. Além disso, essa situação foi agravada pelo fato de que, durante os anos da guerra, a Casa da Moeda emitiu grande volume de moeda, o que causou a sua desvalorização. A guerra também contribuiu para desgastar a imagem de D. Pedro I. O imperador vinha sofrendo um desgaste contínuo desde 1822 por causa de seu autoritarismo. Ao final da guerra, a derrota e a crise econômica fizeram a sua popularidade despencar.

Barões brasileiros da região de Pisadinha contaram a história na seguinte canção: "Tava tudo decorado/Friamente calculado/Na minha mente/Hoje era o fim da gente/Mas quando eu tava cara a cara/Falei nada com nada/Aconteceu aquele imprevisto" (Os Barões da Pisadinha, 2021).

 

1831: Dom Pedro I abdica do Trono: em 7 de abril de 1831, D. Pedro I foi forçado a deixar o trono em favor de seu filho, Dom Pedro II, então com cinco anos de idade. De um lado os absolutistas, que defendiam a ordem e a propriedade privada, mas também o imperador e seus abusos contrários à legalidade, e de outro os liberais, que, embora também defendessem a ordem e a propriedade privada, defendiam a liberdade constitucional. Inicialmente muitos membros da elite nacional se colocaram ao lado de D. Pedro I, especialmente porque passaram a ocupar cargos administrativos e receber títulos honoríficos. Mas, com o passar do tempo, os brasileiros foram passando para o lado dos liberais, e os portugueses saíam em defesa do imperador. Entre a população urbana e o exército o sentimento contrário aos portugueses era bastante comum. Assim, o exército foi se afastando do imperador, tendo em vista que sua base era composta de pessoas pobres dos centros urbanos e as condições de trabalho não eram das melhores. O atraso no pagamento e a disciplina eram traços marcantes da atividade no exército. Em março de 1831 o Imperador retorna de uma viagem à Minas Gerais, onde não foi bem recebido. Os portugueses decidem promover festejos em sua homenagem, demonstrando apoio. Os brasileiros então reagiram e os conflitos nas ruas duraram poucos dias. Em um deles um evento conhecido como noite das garrafadas aconteceu. Brasileiros atacaram casas de portugueses, que responderam com garrafas e cacos de vidro. Iniciaram-se assim as manifestações contrárias ao imperador, com os comandantes aderindo à revolta. Com a situação cada vez mais insustentável, D. Pedro I se viu obrigado a abdicar do trono em abril de 1831.

Dizem que a melancolia de D. Pedro foi narrada na canção: "Melhor eu ir/Tudo bem vai ser melhor só/Se teve que ser assim/É que pensando bem nunca existiu nós/Só eu que pensei na gente/Ainda que demorei pra terminar, dói" (Péricles, 2015).

 

1831: Período Regencial: foi o momento da História do Brasil entre o Primeiro e o Segundo Reinado. Teve início depois que Dom Pedro I abdicou ao trono (1831) e se entendeu até o denominado Golpe da Maioridade, quando D. Pedro II passou a governar o império. O período é marcado por intensos conflitos político-sociais realizados em todo país e é dividido em Regência Trina Provisória, Trina Permanente, Una do Padre Feijó e Una de Araújo Lima. As más condições sociais e a pouca contribuição do governo central com as regiões fizeram surgir conflitos em diversos estados do Brasil. Os principais deles foram:

 

         Balaiada: realizada na província do Maranhão entre 1838 a 1841. Contou com a participação de escravos e fazendeiros. As principais causas da Balaiada estão ligadas à pobreza da população da província maranhense, bem como sua insatisfação diante dos desmandos políticos dos grandes fazendeiros da região.

         Cabanagem: movimento realizado na província do Grão-Pará (Pará, Amazonas, Amapá, Roraima e Rondônia) e teve como objetivo a independência da região.

         Guerra dos Farrapos: também conhecida como Revolução Farroupilha, a revolta foi mobilizada pelos grandes proprietários de terra do Rio Grande do Sul, insatisfeitos com os altos impostos cobrados pelo governo imperial sobre seus produtos. Por isso, constataram que a separação e a república seriam uma forma de obter liberdade comercial e política.

         Revolta dos Malês: realizada na Bahia em 1835, foi organizada por escravos de origem islâmica que buscavam liberdade religiosa.

         Sabinada: outro movimento baiano realizado entre 1837 e 1838, tinha como objetivo construir uma república separada do restante do país até a maioridade de D. Pedro II.

O contexto fala por si: "Vish, muita tretae vish, muita treta vish/Muita treta vish vish vish vish" (Apocalipse 16, 2010).

 

1847: Golpe da Maioridade. Dom Pedro II assume o trono brasileiro: garantiu ascensão ao trono de D. Pedro II, em 23 de julho de 1840, aos 14 anos. A antecipação da maioridade foi a estratégia do Partido Liberal para dar fim ao Período Regencial (1831-1840), quando o Brasil foi governado por regências. O objetivo do Golpe da Maioridade era restabelecer a estabilidade política ao Brasil. O País estava marcado por confrontos políticos e sociais no Primeiro Reinado (1822-1831) e que se mantinham no Período Regencial (1831-1840). Com o Golpe, inicia-se o Segundo Reinado, período que se estendeu por 49 anos e que pode ser dividido da seguinte maneira:

 

         Consolidação (1840-1850): quando o imperador estava no poder e estabeleceu-o, a seu modo, sobre o país, colocando políticos e províncias rebeldes sob seu controle.

         Auge (1850-1865): quando o poder do imperador era amplo e sua posição estava consolidada.

         Declínio (1865-1889): quando surgem contestações contra a posição de D. Pedro II, e a economia do país não ia bem.

 

A distribuição do poder durante o Segundo Reinado acontecia de forma que o imperador tivesse amplos poderes na política. O imperador representava pessoalmente o Poder Moderador e estava à frente do Executivo. No Executivo também constava o Conselho de Estado. No caso do Legislativo, destacam-se os cargos de senador e deputado. Por fim, da política brasileira, um último e importante destaque a ser mencionado é o que ficou conhecido como parlamentarismo às avessas. O Brasil funcionava como uma monarquia parlamentarista na qual o imperador interferia na política sempre que fosse necessário para garantir seus interesses. Assim, se fosse eleito um primeiro-ministro que não lhe agradasse, ele o destituía, e se a Câmara tomasse medidas que não lhe agradassem, ela era dissolvida. Em termos econômicos, o grande destaque vai para a economia cafeeira, que se consolidou durante o Segundo Reinado como o principal meio de produção da economia brasileira. As zonas produtoras de café do Brasil nesse período foram três: Vale do Paraíba (RJ/SP), Oeste Paulista (SP) e Zona da Mata (MG). A produção do café aconteceu (primeiramente no Vale do Paraíba) utilizando-se, principalmente, de trabalhadores escravizados. Inclusive, à medida que o número de escravos foi sendo reduzido no país, as regiões produtoras de café tornaram-se grandes compradoras de escravos. O Oeste Paulista utilizou, a princípio, a mão de obra escrava, mas, ao longo da década de 1880, essa foi substituída pelos imigrantes que passaram a chegar em grande volume no país. Outro momento importante da economia brasileira, durante o Segundo Reinado, foi o de grande crescimento econômico marcado por algum desenvolvimento industrial: a Era Mauá. Tal prosperidade econômica aconteceu entre 1840-1860, e nela as receitas do Brasil aumentaram quatro vezes.

Os representantes do Partido Liberal buscaram Pedro II cantando: "Novinho safadinho, hoje eu vou falar pra tu/Eu quero é tu" (Mc Jaja, 2013).

 

1850: Publicação da Lei Eusébio de Queiroz que proibiu o tráfico de escravos: o crescimento econômico desse período é muito atribuído ao reflexo do fim do tráfico negreiro no país por meio da Lei Eusébio de Queirós, de 1850. Com essa lei, o tráfico negreiro foi proibido, e todos os recursos, que antes eram utilizados na aquisição de escravos, passaram a servir para outros investimentos. As exportações do país aumentaram, e o investimento em estradas de ferro, por exemplo, aumentou bastante.

Era o início de uma campanha pelo fim da escravidão: "Deixa eu dançar, deixa eu dançar/Ai, me solta, porra!" (Nego do Borel, 2018).

 

1864: Início da Guerra do Paraguai: A Guerra do Paraguai foi reflexo da consolidação das nações da bacia platina (Argentina, Uruguai, Brasil e Paraguai) e resultou em enorme destruição e grande saldo de mortos. Conflito de maior duração e proporção de toda a história da América do Sul, a Guerra do Paraguai foi um grande divisor de águas para todos os países envolvidos. Nessa guerra, Brasil, Argentina e Uruguai, por meio da Tríplice Aliança, lutaram contra o Paraguai, governado nessa época por Francisco Solano López. O Brasil venceu esse conflito, mas suas consequências para a economia do país e para a monarquia foram ruins. Para o Brasil, a guerra gerou forte impacto na economia, uma vez que os gastos do Brasil foram 11 vezes o orçamento anual do país em 1864. Além disso, o governo brasileiro saiu bastante endividado, sobretudo com bancos ingleses, em decorrência dos empréstimos feitos para financiar o conflito. A guerra também fortaleceu o exército como instituição e marcou o início da decadência da monarquia. Em relação à quantidade de mortos, o saldo foi o seguinte:

 

         Uruguai: 3.120 mortos;

         Argentina: 18 mil mortos;

         Brasil: 50 mil mortos;

         Paraguai: 150 mil mortos (não há consenso entre pesquisadores).

 

O Paraguai foi a nação mais prejudicada na guerra, afinal, grande parte das batalhas aconteceu em território paraguaio, o que lhe causou grande destruição material. A nação ainda foi obrigada a abrir mão dos litígios territoriais que travava com Brasil e Argentina.

Cansados da perseguição infundada a Solano López, os militares cantavam para D. Pedro II:Vem de chicote, algema, corda de alpinista, aí que eu percebi que o cara é sadomasoquista” (Deize Tigrona, 2021).

 

1888: A princesa Isabel assina a Lei Áurea que aboliu a escravidão: Durante o Segundo Reinado, a abolição da escravatura foi um dos temas centrais e alvo de debates acalorados nos meios políticos. O ponto de partida para que a abolição fosse decretada no Brasil foi a Lei Eusébio de Queirós, decretada em 1850 e que estipulava a proibição do tráfico negreiro no país. Com essa lei, a abolição era questão de tempo, uma vez que era o tráfico que mantinha o elevado número de escravos no Brasil. Iniciou-se aqui uma transição lenta e gradual, na qual o objetivo da elite econômica do país era postergar a abolição tanto quanto fosse possível. Durante esse período de transição, foram decretadas diversas leis, como a Lei de Terras, Lei do Ventre Livre e Lei dos Sexagenários. A abolição da escravatura aconteceu em 13 de maio de 1888, quando a princesa Isabel assinou a Lei Áurea. O fim da escravidão foi resultado de uma intensa mobilização popular e da ação dos escravos rebelando-se contra essa instituição.

Essa não tem meme! A música realmente reflete sobre o século XIX e a Lei Áurea: "Liberdade, liberdade!/Abra as asas sobre nós (bis)/E que a voz da igualdade/Seja sempre a nossa voz" (Imperatriz Leopoldinense (RJ), 1989).

 

1889: Proclamação da República: aconteceu no dia 15 de novembro de 1889. Resultado de um levante político-militar que deu início à República Federativa Presidencialista. Fica marcada a figura de Marechal Deodoro da Fonseca como responsável pela efetiva proclamação e como primeiro Presidente da República brasileira em um governo provisório (1889-1891). Sempre contrário ao movimento republicano e defensor da Monarquia como deixa claro em cartas trocadas com seu sobrinho Clodoaldo da Fonseca em 1888 afirmando que apesar de todos os seus problemas a Monarquia continuava sendo o “único sustentáculo” do país, e a república sendo proclamada constituiria uma “verdadeira desgraça” por não estarem, os brasileiros, preparados para ela. Os problemas no Império estavam em várias instâncias que davam base ao trono de Dom Pedro II:

 

         A Igreja Católica: Descontentamento da Igreja Católica frente ao Padroado exercido por D. Pedro II que interferia em demasia nas decisões eclesiásticas.

         O Exército: Descontentamento dos oficiais de baixo escalão do Exército Brasileiro pela determinação de D. Pedro II que os impedia de manifestar publicamente nos periódicos suas críticas à monarquia.

         Os grandes proprietários: Após a Lei Áurea ascende entre os grandes fazendeiros um clamor pela República, conhecidos como Republicanos de 14 de maio, insatisfeitos pela decisão monárquica do fim da escravidão se voltam contra o regime. Os fazendeiros paulistas que já importavam mão de obra imigrante, também estão contrários à monarquia, pois buscam maior participação política e poder de decisão nas questões nacionais.

         A classe média urbana: As classes urbanas em ascensão buscam maior participação política e encontram no sistema imperial um empecilho para alcançar maior liberdade de econômica e poder de decisão nas questões políticas.

 

A República Federativa Brasileira nasce pelas mãos dos militares que se veriam a partir de então como os defensores da Pátria brasileira. A República foi proclamada por um monarquista. Deodoro da Fonseca assim como parte dos militares que participaram da movimentação pelas ruas do Rio de Janeiro no dia 15 de novembro pretendiam derrubar apenas o gabinete do Visconde de Ouro Preto. No entanto, levado ao ato da proclamação, mesmo doente, Deodoro age por acreditar que haveria represália do governo monárquico com sua prisão e de Benjamin Constant, devido à insurgência dos militares. A Maçonaria e os maçons permanecem presentes entre as lideranças brasileiras desde a Independência, aliados aos ideais da filosofia Positivista, unem-se na formação do Estado Republicano, principalmente no que tange o Direito. A filosofia Positivista de Auguste Comte esteve presente principalmente na construção dos símbolos da República. Desde a produção da Bandeira Republicana com sua frase que transborda a essência da filosofia Comteana “Ordem e Progresso”, ou no uso dos símbolos como um aparato religioso à religião republicana. A nova organização brasileira pouco ou nada muda nas formas de controle social, nem mesmo há mudanças na pirâmide econômica, onde se agrupam na base o motor da economia, e onde estão presentes os extratos mais pobres da sociedade, constituída principalmente por ex-escravizados e seus descendentes. Já nas camadas mais altas dessa pirâmide econômica organizam-se oligarquias locais que assumem o poder da máquina pública gerenciando os projetos locais e nacionais sempre em prol do extrato social ao qual pertencem. Não há uma revolução, ou mesmo grandes mudanças com a Proclamação da República, o que há de imediato é a abertura da política aos homens enriquecidos, principalmente pela agricultura. Enquanto o poder da máquina pública no Império estava concentrado na figura do Imperador, que administrava de maneira centralizadora as decisões políticas, na República abre-se espaço de decisão para a classe enriquecida que carecia desse poder de decisão política.

A última carta de Pedro II para Deodoro continha a seguinte mensagem: "E aí, compensou me largar?/Cadê suas amizades?/Os seus esqueminhas?/Que você falava e falava que tinha/É isso que cê chama de volta por cima/"Cê" deu foi volta por baixo amor/Cadê o melhor que eu que você arrumou?" (Henrique e Juliano, 2020).

 

Livres e pobres no século XIX: Eles eram, principalmente, descendentes de portugueses, africanos e indígenas e já estavam integrados àquela sociedade no momento da chegada dos imigrantes europeus. Os primeiros trabalhos sobre os homens livres pobres, da mesma forma que sobre os ‘desclassificados’, projetaram-lhes um perfil violento, mas, ao mesmo tempo, passivo diante de sua exploração. Essa visão foi contestada nos anos 1980, demonstrando a complexidade do mundo rural brasileiro dos Séculos XIX e XX, salientando a diversidade da estrutura fundiária e suas resistências frente ao processo de expropriação. Os pequenos posseiros também se valeram da legislação para efetivar suas posses e fazer frente aos litígios contra os grandes possuidores de terras. Também é perceptível a utilização do homem livre e pobre como um “escudo humano” frente aos “perigos da mata”. Se existia uma fronteira agrária aberta na região, era, principalmente, devido à insegurança existente no mato, tanto por causa dos possíveis ataques dos indígenas quanto de foragidos e outros grupos que perambulavam pela região.

 

Indígenas no século XIX: enquadrados entre o extermínio e a mudança de hábitos, de práticas e de valores, estão os povos indígenas, que em um primeiro momento do século são colocados como a personificação da nação brasileira, especialmente os da etnia Tupi-Guarani, tidos como o “bom selvagem”, ilustrados nas obras de José de Alencar, como “Iracema” e “O Guarani”, bem como nas obras de outros autores da época. Essa imagem mitificada do "indígena bom" contrasta com relatos descrevendo indígenas “selvagens, bestas, primitivos”, presente nos sertões, que praticavam insurreições elencadas como a barbárie, a exemplo do roubo de gado e de bens materiais, do incêndio de propriedades e de plantações, do assassinato de fazendeiros, do afugentamento de viajantes pelas estradas, dentre outros ocorridos, como formas de resistir ao processo de ocupação de suas terras e de reagir às tentativas civilizatórias por parte das sociedades coloniais. Até mesmo dentro dos próprios aldeamentos ocorriam resistências para com a arbitrariedade praticada pelos missionários ou diretores provinciais. Diversas populações indígenas, em diferentes províncias, mantinham seus ritos tradicionais e passaram a utilizar também de meios legais para demonstrar sua insatisfação para com a forma de tratamento dentro dos aldeamentos. Mesmo com as perseguições e massacres, os povos indígenas seguiram resistindo às pressões estatais, apesar de marginalizados e desassistidos.

 

Negros no século XIX: o século XIX foi marcado por mudanças na sociedade escravista (inicialmente estável e considerada por parte da sociedade do período como necessária). Ir contra a escravidão era ir contra os interesses do Brasil, não só das elites, mas de várias camadas sociais. A escravidão era um consenso e a reprodução social dependia de um fluxo constante de pessoas escravizadas. Ao longo dos oitocentos, questões internas e externas fazem com que a escravidão mude de tom. Internacionalmente, se tornava cada vez mais difícil sustentar a continuidade da escravidão desde de 1831 ao menos, quando o Brasil se compromete a acabar com a escravidão. Em decorrência dessa mudança de pensamento e da proibição do tráfico atlântico de pessoas escravizadas, a propriedade escrava se tornou cada vez mais concentrada. Os escravizados se tornaram artigo de luxo com os preços cada vez maiores. Pequenos proprietários passaram a vender seus escravizados aos grandes proprietários, promovendo o tráfico interno e a concentração de escravizados em áreas de pujança econômica. Somente em 1850, com a Lei Eusébio de Queiroz, a burocracia e as instituições de estado passam a combater o tráfico. A escravidão da segunda metade do XIX já não era a mesma dos dois séculos anteriores: é nesse período que se cristaliza a imagem do rico proprietário de escravos na casa grande. A Abolição em 1888, apesar de representar uma importante conquista, não veio acompanhada de um plano de integração dessas pessoas à sociedade, resultando na continuidade de preconceitos e marginalização da população negra.

 

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