Professor: Carlos
Emanuel Sautchuk
Estágio docente de
mestrado: Yves Seraphim e Salomão Pereira
Discente:
Francisco Octávio Bittencourt de Sousa (Matrícula: 190045809)
Prova
Escrita
a) Com base nas ideias de Hui e de
Danovski & Viveiros de Castro, discorra sobre a tecnologia moderna. Explore
a noção alargada de técnica utilizada por estes autores. Para eles, a consideração da diversidade
técnica poderia sustentar uma resistência epistemológico-política ao
Antropoceno? Explique.
As reflexões de Hui e de Danovski &
Viveiros de Castro se articulam entorno da crise de escala planetária em que estamos vivendo. Os
impactos antrópicos no planeta se aproximam das mudanças que marcam mudanças
de eras geológicas, e, por essa razão, chamamos esse período de Antropoceno.
Há um amplo debate sobre quando o Antropoceno começou, há quem atribua o
marco inicial ao início da agricultura, outros a Revolução Industrial ou ao
uso intensivo do petróleo. Fato é que todos esses marcos estão ligados a modos
de relação dos humanos com o ambiente. Sendo
assim, a crise do Antropoceno é decorrente da forma dos humanos se
relacionarem com os não humanos. Essa relação é chamada de técnica.
Não há uma única técnica, como a tecnologia moderna (ou seja, a forma
de humanos se relacionarem com o meio na era moderna) insiste em fazer
parecer. Foi justamente a crença nessa linha única de desenvolvimento que
levou à crise. E,
nos textos, é a diversificação das técnicas (compreendendo Tecnologia
ou Técnica como noções políticas historicamente contidas) a saída possível,
porém amarga em alguma medida, posto que representa alterações na tecnologia
dominante. É o que chamam de tecnodiversidade que fará frente ao
Antropoceno. Nem o simplismo tecnofóbico (que prega um retorno a vida nos
moldes de séculos passados, como pode ser observado no filme "A
Vila" de Shyamalan), nem a tara tecnofílica (acreditar que o avanço
implacável da tecnologia moderna, nos atuais moldes, nos levará a um futuro
transumanista) são alternativas para os autores em análise. Dessa
forma, o desafio do antropólogo está em observar como as técnicas se
apropriam da Técnica e propõem novos estilos de coexistir e contribuir
com uma ampliação do debate a partir da dimensão empírica: quando a
antropologia olha para as soluções e percebe a complexidade dos fenômenos
tendo o problema ligado a uma escolha tecnológica possível, abre-se o espaço
para um novo diálogo sobre formas de viver, de construir relações. |
a) Quais são e o que significam os cinco
componentes da técnica para Lemonnier? O que ele quer dizer com “operações
estratégicas”? Explique com exemplos de sua própria experiência.
No texto formativo/programático da área,
escrito na virada dos anos 80, Lemonnier descreve cinco componentes
principais da técnica, sendo eles: matéria, energia, objetos, gestos, conhecimento
específico. O autor não está olhando
para a técnica "de fora" (seus efeitos, consequências), mas sim
para o processo em si: 1. Matéria: o material, espaço, componente
físico ou corpo afetado/transformado/moldado pela técnica; 2. Energia:
o combustível que move os objetos que moldam a matéria; 3. Objetos: os
meios de trabalho, as ferramentas usadas para afetar a matéria; 4. Gestos:
parte da sequência de ações/movimentos que movem os objetos envolvidos na
técnica; 5. Conhecimento específico: o "saber como", o
conhecimento operacional sobre o método à se recorrer para obter um
produto/um fim esperado. Lemonier
nos diz que alterações/variações/mudanças/inovações nesses cinco componentes
são pontos de partida para a pesquisa dentro da antropologia da técnica. Para
ele, é particularmente instigante observar variações nas operações
estratégicas, espécies de "pontos de não retorno", que não
podem ser atrasadas, canceladas ou substituídas sem causar impactos
significativos no resultado final do processo. Recentemente
tenho refletido sobre o processo de grilagem de terras no cerrado e me
atentado especialmente para as formas de desmatamento. É comum ouvir falar de
"desmatamento" como uma categoria ampla que passa a ideia de ser
homogenia por todo o território nacional, o que não é bem verdade. Existem
inúmeras técnicas de desmatamento. O "correntão", bastante
"popular" nas áreas de cerrado, altera um determinado espaço
utilizando dois tratores e uma corrente com elos robustos presa a barra de
tração do trator com um rendimento considerável, tanto que mesmo após sua
proibição em 2016 continua sendo utilizado de maneira irregular. Uma
abordagem desse método de desmatamento seria possível dentro da proposta de
Lemonier. A área a ser desmatada seria a matéria; a energia
seria provida pelos tratores, que são alimentados por algum tipo de
combustível (como diesel ou gasolina) e operados por humanos; os objetos
seriam os tratores, a corrente, os olhos giratórios (que devem ser colocados
em alguns elos da corrente para evitar a torção e a consequente ruptura), os
lastros (objetos pesados presos na corrente para reforçar a capacidade de
arraste) etc; a forma de operar os tratores mantendo uma distância de 1/3 do
comprimento da corrente e o número de passadas compõem os gestos; e as
definições quanto ao tipo de corrente, peso da corrente, peso do lastro,
comprimento da corrente, potência do trator, distância dos lastros etc
compõem os conhecimentos específicos dessa forma de desmatamento. Como
operações estratégicas há que destacar a forma correta de acoplamento
entre a corrente e a barra de tração do trator (se feita da forma errada
resulta pode resultar em acidentes e inviabilizar o serviço), a potência
adequada ao tipo e tamanho da corrente e da vegetação (tratores com baixa potência
podem ser incapazes de derrubar árvores com grandes diâmetros). |
Nenhum comentário:
Postar um comentário