sexta-feira, 25 de junho de 2021

Prova Escrita – 2° 2020 – DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA – ANTROPOLOGIA DA TÉCNICA

 

Professor: Carlos Emanuel Sautchuk

Estágio docente de mestrado: Yves Seraphim e Salomão Pereira

Discente: Francisco Octávio Bittencourt de Sousa (Matrícula: 190045809)

 

Prova Escrita

a)         Com base nas ideias de Hui e de Danovski & Viveiros de Castro, discorra sobre a tecnologia moderna. Explore a noção alargada de técnica utilizada por estes autores.  Para eles, a consideração da diversidade técnica poderia sustentar uma resistência epistemológico-política ao Antropoceno? Explique.

As reflexões de Hui e de Danovski & Viveiros de Castro se articulam entorno da crise de escala planetária em que estamos vivendo. Os impactos antrópicos no planeta se aproximam das mudanças que marcam mudanças de eras geológicas, e, por essa razão, chamamos esse período de Antropoceno. Há um amplo debate sobre quando o Antropoceno começou, há quem atribua o marco inicial ao início da agricultura, outros a Revolução Industrial ou ao uso intensivo do petróleo. Fato é que todos esses marcos estão ligados a modos de relação dos humanos com o ambiente.

            Sendo assim, a crise do Antropoceno é decorrente da forma dos humanos se relacionarem com os não humanos. Essa relação é chamada de técnica. Não há uma única técnica, como a tecnologia moderna (ou seja, a forma de humanos se relacionarem com o meio na era moderna) insiste em fazer parecer. Foi justamente a crença nessa linha única de desenvolvimento que levou à crise.

            E, nos textos, é a diversificação das técnicas (compreendendo Tecnologia ou Técnica como noções políticas historicamente contidas) a saída possível, porém amarga em alguma medida, posto que representa alterações na tecnologia dominante. É o que chamam de tecnodiversidade que fará frente ao Antropoceno. Nem o simplismo tecnofóbico (que prega um retorno a vida nos moldes de séculos passados, como pode ser observado no filme "A Vila" de Shyamalan), nem a tara tecnofílica (acreditar que o avanço implacável da tecnologia moderna, nos atuais moldes, nos levará a um futuro transumanista) são alternativas para os autores em análise.

            Dessa forma, o desafio do antropólogo está em observar como as técnicas se apropriam da Técnica e propõem novos estilos de coexistir e contribuir com uma ampliação do debate a partir da dimensão empírica: quando a antropologia olha para as soluções e percebe a complexidade dos fenômenos tendo o problema ligado a uma escolha tecnológica possível, abre-se o espaço para um novo diálogo sobre formas de viver, de construir relações.

 

a)         Quais são e o que significam os cinco componentes da técnica para Lemonnier? O que ele quer dizer com “operações estratégicas”? Explique com exemplos de sua própria experiência.

No texto formativo/programático da área, escrito na virada dos anos 80, Lemonnier descreve cinco componentes principais da técnica, sendo eles: matéria, energia, objetos, gestos, conhecimento específico.  O autor não está olhando para a técnica "de fora" (seus efeitos, consequências), mas sim para o processo em si: 1. Matéria: o material, espaço, componente físico ou corpo afetado/transformado/moldado pela técnica; 2. Energia: o combustível que move os objetos que moldam a matéria; 3. Objetos: os meios de trabalho, as ferramentas usadas para afetar a matéria; 4. Gestos: parte da sequência de ações/movimentos que movem os objetos envolvidos na técnica; 5. Conhecimento específico: o "saber como", o conhecimento operacional sobre o método à se recorrer para obter um produto/um fim esperado.

            Lemonier nos diz que alterações/variações/mudanças/inovações nesses cinco componentes são pontos de partida para a pesquisa dentro da antropologia da técnica. Para ele, é particularmente instigante observar variações nas operações estratégicas, espécies de "pontos de não retorno", que não podem ser atrasadas, canceladas ou substituídas sem causar impactos significativos no resultado final do processo.

            Recentemente tenho refletido sobre o processo de grilagem de terras no cerrado e me atentado especialmente para as formas de desmatamento. É comum ouvir falar de "desmatamento" como uma categoria ampla que passa a ideia de ser homogenia por todo o território nacional, o que não é bem verdade. Existem inúmeras técnicas de desmatamento. O "correntão", bastante "popular" nas áreas de cerrado, altera um determinado espaço utilizando dois tratores e uma corrente com elos robustos presa a barra de tração do trator com um rendimento considerável, tanto que mesmo após sua proibição em 2016 continua sendo utilizado de maneira irregular.

            Uma abordagem desse método de desmatamento seria possível dentro da proposta de Lemonier. A área a ser desmatada seria a matéria; a energia seria provida pelos tratores, que são alimentados por algum tipo de combustível (como diesel ou gasolina) e operados por humanos; os objetos seriam os tratores, a corrente, os olhos giratórios (que devem ser colocados em alguns elos da corrente para evitar a torção e a consequente ruptura), os lastros (objetos pesados presos na corrente para reforçar a capacidade de arraste) etc; a forma de operar os tratores mantendo uma distância de 1/3 do comprimento da corrente e o número de passadas compõem os gestos; e as definições quanto ao tipo de corrente, peso da corrente, peso do lastro, comprimento da corrente, potência do trator, distância dos lastros etc compõem os conhecimentos específicos dessa forma de desmatamento. Como operações estratégicas há que destacar a forma correta de acoplamento entre a corrente e a barra de tração do trator (se feita da forma errada resulta pode resultar em acidentes e inviabilizar o serviço), a potência adequada ao tipo e tamanho da corrente e da vegetação (tratores com baixa potência podem ser incapazes de derrubar árvores com grandes diâmetros). 

 

 

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