Esse texto curto tem por objetivo tecer um
comentário a fala de Marina Silva (historiadora, professora, psicopedagoga,
ambientalista e política brasileira filiada à Rede Sustentabilidade) no
Programa "Veredas do Futuro" do Centro de Desenvolvimento Sustentável
da Universidade de Brasília (CDS/UNB). Em um primeiro momento será apresentado
um resumo da fala da ex-senadora e posteriormente será ressaltado alguns pontos
que chamaram a atenção do autor desse comentário.
O Veredas do Futuro é um evento em que há um
momento de fala do convidado seguido de indagações dos demais presentes. A fala
inicial de Marina Silva se dividiu em um diagnóstico da crise ambiental
brasileira e possíveis saídas. Marina começou levantando alguns fatores ligados
a crise ambiental brasileira que julgou importantes. O primeiro deles, o
processo de erosão política ou desencantamento com a política dominou fora
resumido a uma crise ética na política brasileira que surge dos desvios éticos
e da falta de ideologia dos partidos brasileiros que tem tomado decisões com
foco apenas na manutenção do poder, deixando de ser prospectivos e abandonando
o lado vivo/dinâmico da política. O resultado desse processo é uma política
cada vez mais impotente e incapaz de resolver os problemas ambientais que surgem.
A ex-candidada a presidência afirma que esse processo teria começado em 2012. O
segundo fator ligado a crise ambiental brasileira levando por Marina foi a
fragilidade das instituições, que decorre, em parte, do primeiro fator. Quanto
a isso, a ambientalista teceu comentários mais ásperos ao governo atual,
afirmando que já nos tornamos um pária internacional, que a nova agenda do
congresso tende a só piorar nossa imagem no exterior abordando temas como
mineração em terras indígenas, que o vice-presidente Hamilton Mourão (assim
como o exército brasileiro) é incapaz de gerir ações ambientais na Amazônia e o
orçamento está extremamente mal dividido (o exército recebe em 1 mês o que o
IBAMA tem para gastar no ano). O resultado disso é um desmonte dos órgãos de
regulação, como IBAMA e ICMBIO pautado num novo desenvolvimentismo de direita
sem base sustentável. Novamente a ex-senadora se volta para governos passados
buscando apontar as raízes do problema, localizando temporalmente no ano de
2014 o início do desmonte dos órgãos de proteção ambiental. Como terceiro fator
que pude mapear na fala de Marina (e aqui faço uma inversão na ordem das ideias
para facilitar a compreensão), consta o negacionismo na pandemia e nas
políticas ambientais no geral. Ligado ao segundo fator, Marina disse que é o
negacionismo do governo e de parte da elite que o apoia causa principal do
atraso brasileiro, pois seria justamente esse negacionismo que impediria o
"renascimento sustentável" brasileiro. E a partir daqui já passam a
ser apontados as saídas para a crise ambiental brasileira. A historiadora
afirmou por diversas vezes que era possível tornar o Brasil uma potência
agrícola e ambiental ao mesmo tempo e que cabia a nós, acadêmicos, encontrar as
perguntas corretas pois as respostas já estavam dadas em projetos sustentáveis
sendo desenvolvidos em todo o país, mas com pouco ou nenhum respaldo estatal.
Pra além disso, a palestrante apontou que carecemos de uma melhora na qualidade
da nossa democracia, nos atentando para a necessidade de alternância do poder.
A sociedade teria um papel central nessa superação da crise, combatendo a
política do ódio e resignando-se com os desmandos que surgem. Na segunda parte
do Veredas, as perguntas circundaram a fala anterior, trazendo poucos elementos
novos. Entretanto, cabe ressaltar questões como: educação ambiental, a busca
por um novo ideário "sustentabilista", a formação de uma cultura
centrada da sustentabilidade e a afirmação de que não chegamos em um ponto
irremediável.
Terminado o resumo da apresentação de
Marina Silva, inicio a segunda parte desse texto com um tom mais subjetivo e
crítico. Primeiramente é necessário ressaltar a necessidade de mais propostas
como essa do Veredas do Futuro, propostas de um bom debate, respeitoso e
consciente. Quanto a fala da ex-senadora, há alguns pontos curiosos. Alguns
pontos me incomodam na ideologia política da qual Marina compartilha, com
origens internacionais nos Partidos Verdes mundo afora, em que os políticos
afirmam tomar uma posição acima da divisão clássica de direita ou esquerda,
colocando "o verde"/ o meio ambiente em primeiro lugar. O incomodo
surge na medida em que esse "estar acima", essa suposta neutralidade
toma ares de uma ideologia de direita "tímida", receosa de se afirmar
de direita para não perder apoiadores da esquerda clássica. Obviamente que a
divisão de direita e esquerda vária de acordo com contextos temporais e
espaciais, como já afirmou Norberto Bobbio. Entretanto, observando o recorte
brasileiro, essa "neutralidade" normalmente tende a direita, o que
por si só não é nenhum problema. O problema é justamente tentar disfarçar ou
esconder isso. Outra questão incômoda é que Marina Silva parece guardar mágoa
dos antigos governos petistas, da qual ela fez parte. Eu entendo que uma derrota
na eleição presidencial não seja fácil de engolir, mas há que haver
convergência para o simples fato de que os governos petistas nunca entraram em
investidas autoritárias ou negacionismos como o eleito em 2018.
Outra questão que carece de maior atenção
é a proposta de Brasil como uma potência agrícola e ambiental simultaneamente.
Entendemos que Marina está propondo uma outra via de desenvolvimento econômico
com foco em práticas agrícolas sustentáveis, mas esse mesmo discurso serve para
reforçar o argumento de que a terrível divisão fundiária brasileira se
justifica na medida em que é necessário manter os latifúndios como motor no
agronegócio. Como crítica final me preocupa a repetição de que "não
chegamos em um ponto irremediável/ sem volta" que Marina fez. Me parece
que ela estendeu bastante os limites de "irremediável". Duvido que a
historiadora tenha esquecido dos incêndios que escureceram São Paulo ou que em
algumas regiões do cerrado já não é mais possível colher a safrinha por
ausência de chuvas. Enfim, não sejamos inocentes a ponto de ignorar que Marina
é uma política de renome brasileira e como política ela precisa manter acesa a
chama na esperança nos seus eleitores.
Levantados esses pontos, não há como
discordar do resto do discurso da ex-candidata. Como comentário final, gostaria
de ressaltar que Marina está seguindo uma linha de raciocínio que vem ganhando
bastante espaço no exterior e tem ganhado cada vez mais adeptos no Brasil que é
a da substituição da Técnica pelas técnicas (Danowski e Viveiros de Castro,
2014), ou da tecnologia pelo tecnodiversidade (Hui, 2020), tendendo a pensar
que há outras escolhas possíveis dentro do espectro de técnicas modernos.
Referências
Danowski,
D. e Viveiros de Castro, E. 2014. O Fim Do Mundo Como Acontecimento Fractal. In
Há Mundo Por Vir? Ensaio Sobre os Medos e os Fins. Florianópolis: Instituto
Socioambiental: 126–142.
Hui,
Yuk. 2020. “Cosmotécnica como cosmopolítica”. In: Tecnodiversidade. São Paulo:
Ubu: 21-46.
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