sexta-feira, 25 de junho de 2021

Comentário sobre a participação de Marina Silva no Veredas do Futuro

 

Esse texto curto tem por objetivo tecer um comentário a fala de Marina Silva (historiadora, professora, psicopedagoga, ambientalista e política brasileira filiada à Rede Sustentabilidade) no Programa "Veredas do Futuro" do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (CDS/UNB). Em um primeiro momento será apresentado um resumo da fala da ex-senadora e posteriormente será ressaltado alguns pontos que chamaram a atenção do autor desse comentário.

O Veredas do Futuro é um evento em que há um momento de fala do convidado seguido de indagações dos demais presentes. A fala inicial de Marina Silva se dividiu em um diagnóstico da crise ambiental brasileira e possíveis saídas. Marina começou levantando alguns fatores ligados a crise ambiental brasileira que julgou importantes. O primeiro deles, o processo de erosão política ou desencantamento com a política dominou fora resumido a uma crise ética na política brasileira que surge dos desvios éticos e da falta de ideologia dos partidos brasileiros que tem tomado decisões com foco apenas na manutenção do poder, deixando de ser prospectivos e abandonando o lado vivo/dinâmico da política. O resultado desse processo é uma política cada vez mais impotente e incapaz de resolver os problemas ambientais que surgem. A ex-candidada a presidência afirma que esse processo teria começado em 2012. O segundo fator ligado a crise ambiental brasileira levando por Marina foi a fragilidade das instituições, que decorre, em parte, do primeiro fator. Quanto a isso, a ambientalista teceu comentários mais ásperos ao governo atual, afirmando que já nos tornamos um pária internacional, que a nova agenda do congresso tende a só piorar nossa imagem no exterior abordando temas como mineração em terras indígenas, que o vice-presidente Hamilton Mourão (assim como o exército brasileiro) é incapaz de gerir ações ambientais na Amazônia e o orçamento está extremamente mal dividido (o exército recebe em 1 mês o que o IBAMA tem para gastar no ano). O resultado disso é um desmonte dos órgãos de regulação, como IBAMA e ICMBIO pautado num novo desenvolvimentismo de direita sem base sustentável. Novamente a ex-senadora se volta para governos passados buscando apontar as raízes do problema, localizando temporalmente no ano de 2014 o início do desmonte dos órgãos de proteção ambiental. Como terceiro fator que pude mapear na fala de Marina (e aqui faço uma inversão na ordem das ideias para facilitar a compreensão), consta o negacionismo na pandemia e nas políticas ambientais no geral. Ligado ao segundo fator, Marina disse que é o negacionismo do governo e de parte da elite que o apoia causa principal do atraso brasileiro, pois seria justamente esse negacionismo que impediria o "renascimento sustentável" brasileiro. E a partir daqui já passam a ser apontados as saídas para a crise ambiental brasileira. A historiadora afirmou por diversas vezes que era possível tornar o Brasil uma potência agrícola e ambiental ao mesmo tempo e que cabia a nós, acadêmicos, encontrar as perguntas corretas pois as respostas já estavam dadas em projetos sustentáveis sendo desenvolvidos em todo o país, mas com pouco ou nenhum respaldo estatal. Pra além disso, a palestrante apontou que carecemos de uma melhora na qualidade da nossa democracia, nos atentando para a necessidade de alternância do poder. A sociedade teria um papel central nessa superação da crise, combatendo a política do ódio e resignando-se com os desmandos que surgem. Na segunda parte do Veredas, as perguntas circundaram a fala anterior, trazendo poucos elementos novos. Entretanto, cabe ressaltar questões como: educação ambiental, a busca por um novo ideário "sustentabilista", a formação de uma cultura centrada da sustentabilidade e a afirmação de que não chegamos em um ponto irremediável.

Terminado o resumo da apresentação de Marina Silva, inicio a segunda parte desse texto com um tom mais subjetivo e crítico. Primeiramente é necessário ressaltar a necessidade de mais propostas como essa do Veredas do Futuro, propostas de um bom debate, respeitoso e consciente. Quanto a fala da ex-senadora, há alguns pontos curiosos. Alguns pontos me incomodam na ideologia política da qual Marina compartilha, com origens internacionais nos Partidos Verdes mundo afora, em que os políticos afirmam tomar uma posição acima da divisão clássica de direita ou esquerda, colocando "o verde"/ o meio ambiente em primeiro lugar. O incomodo surge na medida em que esse "estar acima", essa suposta neutralidade toma ares de uma ideologia de direita "tímida", receosa de se afirmar de direita para não perder apoiadores da esquerda clássica. Obviamente que a divisão de direita e esquerda vária de acordo com contextos temporais e espaciais, como já afirmou Norberto Bobbio. Entretanto, observando o recorte brasileiro, essa "neutralidade" normalmente tende a direita, o que por si só não é nenhum problema. O problema é justamente tentar disfarçar ou esconder isso. Outra questão incômoda é que Marina Silva parece guardar mágoa dos antigos governos petistas, da qual ela fez parte. Eu entendo que uma derrota na eleição presidencial não seja fácil de engolir, mas há que haver convergência para o simples fato de que os governos petistas nunca entraram em investidas autoritárias ou negacionismos como o eleito em 2018.

Outra questão que carece de maior atenção é a proposta de Brasil como uma potência agrícola e ambiental simultaneamente. Entendemos que Marina está propondo uma outra via de desenvolvimento econômico com foco em práticas agrícolas sustentáveis, mas esse mesmo discurso serve para reforçar o argumento de que a terrível divisão fundiária brasileira se justifica na medida em que é necessário manter os latifúndios como motor no agronegócio. Como crítica final me preocupa a repetição de que "não chegamos em um ponto irremediável/ sem volta" que Marina fez. Me parece que ela estendeu bastante os limites de "irremediável". Duvido que a historiadora tenha esquecido dos incêndios que escureceram São Paulo ou que em algumas regiões do cerrado já não é mais possível colher a safrinha por ausência de chuvas. Enfim, não sejamos inocentes a ponto de ignorar que Marina é uma política de renome brasileira e como política ela precisa manter acesa a chama na esperança nos seus eleitores.

Levantados esses pontos, não há como discordar do resto do discurso da ex-candidata. Como comentário final, gostaria de ressaltar que Marina está seguindo uma linha de raciocínio que vem ganhando bastante espaço no exterior e tem ganhado cada vez mais adeptos no Brasil que é a da substituição da Técnica pelas técnicas (Danowski e Viveiros de Castro, 2014), ou da tecnologia pelo tecnodiversidade (Hui, 2020), tendendo a pensar que há outras escolhas possíveis dentro do espectro de técnicas modernos.

 

Referências

Danowski, D. e Viveiros de Castro, E. 2014. O Fim Do Mundo Como Acontecimento Fractal. In Há Mundo Por Vir? Ensaio Sobre os Medos e os Fins. Florianópolis: Instituto Socioambiental: 126–142.

Hui, Yuk. 2020. “Cosmotécnica como cosmopolítica”. In: Tecnodiversidade. São Paulo: Ubu: 21-46.

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