sexta-feira, 25 de junho de 2021

Resenha do 2⁰ Transformações Técnicas em Perspectivas Locais (Primeiro dia)

 

Na conferência "Anthropology of life and anthropology of techniques: a productive dialogue" dos professores Perig Pitrou & Ludovic Coupaye fomos apresentados a um panorama geral das formas de implicação entre técnica e vida. Abrindo as apresentações, Pireg Pitrou iniciou trazendo uma definição da antropologia da vida como uma investigação comparativa sobre as concepções de vida em seus contextos social e técnicos. A vida não é um tema novo e as abordagens de pesquisa sobre o assunto se multiplicaram nas últimas décadas, trazendo o perigo da fragmentação. Tentando antecipar-se aos problemas, o professor defendeu um esforço para organizar o campo, articulando dados empíricos e construindo um arcabouço conceitual para possibilitar uma abordagem comparativa que consiga integrar o campo da etnologia de sociedades não ocidentais. Esse esforço se daria na vinculação de três pontos: (1) o campo da antropologia da técnica, possibilitando insights sobre o método comparativo na medida em que se define como  o estudo da coordenação da agência entre agentes humanos e não humanos, seres vivos e artefatos; (2) o entendimento sobre as diferentes entre as vertentes da antropologia da técnica, uma relacionado a domesticação e a interação entre viventes e outra relacionada ao estudo das ligações entre viventes e artefatos, possibilitando então uma distinção entre a vitalidade e o processo da vida (produções tecnológicas/rituais tecnológicos; geração de vida/interação) em um contexto sociotécnico; e (3) o estudo da relação entre seres vivos e cultura material como possibilidade de comparar a vida com processos técnicos visando revelar como se vive. Dessa forma nos indagamos quais as relações entre artefatos ou processos técnicos e seres vivos, ou processos vitais? E a resposta surge da antropologia da técnica, que apresenta a possibilidade de mudar o foco da abordagem da antropologia da vida e a evitar o biocentrismo da biologia para levar em conta o contexto social e técnico, prestando atenção na distinção entre seres vivos e a vida, possibilitando ligar relação técnicas e sociais e analisar as relações entre seres vivos e artefatos.

Nessa mesma linha introdutória, Ludovic Coupaye iniciou sua apresentação com o seguinte esquema "[HUMANS] <-> TECHNICS <-> [MILIEU]". A ideia do esquema é que técnicas são pontos de encontro ou convergência entre humanos (entre colchetes pelo fato de não serem apenas os humanos a possuíem técnicas) e o meio deles.  Vale destacar que "meio", para o professor, pressupõe algo em que nós estamos imersos e com alguma relação ecológica. A partir dessas explicações iniciais sobre o esquema apresentado, o professor destacou três questões importantes sobre técnicas: (1) são modalidades relacionais entre ambos os lados, modalidades que podem ser um encontro (entre humanos e um meio onde surgem técnicas), uma mediação (os humanos usam técnicas para lidar com o meio), e uma união (mostra que as técnicas não podem ser definidas por si só e sim por um modelo relacional entre humanos e o meio); (2) técnicas são processos, se desenvolvem no tempo e no espaço, se relacionando com outros processos vitais ou técnicos naquele meio; e (3) técnicas são relações entre humanos e o meio que envolvem dois componentes importantes: técnicas do corpo e objetos técnicos (podem ser intangíveis); portanto não é interessante separar vida e técnica, com risco de cairmos na divisão de sociedade e natureza. Aprofundando esses pontos, o professor Ludovic retomou a definição maussiana de ato técnico, um ato eficaz (eficácia vernacular, ação com intenção de produzir algo) e tradicional (aprendido e ensinado, com normas específicas, reconhecidas e relacionadas), destacando que as técnicas escolhidas são apropriadas para a intenção e para o ator, com dimensões éticas e morais, fugindo assim de determinismos. Na sequência, assistimos ao desenvolvimento da pesquisa na Papua Nova Guiné a partir do exemplo dos grandes tuberculos (artefatos de valor visual, alimentício, monetário e ainda seres vivos - ou seja, relacionados a seres vivos e não vivos, atos e agentes diferentes, atuando na socialidade), a partir do qual verificamos que agentes, materiais, ações, socialidade, substâncias estão todas ligas a atividades técnicas, com níveis diferentes de pertinência e moralidade. Encaminhando para a conclusão, fora feito um apelo por outro tipo de etnografia, que dialogue com categorias vernaculares. A conferência foi finalizada com um resumo das dimensões nas quais a antropologia da técnica se concentra: atividades técnicas, objetos técnicos e sistemas técnicos. Cabe a nós, pesquisadores, pensar nas configurações agentivas que permeiam e constituem as técnicas. Essa última colocação nos fornece o gancho perfeito para a Sessões de Trabalho "A vida vegetal e seus modos de ação" aconteceu na tarde do primeiro dia de evento.

Nessa segunda atividade conhecemos um pouco mais dos trabalhos desenvolvidos por Eduardo Di Deus, Joana Oliveira, Magda Ribeiro e Gilton Mendes, reagindo as provocações do debatedor Alexandro Oliveira, tendo por ponto comum as configurações agentivas que permeiam e constituem as técnicas com relação a vida vegetal. Iniciamos então ouvindo um pouco sobre os desafios metodológicos encontrados por Eduardo Di Deus no estudo das relações humano-plantas ao observar ritmos e fluxos nos seringais de São Paulo seguido de uma explanação de Joana Oliveira acerca da possibilidade de comunicação entre humanos e não humanos a partir da ideia de agencia das plantas, invertendo as relações entre humanos e o meio com base nas observações sobre os mecanismos que as plantas desenvolveram para fazer com que outros entes as espalhassem por novos locais. Magda Ribeiro apresentou outra proposta sobre a agência não-humana, observando a fragmentação dos fenômenos de coabitação e coevolução desde a união entre antropologia e paleontologia na medida em que a biologia sintética avança nos processos de criação de vida "descontextualizado", por limitar a variabilidade na vida, mas demonstrando ao mesmo tempo novos tipos de colaboração entre pessoas, bactérias e plantas. Sem abandonar a complexificação das relações entre humanos e não humanos, pano de fundo de toda essa discussão, Gilton Mendes chamou a atenção para a "Amazônia Profunda" e as diferentes técnicas de alimentação e armazenamento dos habitantes locais que estão perdendo espaço no consumo humano a partir do "discurso civilizatório". O exemplo mais notável parece ser o da goma/fécula, que pode ser extraída de uma série de tubérculos, mas sofreu um processo de simplificação/monopolização a partir da popularização da mandioca. Coube a Alexandro Oliveira a tarefa de questionar todos esses trabalhos e o professor constrói suas inquietações a partir da alegação de que é preciso pensar nos níveis e hierarquias, não apenas mapeando relações, mas apontando para questões vernaculares da vida e o fazer político da antropologia na medida em que é ferramenta para pensar as desigualdades nos fluxos tecnológicos.

É interessante reparar como as indagações trazidas por Alexandro Oliveira vão de encontro com o temor da fragmentação do campo trazido por Pireg Pitrou, tentando buscar em categorias mais amplas a fonte para as comparações que caracterizam o fazer antropológico. Esse primeiro dia foi marcado por uma introdução as temáticas da antropologia e da técnica, conceituando e delimitando seu objeto, mas ficou ainda uma inquietação quanto a hierarquização proposta por Alexandro Oliveira sobre a qual os demais apresentadores fizeram várias ponderações. Me parece que apontar para um grande agente não-humano, como o capital, para possibilitar essas comparações é um tanto quanto improdutivo, pois retoma de alguma forma a ideia de que a antropologia precisa encontrar universais comuns. Esses "grandes agentes" servem em alguma medida como muleta de pesquisa, pois são uma carta branca/coringa que se encaixa em diversas situações abandonando uma complexificação das dimensões nas quais a antropologia da técnica se concentra, tão bem apresentadas por Ludovic Coupaye. Não é uma crítica para qual eu tenha solução, me parece claro que o aprofundamento da fragmentação na disciplina não é nada produtivo, mas hierarquizar e buscar esses "grandes agentes" também não aparenta ser a melhor alternativa para comparação. Fica a questão para discussão.

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