Na conferência "Anthropology of life
and anthropology of techniques: a productive dialogue" dos professores
Perig Pitrou & Ludovic Coupaye fomos apresentados a um panorama geral das
formas de implicação entre técnica e vida. Abrindo as apresentações, Pireg
Pitrou iniciou trazendo uma definição da antropologia da vida como uma
investigação comparativa sobre as concepções de vida em seus contextos social e
técnicos. A vida não é um tema novo e as abordagens de pesquisa sobre o assunto
se multiplicaram nas últimas décadas, trazendo o perigo da fragmentação.
Tentando antecipar-se aos problemas, o professor defendeu um esforço para
organizar o campo, articulando dados empíricos e construindo um arcabouço
conceitual para possibilitar uma abordagem comparativa que consiga integrar o
campo da etnologia de sociedades não ocidentais. Esse esforço se daria na
vinculação de três pontos: (1) o campo da antropologia da técnica, possibilitando
insights sobre o método comparativo na medida em que se define como o estudo da coordenação da agência entre
agentes humanos e não humanos, seres vivos e artefatos; (2) o entendimento
sobre as diferentes entre as vertentes da antropologia da técnica, uma
relacionado a domesticação e a interação entre viventes e outra relacionada ao
estudo das ligações entre viventes e artefatos, possibilitando então uma
distinção entre a vitalidade e o processo da vida (produções tecnológicas/rituais
tecnológicos; geração de vida/interação) em um contexto sociotécnico; e (3) o
estudo da relação entre seres vivos e cultura material como possibilidade de
comparar a vida com processos técnicos visando revelar como se vive. Dessa forma
nos indagamos quais as relações entre artefatos ou processos técnicos e seres
vivos, ou processos vitais? E a resposta surge da antropologia da técnica, que
apresenta a possibilidade de mudar o foco da abordagem da antropologia da vida
e a evitar o biocentrismo da biologia para levar em conta o contexto social e
técnico, prestando atenção na distinção entre seres vivos e a vida,
possibilitando ligar relação técnicas e sociais e analisar as relações entre
seres vivos e artefatos.
Nessa mesma linha introdutória, Ludovic
Coupaye iniciou sua apresentação com o seguinte esquema "[HUMANS]
<-> TECHNICS <-> [MILIEU]". A ideia do esquema é que técnicas
são pontos de encontro ou convergência entre humanos (entre colchetes pelo fato
de não serem apenas os humanos a possuíem técnicas) e o meio deles. Vale destacar que "meio", para o
professor, pressupõe algo em que nós estamos imersos e com alguma relação
ecológica. A partir dessas explicações iniciais sobre o esquema apresentado, o
professor destacou três questões importantes sobre técnicas: (1) são
modalidades relacionais entre ambos os lados, modalidades que podem ser um
encontro (entre humanos e um meio onde surgem técnicas), uma mediação (os
humanos usam técnicas para lidar com o meio), e uma união (mostra que as
técnicas não podem ser definidas por si só e sim por um modelo relacional entre
humanos e o meio); (2) técnicas são processos, se desenvolvem no tempo e no
espaço, se relacionando com outros processos vitais ou técnicos naquele meio; e
(3) técnicas são relações entre humanos e o meio que envolvem dois componentes
importantes: técnicas do corpo e objetos técnicos (podem ser intangíveis);
portanto não é interessante separar vida e técnica, com risco de cairmos na
divisão de sociedade e natureza. Aprofundando esses pontos, o professor Ludovic
retomou a definição maussiana de ato técnico, um ato eficaz (eficácia
vernacular, ação com intenção de produzir algo) e tradicional (aprendido e
ensinado, com normas específicas, reconhecidas e relacionadas), destacando que
as técnicas escolhidas são apropriadas para a intenção e para o ator, com
dimensões éticas e morais, fugindo assim de determinismos. Na sequência,
assistimos ao desenvolvimento da pesquisa na Papua Nova Guiné a partir do
exemplo dos grandes tuberculos (artefatos de valor visual, alimentício,
monetário e ainda seres vivos - ou seja, relacionados a seres vivos e não
vivos, atos e agentes diferentes, atuando na socialidade), a partir do qual
verificamos que agentes, materiais, ações, socialidade, substâncias estão todas
ligas a atividades técnicas, com níveis diferentes de pertinência e moralidade.
Encaminhando para a conclusão, fora feito um apelo por outro tipo de
etnografia, que dialogue com categorias vernaculares. A conferência foi
finalizada com um resumo das dimensões nas quais a antropologia da técnica se
concentra: atividades técnicas, objetos técnicos e sistemas técnicos. Cabe a
nós, pesquisadores, pensar nas configurações agentivas que permeiam e
constituem as técnicas. Essa última colocação nos fornece o gancho perfeito
para a Sessões de Trabalho "A vida vegetal e seus modos de ação"
aconteceu na tarde do primeiro dia de evento.
Nessa segunda atividade conhecemos um
pouco mais dos trabalhos desenvolvidos por Eduardo Di Deus, Joana Oliveira,
Magda Ribeiro e Gilton Mendes, reagindo as provocações do debatedor Alexandro
Oliveira, tendo por ponto comum as configurações agentivas que permeiam e
constituem as técnicas com relação a vida vegetal. Iniciamos então ouvindo um
pouco sobre os desafios metodológicos encontrados por Eduardo Di Deus no estudo
das relações humano-plantas ao observar ritmos e fluxos nos seringais de São
Paulo seguido de uma explanação de Joana Oliveira acerca da possibilidade de
comunicação entre humanos e não humanos a partir da ideia de agencia das
plantas, invertendo as relações entre humanos e o meio com base nas observações
sobre os mecanismos que as plantas desenvolveram para fazer com que outros
entes as espalhassem por novos locais. Magda Ribeiro apresentou outra proposta
sobre a agência não-humana, observando a fragmentação dos fenômenos de
coabitação e coevolução desde a união entre antropologia e paleontologia na
medida em que a biologia sintética avança nos processos de criação de vida
"descontextualizado", por limitar a variabilidade na vida, mas
demonstrando ao mesmo tempo novos tipos de colaboração entre pessoas, bactérias
e plantas. Sem abandonar a complexificação das relações entre humanos e não
humanos, pano de fundo de toda essa discussão, Gilton Mendes chamou a atenção
para a "Amazônia Profunda" e as diferentes técnicas de alimentação e
armazenamento dos habitantes locais que estão perdendo espaço no consumo humano
a partir do "discurso civilizatório". O exemplo mais notável parece
ser o da goma/fécula, que pode ser extraída de uma série de tubérculos, mas
sofreu um processo de simplificação/monopolização a partir da popularização da
mandioca. Coube a Alexandro Oliveira a tarefa de questionar todos esses
trabalhos e o professor constrói suas inquietações a partir da alegação de que
é preciso pensar nos níveis e hierarquias, não apenas mapeando relações, mas
apontando para questões vernaculares da vida e o fazer político da antropologia
na medida em que é ferramenta para pensar as desigualdades nos fluxos
tecnológicos.
É interessante reparar como as indagações
trazidas por Alexandro Oliveira vão de encontro com o temor da fragmentação do
campo trazido por Pireg Pitrou, tentando buscar em categorias mais amplas a
fonte para as comparações que caracterizam o fazer antropológico. Esse primeiro
dia foi marcado por uma introdução as temáticas da antropologia e da técnica,
conceituando e delimitando seu objeto, mas ficou ainda uma inquietação quanto a
hierarquização proposta por Alexandro Oliveira sobre a qual os demais apresentadores
fizeram várias ponderações. Me parece que apontar para um grande agente
não-humano, como o capital, para possibilitar essas comparações é um tanto
quanto improdutivo, pois retoma de alguma forma a ideia de que a antropologia
precisa encontrar universais comuns. Esses "grandes agentes" servem
em alguma medida como muleta de pesquisa, pois são uma carta branca/coringa que
se encaixa em diversas situações abandonando uma complexificação das dimensões
nas quais a antropologia da técnica se concentra, tão bem apresentadas por
Ludovic Coupaye. Não é uma crítica para qual eu tenha solução, me parece claro
que o aprofundamento da fragmentação na disciplina não é nada produtivo, mas
hierarquizar e buscar esses "grandes agentes" também não aparenta ser
a melhor alternativa para comparação. Fica a questão para discussão.
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