PROVA
I – INT. AO ESTUDO DA HISTÓRIA
1-
Imagine três países diferentes: Brasil, Japão e
Polônia. Ao indagar sobre o significado da palavra “história” em cada um desses
países é certo que obteria definições distintas. Não é preciso ir tão longe,
pegue um leigo e um estudioso e pergunte o que significa história. As
diferentes respostas são o que garante a palavra “história” uma natureza
polissêmica. No mínimo encontraremos duas significações: (a) história enquanto
devir, ou seja, o tempo passando num movimento continuo e imparável, o inicio e
o fim das eras, a lei que rege o universo; (b) história como práticas, como
pluralidade, como estudo sobre a experiencia temporal humana, como
historiografia. É esse segundo significado a que se devem apegar os cientistas
historiadores.
Ao observar a história enquanto historiográfica,
enquanto praticas historiográficas, é possível observar que ao longo do tempo
ela passou por diferentes modelos, paradigmas, que garantiam não só uma
utilidade diferente para a história, mas também pensavam historicamente e
temporalmente de uma maneira distinta. São cinco os padrões: (1) história
exemplar, magistral vitae, respaldada na essencialização da vida, recorria ao
passado para dar exemplos de como agir no presente, o que lhe garantia uma
visão cíclica do tempo; (2) história na filosofia cristã: restringida
inicialmente aos círculos letrados da Idade Média, tinha Deus como agente da
história e, por ver essa continuidade da obra de Deus, lineariza o tempo e já
enxergava o futuro: a volta do Messias e a elevação dos eleitos ao reino dos
céus; (3) a história filosófica do séc. XVIII, a história vista pelos
iluministas, coloca o passado como algo a ser superado por ter um pensamento
voltado para o progresso (não se conhecia o futuro, mas era certamente melhor
que o passado), nesse contexto ao mesmo tempo que radicaliza a linearidade do
tempo, secularizando-o, retira Deus do seu trono de agente temporal e garante
ao homem a capacidade de “fazer” a história, dessa forma atacando a história
exemplar; (4) história narrativa, pratica da Escola Metódica (rankeana),
valorizava a história como pratica da erudição, defendia a neutralidade e o
acumulo de documentos no trabalho do historiador, e confere a esse autoridade
por tonar a prática histórica uma profissão, profissão que devia buscar as
origens da nacionalidade; (5) a história problema, a história praticada pela
Escola dos Annales, ataca frontalmente a Escola Metódica afirmando que de nada
valem artefatos históricos acumulados se não houver problema a ser estudado,
aproxima a história das demais ciências sociais tendo a pratica sociológica
como campo de experimentação e garante “esclarecimento” como sinónimo da
prática histórica.
Um viajante ao chegar a uma pequena cidade foi
informado para guardar com cuidado qualquer quinquilharia que estivesse levando,
pois naquela cidade morava um velho ladrão. Andando pela cidade o viajante
encontra com o ladrão e oferece-lhe duas pedras, que estavam no chão e afirmava
ter caído de sua bolsa, caso pudesse conhecer a caso do velho. O suposto ladrão
aceita, chegando na casa do senhor, o viajante vê pilhas e pilhas de objetos
diversos: de sapatos sem par a espadas sem fio, “Qual a utilidade de tudo
isso?” pergunta.
“Nenhuma, mas sigo acumulando” responde o velho. Devemos
muito a Escola dos Annales, pois é dela que parte a defesa de uma história
crítica e plural, enquanto conhecimento racionalmente produzido e
cientificamente controlado produtor de significados e sentidos, e não mais uma
serva da erudição encastelada e guardada por “velhos ladrões” que buscavam acumular
o maior número de documentos possíveis para que esses documentos, por si só,
contassem uma História e fechassem permanentemente as portas de um passado
superado.
2-
Conhecendo um pouco mais sobre os paradigmas da
história e identificando a História Problema como paradigma atual cabe adentrar
um pouco mais no universo desse modelo: o universo cientifico. Universo esse
que exige um método, comecemos por ele então. O método cientifico é
necessariamente crítico: parte de perguntas, indagações cuja as respostas, que
devem ter fundações rígidas nas fontes, devem preencher lacunas para fazer a
disciplina avançar, e fazendo a história avançar é que se tornam legitimas,
todavia responder uma questão gera outras questões, o que garante ao método de
produção de conhecimento histórico um ar cíclico.
Onde tudo começa? Da curiosidade. É esse sentimento
que gera as dúvidas e consequentemente as questões. Qual a importância das
questões?
‘Pode me dizer, por favor, que caminho devo pegar?”
‘Depende de para onde você quer ir”, disse o gato.
‘Não me importa muito onde...”, respondeu Alice.
“Então não importa o caminho que você pegue”,
responder o gato.
Alice no País das
Maravilhas, Lewis Carroll
Sem formular uma questão você nunca chegará a uma
resposta. As perguntas são o ponto de partida pra qualquer historiador. São os
caminhos no diálogo entre Alice e o gato. E quem pode responder essas questões?
As fontes. É aqui que o historiador começa a ganhar seu desenho único: no apego
as fontes, aos vestígios, na habilidade de levar coisas silenciosas a se
tornarem expressivas. É um consentimento desde de a Escola Metódica de que o
historiador deve se ater a exatidão: sempre que afirmar algo deve demonstrar
como chegou a tal suposição por meio de fontes.
Tudo pode ser uma fonte: de cartas de amor a
documentos de cartório, basta saber perguntas às fontes e problematiza-las. O
ofício do historiador só termina com a problematização de suas fontes. É valido
ressaltar que de uma única fonte podem surgir inúmeras interpretações. Certa
vez, um homem perguntou a Picasso por que ele não pintava as pessoas como elas
eram na realidade.
Picasso ficou surpreso: “Não entendo o que quer
dizer”, responder. O homem mostrou uma fotografia de sua mulher. “Veja”, disse
“como essa foto. Minha mulher é exatamente assim.”
Picasso pareceu duvidar. “Ela é bem pequena, não
acha?” E talvez um pouco achatada?”
Se três historiadores diferentes passearem por um
mesmo museu, suas experiencias serão muito diferentes. Com isso quero ilustrar
que o passado deve estar sempre aberto pelo simples fato de que cada
historiador é uma pessoa inserida na sociedade, influenciada por essa ela.
Então, sempre que um novo historiador consultar uma fonte, a sua interpretação
pode ser diferente do antecessor.
Finalizado o assunto das fontes, gostaria de tratar
sobre o que garante legitimidade aos trabalhos históricos e aqui enumero três
fatores: (1) a qualidade das fontes: o trabalho foi realizado com consulta
direta aos documentos ou a partir do trabalho de outros historiadores; (2)
grande parte da pertinência dos estudos é ditada por quem publica os trabalhos;
e (3) talvez o aspecto mais importante: a demanda social atual, a utilidade, o
esclarecimento. O trabalho histórico sempre parte de questões colocadas no
presente indagando sobre o passado, por isso coloco que a demanda social é
provavelmente o aspecto mais importante na legitimidade dos estudos.
Encerro o curto comentário propondo uma relação de
retroalimentação entre perguntas e fontes: encontrar respostas suscitam novas
perguntas que necessitam de novas fontes que responderão às perguntas e darão
origem a outras mais, da mesma forma que um novo historiador interpreta de
forma diferente uma mesma fonte, que responderá suas perguntas e fará com que
se criem mais perguntas que outros historiadores hão de responder.
3-
Um sábio, lendo um livro de segredos naturais, em que
se dizia que no homem, ter a barba larga é sinal de muita ignorância; pegou uma
vela na mão para olhar-se ao espelho, porque era de noite, e queimou por
descuido quase a metade da barba. Logo ele anotou na margem do livro: “Ficou
comprovado” (História do Riso).
Dou início esse comentário com a anedota acima para
explicar sobre a natureza do saber, que busca antes de tudo a compreensão. As
ciências ganham título de autêntica por se explicarem com fenômenos. E a
história nada mais é que o estudo dos fenômenos humanos no tempo. Em seu cerne,
ela busca explicar cientificamente, dar sentido, os eventos vivenciados pela
humanidade. Com essa simples observação é possível identificar não só o objeto
(a humanidade), mas também o ofício do historiador: explicar, dar sentido,
classificar racionalmente.
O objeto da história é carnal, coletivo e concreto.
Carnal por buscar carne humana, onde há gente, há história, o que já explica o
sentido de coletivo: biografia não é história, a história se interessa pelo
coletivo, não pelo humano, mas pela humanidade. E, por fim, concreto: por
situar o objeto de estudo no espaço e no tempo. Tempo que torna a história
diferente das demais ciências humanas, a grande missão do historiador, o que
caracteriza seu ofício e o que torna a história uma ciência sui generis, única,
é: capturar a duração, a diacronia e a sincronia, a ruptura e a continuidade na
dinâmica social.
O historiador sempre trabalha respondendo as questões
suscitadas no presente, o que vincula seu ofício ao agora. Ofício que deve ser
respeitado com a pratica do rigor cientifico, com o posicionamento crítico
sobre as fontes e com o esforço para o “conhecer melhor”, capturando a carne
por trás de cada descoberta, pois é isso que garante um fim prático, uma
utilidade, e é nesse fim prático que a história se legitima enquanto
conhecimento, enquanto empreendimento racional de análise.
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