TEORIA ANTROPOLÓGICA - IV RESUMO - A ESCOLA
BRITÂNICA
Enquanto antropólogos em
formação, nossa dívida com a Escola Britânica é enorme. É impossível falar da
institucionalização da Antropologia sem falar do conceito de cultura proposto
por Edward Tylor no final do século XIX ou do método comparativo proposto por
Frazer, sem citar ainda a definição de trabalho de campo delineada por
Malinowisk. Aderindo aos preceitos sobre religião formulados por Durkheim, os
britânicos no século XX elaboraram uma série de estudos relacionados aos
sistemas de parentesco e legal, características fortes da Escola até hoje. Traduzidas
no Brasil já em 1970, as obras de Malinowski, Radcliffe-Brown e Evans-Pritchard
tiveram peso na formação dos primeiros mestres em Antropologia pela
pós-graduação do Museu Nacional, de 1968, formando nomes como Roque Laraia e
Júlio César Melatti.
Apesar de não ser o
primeiro antropólogo a fazer trabalho de campo, Bronislaw Malinowisk foi o
primeiro a se debruçar sobre o tema, rompendo com a tradição “de gabinete” dos
evolucionistas. Em “Os argonautas do pacífico ocidental” (obra de
detalhamento denso, que busca descrever o sistema de comércio “Kula” e
sua relação com outras instituições de moradores da ilha da Melanésia) o
polonês naturalizado britânico se ocupou em descrever as premissas do trabalho
de campo, que dependia de boas condições de trabalho, leia-se afastamento da
“civilização”, vasto conhecimento das teorias científicas e aplicação
sistemática e paciente de regras com bom senso.
Em campo, o antropólogo
deveria se submeter intensamente a vida dos pesquisados, compondo o que
chamamos “observação participante”. Tudo que fosse observado no longo tempo em
que o pesquisador estivesse em campo deveria ser anotado afim de garantir uma
descrição densa daquela sociedade, possibilitando a escrita de uma etnografia.
Posteriormente, em um nível mais analítico, caberia ao pesquisador escrever uma
teoria geral de funcionamento, uma etnologia vinculada a sobrevivência dos
indivíduos.
“A ‘observação participante’ de
Malinowski estabeleceu uma nova base para as pesquisas etnográficas, onde a
vida no dia-a-dia devia ser registrada coletando detalhes de produções,
padrões, trocas e conflitos, demonstrando o universo altamente complexo e
multifacetado – contra os autores evolucionistas que o precederam nas ciências
sociais britânicas – e rompendo como nova proposta para a antropologia e seu
método” (MAIA, 2014, p.45).
Outro britânico que se
ocupou em formular regras sobre o funcionamento das sociedades, todavia
implementando o conceito de estrutura, foi Alfred Reginald Radcliffe-Brown.
Muito influenciado por Durkheim, Radcliffe-Brown se debruçou sobre as condições
necessárias de existência do organismo social. Em discordância com Malinowisk,
Radcliffe-Brown propôs a existência de valores e interesses compartilhados que
promovem a vida social, implicando na existência de uma estrutura (relações
sociais em um todo integrado).
Identificada a estrutura
e o funcionamento dessa estrutura (processo que Radcliffe-Brown chamou de
etnologia), quando comparada a outras estruturas, o antropólogo poderia
formular leis gerais (método comparativo), em uma harmonia praticamente
teleológica. Radcliffe-Brown vai ainda mais longe, ao afirmar que o objeto da
Antropologia não é a cultura, mas sim as sociedades humanas (a estrutura): o
contato entre indivíduos, originando instituições, em um vinculo muito mais
concreto que o “vago conceito de cultura”. A “concretude” se fazia por meio dos
mapas genealógicos, dos sensos, entre outras ferramentas de pesquisa. Cultura,
nesse sentido, tornou-se algo volátil, diferentemente da estrutura, que só
seria passível de mudança no longo prazo, por ser ela a identificar os
indivíduos. Essa crítica atingiu não só os culturalistas como também os
evolucionistas.
Outro que rompe com os
evolucionistas é Edward Evan Evans-Pritchard, preocupado em formular uma teoria
com base nos termos nativos, muito influenciando pelos autores anteriores e
pela Escola Francesa, é o primeiro a abandonar o termo “mentalidades
primitivas” e, aproximando os tais “primitivos” da “civilização”, usou
“racionalidades”. Enquanto a maioria dos antropólogos da época afirmava a
ausência de uma lógica causal no “mundo primitivo”, Evans-Pritchard enxergou na
bruxaria dos Azande um sistema de crenças com coerência interna capaz de
explicar a vida e fornecer soluções aos infortúnios do cotidiano, ou seja, uma
filosofia. Em contraste com os autores já citados, a trajetória academia de Evans-Pritchard
é marcada pelas:
“[...]diferenças de objetivos e
modelos usados em ‘Bruxaria, Oráculos e Magia entre os Azande’ e ‘Os Nuer’ -
certamente as obras mais conhecidas dentre aquelas que compõem a produção
bibliográfica deste autor - representam propósitos e modelos analíticos distintos,
apresentando, cada uma ao seu modo, problemas que se tornaram clássicos para a
antropologia. Num primeiro momento, sob considerável influência de Malinowski, Evans-Pritchard
está preocupado em demonstrar como os Azande possuem um sistema de crenças
dotado de uma coerência interna, capaz de explicar a vida humana e fornecer
solução para os infortúnios do cotidiano. Mais tarde, sua etnografia sobre os Nuer
já explicita as interlocuções que estabeleceu com a obra de Radcliffe-Brown,
caracterizando-se como a descrição de uma estrutura social que contém em sua própria
constituição a tensão entre grupos cuja “oposição segmentar” acaba garantindo a
manutenção do sistema como um todo” (MAIA, 2014, p.48).
Apesar da enorme
contribuição de cada autor citado para a Antropologia não se pode ignorar os
problemas de cada um, identificados a luz da contemporaneidade. Malinowisk, no
seu funcionalismo que atribui a formação das instituições ao anseio de
sobrevivência física, hoje é simplista. A publicação pós-morte do seu diário de
campo abriu espaço para discussões éticas sobre o antropólogo enquanto pessoa
dotada de preconceitos e idiossincrasias. A idealização de um “campo intocado”
e a autoridade etnográfica também se revelam, hoje, como problemas: a pesquisa antropológica
não é feita apenas em redutos longínquos, desconhecidos pela “civilização”, e
apesar do esforço do antropólogo por uma descrição densa, a visão dele nunca
será suficiente para contemplar a “totalidade”, será apenas uma interpretação
daquela realidade. A busca por leis gerais também não cabe a antropologia nem a
ciência humana nenhuma, desde a virada humanista alemã. À Radcliffe-Brown vale
a crítica sobre a busca por leis gerais e a autoridade etnográfica. Por fim, à
Evans-Pritchard cabe a crítica ética ao envolvimento amoroso com pesquisados e
ao pagamento a um zande para descobrir “segredos” dessa cultura. A obra de
Evans-Pritchard, mesmo que sem a intenção do autor, serviu aos britânicos no
processo imperialista, apontando nas hierarquias locais os elos sensíveis
capazes de desestruturar toda a comunidade.
Claro que hoje, a luz de
estudos mais atuais e discussões éticas cada vez mais avançadas, deve-se fazer
a critica aos autores clássicos, todavia não se pode esquecer de enxerga-los no
seu tempo e nem ignorar a humanidade que todos temos, complexa e diversa. A
publicação do diário de Malinowisk foi uma covardia, mas possibilitou a
discussão sobre o antropólogo enquanto indivíduo dotado de uma cosmologia. Cabe
a nós identificarmos a nossa visão de mundo e apresenta-la ao leitor, com todos
os problemas que possa ter. Concluo afirmando que não é por ter problemas que
os cânones devem ser abandonados, afinal, se não fosse por essas pessoas não
estaríamos cursando Antropologia em pleno 2019, ano em que preconceitos e
discursos de ódio emergiram e se encontram no poder, rememorando uma visão
obscura que vigorou no passado e que esses antropólogos citados no texto
ajudaram a combater, com todos os seus pontos de fragilidade: lê-los hoje é
indispensável.
REFERÊNCIAS
EVANS-PRITCHARD.
E. E. Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande. Editora Zarah, 2005.
EVANS-PRITCHARD.
E. E. Os Nuer. Editora Perspectiva, 2° edição, 2009.
EVANS-PRITCHARD.
E. E. Religião dos Nuer. Oxford: Oxford University Press (trad. Espanhol: La
religión de losnuer. Barcelona: Anagrama, 1992.
MALINOWSKI.
B, Argonautas do pacifico ocidental. Editora Abril, 2° edição, 2005.
RADCLIFFE-BROWN.
A. R. Estrutura e função na sociedade primitiva. Editora Vozes, 1973.
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