segunda-feira, 15 de julho de 2019

PROVA II - INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA HISTÓRIA


PROVA II - INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA HISTÓRIA

1-
É no fim o século XIX que se inaugurou um  paradigma de suma importância para a história: a Escola Metódica (ou ramkeana). Nessa escola de pensamento vigorava-se ideias de erudição acompanhadas por uma busca incansável da nacionalidade. Se preocupavam com uma história narrativa, sem conexões generalizantes, sem subjetividade e sem intencionalidade.
Aparentemente inocente, a Escola Metódica acabou atuando de forma extremamente historicizante, ditando uma versão do passado fixa e imutável. Além disso, afastou a história das demais disciplinas das humanidades e se focou em nichos que aclamavam eventos específicos e pontuais, exaltando grandes homens e perdendo-se nos mitos de origem. Outro ponto relevante é que, para os metódicos as fontes, limitadas a documentos de preferencia oficiais, falavam a verdade por si só, não exigiam uma interpretação do historiador. Quando se inventariasse um número enorme de documentos seria possível falar de uma “História” una, fechada e acabada da humanidade.
Na metade do século XX as incoerências do paradigma ramkeano começaram a ser expostas e questionadas. Com o fim da Primeira Grande Guerra havia um clima favorável à inovações intelectuais e ao intercambio de ideias nas universidades europeias, como aponta Peter Burke, em 1991. É nesse ambiente de tranquilidade, em Estrasburgo, que um grupo interdisciplinar extremamente atuantes inaugura indiretamente uma nova escola de pensamento: a Escola dos Analles.
Encabeçada por Marc Bloch e Lucien Febvre, os Analles compuseram inicialmente uma revista que tinha por objetivo apresentar aos leitores uma história social, com predomínio no campo da história econômica, observando os eventos e os “grandes homens” na longa duração e buscando problematizá-los, dialogando com as demais ciências humanas e em especial com a sociologia de Émile Durkheim, dessa forma adensando da história enquanto saber.
É o sucesso da revista que mostra a fragilidade do paradigma anterior. O que ficou conhecido como “Primeira Geração” dos Analles moldou uma história que se preocupa em formular problemas, que recusa a pratica historizante, que aproxima o saber histórico dos demais saberes, que não observa o momento, mas sim a longa duração, o cunho social. E é com essas premissas que se iniciou uma “história da sensibilidade” com o foco na profundidade, nos problemas, uma história que tinha o indivíduo como agente histórico, uma história carnal que gera prazer estético.



2-
A Escola Metódica da erudição, da passividade e da história narrativa,  teve reflexos em todo o ocidente, incluindo o Brasil, mas antes de apresentar seus impactos no país tropical é necessário apresentar as características que estruturaram o corpo metódico de discussão. Como afirma Guy Bourdé, em 2018, o embrião metódico surge durante a terceira república na França (1870-1940). É o período em que se criou e se institucionalizou a escola gratuita, obrigatória e laica com um objetivo muito claro: formar, desde jovens, soldados republicanos.
Dentro das grandes universidades francesas estavam se consolidando as áreas de conhecimento para além da filosofia, é o período de disciplinarização das diversas humanidades como a Ciência Política e a Sociologia. Para além das universidades, é o período em que as monarquias e o catolicismo, os até então grandes construtores de identidades coletivas, entram em crise e tornou-se necessário discutir algo novo para aglomerar grandes contingentes de pessoas tão diferentes. É o período dos estados nacionais.
Voltando à França, nas grandes universidades, olhava-se para a história, uma disciplina ainda em construção, na esperança de uma “proposta de unificação”. E ela é atendida pelo paradigma metódico, um paradigma que tinha por princípios a  objetividade, a imparcialidade, a negação as reflexões filosóficas, a passividade do historiador e um caráter literário. O seu principal objetivo era formar uma coletânea de erudição. E a principal pauta era a construção nacional.
Talvez a principal causa da profissionalização da história estivesse nessa pauta. Era preciso conferir verdade ao que o historiador afirmava, por essa razão a História ganha autoridade. E aqui pode se localizar a maior contribuição da escola metódica para o saber histórico: a disciplinarização e profissionalização da história. Com o lugar garantido nas universidades europeias, em especial nas universidades francesas, a dispersão do paradigma cientificista tornou-se mais fácil.
É relevante ressaltar que o período descrito acima é paralelo ao darwinismo social e as teorias eugenistas de superioridade racial. E é acompanhada desses pressupostos que a Escola Metódica chega ao Brasil. Todavia aqui não haviam grandes universidades então a pauta da construção nacional se alojou em outro berço.
Lilia Schwarcz, no artigo “O espetáculo da miscigenação”, apresenta uma síntese do período. O Brasil havia passado pela Guerra do Paraguai (1864-70), pela Lei do Ventre Livre (1871), pela fundação do Partido Republicano Paulista (1873), pela Lei Áurea (1888), pela Constituição Republicana (1891), pela Revolta da Vacina (1904), pelas Greves Gerais (1907). É em meio a essa serie de acontecimentos que o paradigma metódico começa a ser difundido. Pela ausência das universidades, a construção nacional fica a cargo dos Institutos Históricos, das academias e dos grêmios brasileiros. Localizados em São Paulo, Rio de Janeiro, Belém, Salvador e Recife, estão sob tutela de médicos e advogados filhos dos grandes oligarcas da época. Eram os responsáveis por definir padrões morais para todo o Brasil.
O estudo da história ficou restrito a uma elite que partilhava o ódio aos “outros”: negros e indígenas. No período destacam-se nomes como: Arthur de Ramos, Nina Rodrigues, Herman von Ihering, Emílio Goeldi e Sylvio Romero, todos influenciados pelo teorico racialista Arthur de Gobineau. O que chama atenção é o fato de discutirem uma identidade nacional em que não se enquadrava a maior parte da população brasileira: almejam um brasileiro branco e católico, que orgulhavam da origem ibérica.

3-
Dando continuidade a discussão anterior e avançando um pouco mais no tempo, chegamos ao período Vargas no Brasil e a eminência da Segunda Grande Guerra no mundo. É o auge do pensamento eugenista em todas as áreas dos saberes. Na psicologia, por exemplo, é o período em que se popularizam no Brasil os manicômios e os tratamentos por eletrochoque e afogamento, na Europa discutia-se a lobotomia. É importante citar não só os manicômios mas também os presídios, pois eram os lugares para os quais eram enviados os indesejados, os que não se enquadravam no projeto nacional de identidade ou se incomodavam com ele.
Getúlio Vargas promoveu uma “redescoberta” do Brasil, como afirma Ângela de Castro Gomes, em 2007. Um oligarca que caçou seus iguais, um caudilho que promoveu a industrialização, um ditador que disseminou a cidadania. É em meio a tantas contradições que se busca construir uma imagem nacional e para tal tarefa destacaram-se Gilberto Freyre, Sergio Buarque de Holanda e Caio Prado Junior, a matriz historiográfica brasileira.
Tentavam pensar o Brasil através dos seus problemas e é com uma visão saudosista que o preso do racismo científico Gilberto Freyre coloca sua interpretação de Brasil. Em “Casa Grande e Senzala” o autor lembra da colonização e afirma que está no  patriarcado a unidade nacional. Enxerga na miscigenação a solução para os conflitos entre brancos e não-brancos e uma fonte de “orgulho nacional”. Freyre criou o paradigma culturalista brasileiro e, como afirma Jessé Souza, hoje muitos são freyrianos sem o saber. Todavia fez tudo isso com certo tom de saudosismo, como se a antiga política oligárquica fosse a solução brasileira e não o motivo de seu atraso, como colocam os demais autores.
Sergio Buarque de Holanda (S.B.H.), paulista e advogado de formação, escreve “Raízes do Brasil” onde afirma que os portugueses estariam mais aptos para colonizar o Brasil já que não tinham o “orgulho de raça”. Diferentemente de Freyre, S.B.H. foca nos métodos de produção para concluir que o brasileiro herdou a preguiça dos portugueses e desenvolveu uma cordialidade que inibe o progresso já que não possibilita delimitar espaço público e privado, muito diferente dos protestantes norte-americanos. Posto isso, Sergio Buarque dá o ponta pé inicial para o que conhecemos hoje como “complexo de vira lata”. Sendo assim, não há saudosismos aqui, para Buarque de Holanda a opção é romper com o passado colonial.
Mais radical que S.B.H., oligarca de berço e anti-oligarca de convicção, é Caio Prado Junior. O progressista que apoia a Revolução de 30 e se decepciona com Vargas, escreve “A formação do Brasil contemporâneo”, onde localiza o gigante dos trópicos como ainda em uma processo de transição capitalista que se iniciou com a vinda da família real portuguesa. A defesa de Prado Júnior se faz em um país autônomo e industrial, com um sentido nacional e não mais europeu (a agenda de Vargas). Tal feito só seria alcançado com o rompimento total com o passado colonial e uma inversão completa da sociedade.
A partir da leitura de Bernardo Ricupero, de 2008,  e de Jessé Sousa, de 2017, é que fora elaborado os resumos acima e conclui-se que de comum aos três autores observamos o protagonismo português, a indiferença quanto ao nativo e a defesa do patriarcado como unidade nacional. É valido lembrar que história é poder: do artigo já citado de Schwarcz, é apropriado abstrair que se discutia raça para não se discutir os problemas pelos quais o país passava: mais da metade da população era não-branca e todo esse contingente estava fora alheio ao Brasil almejado pelos pensadores da época. Talvez daqui parta a afirmação de José Murilo de Carvalho de que no Brasil os direitos sociais são visto como dádivas, como presentes. Discutiram os “problemas” brasileiros para não discutir a ausência de direito dos brasileiros.

REFERENCIAS
Textos da disciplina e anotações pessoais sobre as aulas.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. 2003. O espetáculo da miscigenação. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz.
CARVALHO, José M. 2001. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
SOUZA, Jessé. 2017. A elite do atraso. Rio de Janeiro: Leya.

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