Se o grileiro vem, pedra vai:
redes de solidariedade e suborno na Fazenda Bonito, território Kalunga
Francisco Octávio Bittencourt de Sousa
Resumo: Esse é um trabalho sobre o processo de grilagem de terras no território do Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga (SHPCK), no nordeste goiano. A história contada aqui ainda está tendo desdobramentos, tornando necessário retificações futuras. O leitor encontrará nas páginas que seguem uma narrativa que se confunde com o realismo mágico latino, contada a partir das experiências de um jovem universitário branco que reconhece os privilégios trazidos por essa cor de pele. Meu objetivo é olhar para esse processo por um prisma antropológico; narrar com precisão todo o caminho que percorri; descrevendo com minúcia os indícios de grilagem encontrados nos processos analisados, as incursões a campo, as horas de entrevistas etc. Apesar de um recorte espacial pequeno - cerca de 38 mil hectares que compõem a Fazenda Bonito - os fatos aqui registrados refletem a afirmação de que a história brasileira é, na realidade, uma história de luta pela terra. Esse não é um texto neutro. A pesquisa foi ferramenta para garantir que toda a área da Fazenda Bonito seja reconhecida como patrimônio da comunidade Kalunga.
Palavras-chave: grilagem; redes de solidariedade e suborno; modos de vida; quilombo Kalunga.
Apresentação
Esse texto é um dos produtos da pesquisa que comecei ainda em 2020, quando decidi que o meu tema seria grilagem de terras. A história contada aqui ainda está tendo desdobramentos, tornando necessário retificações futuras. Esse é um trabalho sobre o processo de grilagem de terras no território do Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga (SHPCK), no nordeste goiano. O leitor encontrará nas páginas que seguem uma narrativa que se confunde com o realismo mágico latino, em que mortos negociam terras, operam milagres, encontram irmãos que nunca existiram etc, contada a partir das experiências de um jovem universitário branco que reconhece os privilégios trazidos por essa cor de pele.
Meu objetivo é olhar para esse processo por um prisma antropológico; narrar com precisão todo o caminho que percorri até o momento, descrevendo com minúcia os indícios de grilagem encontrados nos processos analisados, as incursões a campo, as horas de entrevistas etc. Apesar de um recorte espacial pequeno - cerca de 38 mil hectares que compõem a Fazenda Bonito - os fatos aqui registrados refletem a afirmação de que a história brasileira é, na realidade, uma história de luta pela terra.
Fui acusado diversas vezes de ter uma escrita “militante”, então adianto logo: esse também não é um texto neutro, nem almejo qualquer neutralidade. A pesquisa foi ferramenta para garantir que toda a área da Fazenda Bonito seja reconhecida como patrimônio da comunidade Kalunga. Como ensina Abdias do Nascimento (2002, p.310):
A chamada "neutralidade científica" funciona como máscara para o preconceito eurocêntrico exatamente como o chamado "universalismo" tem sido um disfarce para a imposição do sistema de valores europeus sobre outros povos do mundo. Mais ainda, diante dos povos dominados nenhum observador pode manter-se inteiramente neutro. Seus estudos e conclusões serão utilizados para intervir de alguma forma sobre a experiência de dominação. O estudioso, então, contribui ou para prolongar a dominação ou para adiantar o processo de libertação
Me aproximei da comunidade e fiz amigos no campo; me indignei quando as invasões voltaram a ocorrer no território; criei laços que vão além da escrita de um trabalho acadêmico. Pude colocar em prática tudo que aprendi na universidade e a "militância" da minha escrita parece não ter prejudicado os resultados, dado que produtos dessa pesquisa foram validados por técnicos do Ministério Público Federal (MPF).
Introdução
A terra é, provavelmente, o segundo fator mais importante nos estudos do campesinato, ficando atrás somente do próprio camponês. É a terra que permite a reprodução (social e biológica) do camponês. Entre os Kalunga de Goiás (chamados de "povo da terra" por Mari Baiocchi (1999)), é comum ouvir a expressão "nasci, fui criado e criei nessa terra".
Analisando a história brasileira, vemos que há um contínuo embate pela terra (CUNHA, 2012; DIAS, 2019; MOTTA, 2012). Desde a colonização povos indígenas foram oprimidos, perseguidos e expulsos das terras que ocupavam. Isso quando não impunham resistência e eram caçados e mortos. As justificativas eram as mais diversas: desde uma forma "inapropriada" - na concepção dos colonizadores - de lidar com a terra, até o "atraso da civilização" (GUIMARÃES, 2009). Essa parcela “indesejada” da população constitui o que Alberto Passos Guimarães (2009) classificou como “intrusos”: indígenas, negros e pobres, que não se dobraram diante das condições opressivas instituidas na colonização e revalidadas nos regimes administrativos seguintes.
“Intrusos”, “indesejados”, “vadios”, “preguiçosos”: as pessoas que receberam essa classificação demoraram a ter a atenção devida dos pesquisadores, mas, na realidade, constituíram importante instrumento de luta contra o latifundiário desde a segunda metade do século XVIII e por todo o século XIX (GUIMARÃES, 2009, p.54).
Com seus modos de vida particulares criaram brechas entre as frentes de expansão capitalista no campo; ainda mais no Brasil, onde nunca houve uma adequada partilha de terras. Porém, a ética cristã (e, posteriormente, a capitalista na sua expressão jurídica) passou a exigir justificativas para perseguições e massacres. Dentro dos meios jurídicos, dominados pelos colonizadores, surgiram classificações para a propriedade (coletiva e individual; latifúndio de produção, de proporção, produtivo, improdutivo; minifúndio etc.) e para os “intrusos” da terra (posseiros, colonos, camponeses pobres etc.) (CUNHA, 2012; DIAS, 2019; MATTEI & NADER, 2013; GUIMARÃES, 2009).
O caso da Fazenda Bonito ilustra essas afirmações. Não é uma coincidência que a grilagem afete o território e o povo Kalunga. Localizado “entre vãos e serras, cobertos por um céu de azul celeste, límpido e profundo, e emoldurado pela beleza sutil dos Cerrados nas margens do rio Paranã, desenvolveu-se um pedaço da África” (DIAS, 2019, p.52), o imóvel é habitado atualmente por mais de 100 famílias quilombolas, possui dezenas de nascentes, e riquíssimas reservas minerais sob a vegetação em que predomina o cerrado denso e o cerrado típico. A ausência de documentos por se tratar de uma ocupação quilombola e a morosidade do poder público em dar fim ao problema, titulando a comunidade, são portas abertas para mais e mais fraudes. Há aqui toda sorte de esquemas. Estima-se que para cada hectare da área total existam 4 fraudados.
A antropologia nos possibilita analisar esse processo verticalmente, observando - para além dos documentos - o que está sob e sobre a terra. Depois de realizar uma substantiva análise bibliográfica, percebi que o que se repetia nos processos de grilagem era a atuação conjunta de diferentes autores, formando uma rede que Motta (2001;2005) chamou de “rede de solidariedade e suborno”, congregando grupos econômicos, testas-de-ferro, servidores, aliados, bate-paus etc. Por influência de Guilherme Moura e Guilherme Sá, passei a observar que essas redes transcendem os humanos, incluindo por vezes mortos, animais, maquinário agrícola, agrotóxicos, brechas em legislações, eventos atmosféricos, o fogo etc; inúmeros elementos que fazem fazer como resultado da captura de noções de mundo, ou seja, mesmo quando deslocados do ambiente para o qual foram desenvolvidos – e talvez principalmente nessas situações – esses objetos continuam agindo, vão aglutinando formas de agir e relações em contato com outros meios. Dessa forma, abre-se espaço para pensar a grilagem verticalmente, alocando os processos no espaço em disputa.
O presente trabalho é resultado de dois anos entre revisão bibliográfica e pesquisa de campo. O ano de 2020 foi voltado para leituras, para conhecer os "clássicos" da grilagem e pela busca de um local para desenvolver a pesquisa. O segundo ano foi voltado para o trabalho de campo com a comunidade Kalunga. Foram analisadas mais de 18 mil páginas de processos e documentos diversos, centenas de documentos em arquivos históricos e paroquiais, dezenas de pedidos de informação, relatórios de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) e Comissões Parlamentares Mistas de Inquérito (CPMIs) e mais de 30 horas de entrevistas com membros da comunidade e externos, originando alguns produtos como estudos para a Associação Quilombo Kalunga (AQK), notas técnicas, relatórios diversos, reportagens, publicações e participação em eventos acadêmicos.
Com essa variedade de fontes, esse trabalho almeja desvendar parcela das práticas de grilagem no nordeste goiano, expondo elementos dessa rede de solidariedade e suborno que, apesar de dinâmica e flexível, apresenta fragilidades que só não são vistas por uma enorme suspensão de realidade. Nem todos os nomes citados são reais. Algumas fontes importantes pediram para que não fossem citadas em nenhum produto da pesquisa, pedido que fará cada vez mais sentido conforme a trama criada em Cavalcante for revelada.
Nova filosofia, religião ou epidemia
Conceito chave desse texto, grilagem é um processo fraudulento de aquisição de terras públicas ou particulares (SOARES, 1995, p.66) com dimensão secular e arraigada – compreendendo mecanismo comum entre grandes latifundiários de expansão de suas propriedades – em sua definição de grilagem, caracterizando-a dentro de redes de solidariedade e suborno (MOTTA, 2005) que atuam contra a nação, assumindo historicamente o fundamento da propriedade privada no Brasil; por meio do qual criou-se a possibilidade de latifundiários expandirem sua propriedade indefinidamente.
Nessa mesma linha de constituição de uma rede, Prieto (2020) aponta para as relações sociais, econômicas e políticas que estão na base da grilagem, motivando a aliança entre grandes proprietários de terra e proprietários do capital. Perspectiva similar à de Devisate (2017), que escreve sobre a amplitude do universo da grilagem, se tornando até mesmo uma ameaça ao meio ambiente e à soberania nacional, pois ela é expressão moderna do desenvolvimento capitalista brasileiro que submeteu a terra à superexploração e os povos que as ocupavam à perseguição constante, evidenciando uma forma própria de relação com o meio ambiente.
No Livro Branco da Grilagem (INCRA, 1999) ressalta-se o conluio e a conivência de parte do poder público com o roubo de terras, sendo impossível falar de grilagem sem falar do papel que os órgãos de gestão do patrimônio público e do judiciário exercem para o sucesso da fraude de maneira direta (participando ativamente da cadeia operatória da grilagem) ou indireta (se ausentando do papel fiscalizatório ou perpetuando brechas institucionais).
Outros autores têm apontado para a continuidade e expansão dessa rede de solidariedade e suborno, posto que comporta cada vez mais categorias genéricas, como: empreendedores rurais, madeireiros, criadores de gado e especuladores agrários, em sua maioria, latifundiários que, voltados para o mercado internacional, que tem sofisticado os métodos de obtenção ilegal de terras (ROCHA, 2015; GREENPEACE, 200?; MELO, 2006; FELLET, 2021).
Adentrando nessas redes de solidariedade e suborno, é preciso compreender que o “não agir”, a conivência ou a famosa “vista grossa”, também constituem – para esse autor – uma forma de agência, principalmente de órgãos públicos, que possibilita a fraude grileira. Não há inocência nesse processo, posto que os interesses dos atores do setor público se confundem com os interesses privados, mesmo porque por vezes esses atores são as mesmas pessoas (SERRA, 2019). Fajardo (1988) aponta a idêntica atuação – de omissão ou conivência – dos órgãos que deveriam apurar, julgar e punir os criminosos como tônica comum entre os inúmeros casos de conflito no campo. Linhares e Silva (1999) complementam a análise somando o calote bilionário dado anualmente, que hoje (2021) já alcança um terço do PIB brasileiro:
ao mesmo tempo que se fecha os olhos à violência e aos crimes dos grandes proprietários, que agora se autodenominam "agraristas" e, longe de serem molestados em suas práticas já multisseculares de quem não aceita qualquer limite a seus poderes informais, pelo contrário vêem também legalizado o seu calote bilionário (p.IX)
Considerando os atores do processo de grilagem, em especial servidores do poder público que atuam na “legalização do ilegal”, é possível notar uma aproximação entre a grilagem e a “pilhagem” da qual fala Mattei e Nader (2013). Os dois fenômenos têm por característica o uso da lei para justificar, administrar e sancionar enormes disparidades, locais e globais. Em sua obra, os autores analisam como a ideologia ocidental implícita nas normas jurídicas servem, com frequência, para camuflar a tomada de terra, água, minerais e força de trabalho de nativos e marginalizados (MATTEI & NADER, 2013, p.13), cujo melhor resumo dos efeitos práticos de tal postura é dado por Antônio Bispo dos Santos (2015, p.76):
Do que todas essas comunidades são acusadas? De serem povos atrasados, improdutivos e sem cultura, portanto, um empecilho ao avanço e ao desenvolvimento da integridade moral, social e econômica e cultural dos colonizadores. O que podemos perceber é que essas comunidades continuam sendo atacadas pelos colonizadores que se utilizam de armas com poder de destruição ainda mais sofisticado, numa correlação de forças perversamente desigual. Só que hoje, os colonizadores, ao invés de se denominarem Império Ultramarino, denominam a sua organização de Estado Democrático de Direito e não apenas queimam, mas também inundam, implodem, trituram, soterram, reviram com suas máquinas de terraplanagem tudo aquilo que é fundamental para a existência das nossas comunidades, ou seja, os nossos territórios e todos os símbolos e significações dos nossos modos de vida.
As reflexões desses autores nos possibilitam pensar que a ideia tradicional da grilagem feita através dos “títulos pena”, criação de herdeiros de sesmarias, criação de cadeias dominiais mediante corrupção de cartório e do poder judiciário etc. (BRASIL, 2002; ASSELIN, 1982; DEVISATE, 2017) já não é mais suficiente para a análise do processo. É preciso verticalizar a análise da grilagem pensando que a área alvo deste crime não é apenas um número em metros quadrados ou alqueires, obtido da análise em duas dimensões. É necessário olhar o processo em pelo menos três dimensões para enxergar o que e quem ocupa essa área, o que está sobre a terra (madeira, espécies endógenas, tradições, técnicas etc.) e sob ela (água, minérios, fertilidade etc.).
A grande propriedade resiste
O historiador francês François Chealier destaca [...] uma característica básica do conjunto do mundo agrário latino-americano: a grande propriedade resiste, se adapta ou se afirma em qualquer que seja a conjuntura (LINHARES & SILVA, 1999, p.55).
Antes da Lei de Terras de 1850, o processo de grilagem girava entorno das sesmarias, sendo registrados diversos métodos criminosos de obtenção de terras a exemplo de posse de múltiplas sesmarias (por vezes em conluio com “testas de ferro”); caça e assassinato de indígenas com posterior ocupação das suas terras; o poder de poucas famílias sobre o aparato jurídico, acabando por legitimar a grilagem utilizando "interpretações criativas" das leis; doação e transmissão por herança de terras; entre outros (NOZOE, 2006; MOTTA, 2004; PINTO, 2011, PUNTONI, 1999; PESSOA, 2003; MOTTA, 2012; CUNHA, 2012; PRIETO, 2020).
A Lei de Terras de 1850, como afirma Prieto (2020), foi o primeiro marco jurídico nacionalizado da legalização da grilagem de terras no Brasil, atropelando nativos e outras populações locais com métodos alternativos de uso da terra.
A ausência de discussão sobre o termo “terras públicas” abriu brecha para o surgimento de uma rede de solidariedade que tinha por objetivo a falsificação de títulos legitimados por escrivães mediante suborno. Era sabido que o poder central do Império não tinha capacidade para fiscalizar o processo de ocupação de terras e, com o aparato militar nas mãos dos grandes proprietários, era comum o aumento da fronteira das propriedades por meio de violência. O método mais comum era a falsificação de títulos - por meio do afamado método dos grilos ou urina de equinos – já que os registros eram precários e a fiscalização possuía baixíssima eficácia (SILVA, 1997; MARTINS,1996; PRIETO, 2020).
Junto com a Lei de Terras de 1850, a tentativa de regularização de terras através dos "registros do vigário" ou “registros paroquiais” em 1854 inaugurou mais uma forma de legalização de grilos, abrindo a possibilidade de proprietários estenderem, nas declarações paroquiais, o quanto quisessem suas propriedades. A precariedade dos registros e dos mapas foi assinalada no mesmo século, inaugurando a grilagem por meio de "medições fantásticas" reforçada pelo descaso do Estado ao fingir ignorar o que ocorria, não tomando, com isso, medidas cabíveis para dar fim a esse estado de coisas, revelado nas constantes ilegalidades frente às áreas devolutas e na decorrente violência contra os camponeses (BORGES, 2009).
O período de decadência do Império e ascensão da República é marcado por negociatas com a elite de grandes proprietários, forjando o novo regime sob o pilar da concentração de terras. Foram enormes os passos dados rumo a consolidação da grilagem como principal ferramenta de aquisição de terras no país em que a argamassa que unia a elite nacional, como reconhecido por Linhares e Silva (1999, p. 92-93) era a oposição a qualquer forma de propriedade alternativa da terra, como a terra comunal ou as terras ditas de "santo" ou "de negros":
Entretanto, nem todo o poderio político do latifúndio conseguiu impedir o surgimento de bolsões de resistência e que estouraram em guerras abertas pelo país, a exemplo de Canudos e Contestado, como bem nos lembra Antônio Bispo dos Santos (2015, p.50):
Com a promulgação da primeira constituição republicana, em 24 de fevereiro de 1891, todos os analfabetos, em sua imensa maioria negros e índios, perderam o direito ao voto e o direito de serem eleitos, assim como também foram cerceados o direito de falarmos as nossas línguas, de praticarmos os nossos cultos, de festejarmos, etc., criminalizando e/ ou impondo uma série de dificuldades para mantermos vivos todos os símbolos e as significações dos nossos modos de vida. Tamanha foi a opressão sofrida nesses tempos que durante todo o período republicano (1889-1930), assistimos no Brasil a eclosão de inúmeros conflitos e rebeliões, inclusive no interior da própria organização político-social dos colonizadores como, por exemplo, a Revolta da Chibata (1910), a Revolta dos Tenentes (1922) e a Revolta de 1924 que se desdobrou na Coluna Prestes.
Como nos lembra Clovis Moura (2020, p.110): “não é por acaso que logo depois da proclamação da República cria-se a Lei da Vadiagem para agir como elemento de repressão e controle social contra essa grande franja marginalizada de negros e não brancos em geral” e que persiste e é reforçada no próximo regime.
O Golpe de 1930, que deu fim a Primeira República, e o governo provisório instaurado em 1931 inaugura uma nova rodada de legalização da grilagem. É interessante destacar que Getúlio Vargas conseguiu "renovar" os agentes da grilagem com os interventores locais, substituindo integrantes das redes de solidariedade e suborno já estabelecidas: “tratava-se uma guerra surda entre os velhos setores agrários do país e as novas idéias autoritário-modernizantes” (LINHARES & SILVA, 1999, p.127).
Esse também é o período da expansão dos incentivos fiscais e da criação de megaprojetos de infraestrutura, promovendo uma supervalorização da terra e incentivando a grilagem, que seguia perseguindo e assassinando posseiros e povos nativos, garantindo ao governo Vargas mais uma dubiedade: ao passo que “os soldados brasileiros foram enviados para a Europa para combater o holocausto do povo judeu, [...] no Brasil a sua força era utilizada para promover a expropriação territorial e o genocídio das populações tradicionais que aqui residiam” (SANTOS, 2015, p.51).
Com a queda de Vargas, em 1945, o equilíbrio de forças precário que fora estabelecido anteriormente ruiu. As velhas oligarquias agrárias foram implacáveis contra a intervenção estatal no campo. Entretanto, não se pode tirar de Vargas e dos demais governos desenvolvimentistas pré-Ditadura Militar a popularização da questão agrária. Nota-se esse fato com o sucesso de obras como Menino de engenho, de José Lins do Rego; Vidas Secas de Graciliano Ramos; Sinhá-moça, dirigido por Tom Payne e Oswaldo Sampaio; entre outros (LINHARES & SILVA, 1999).
Todas as investidas federais contra a estrutura fundiária instalada na quarta república encontravam forte resistência no Congresso Federal. Especialmente no governo Goulart, era grande o temor da extensão de direitos trabalhistas e sociais aos assalariados do campo, fazendo uma junção entre os grupos urbanos rurais que lutavam pelas chamadas reformas de base. Essa medida e outras mais que viriam conforme crescia a pressão por reformas sociais, como o projeto de reforma agrária, culminaram na crise de 1964.
Com o Golpe Militar de 1964, o processo de grilagem virou rotina e passou a ter o Estado como seu maior contribuinte (PRIETO, 2020). Temendo os contingentes cada vez maiores de insatisfeitos no campo
O Estatuto da Terra [criado meses após o golpe, em novembro de 1964] surgia exatamente como o reconhecimento pela ditadura de uma questão agrária no país ou, como já foi dito, como o reconhecimento de um longo processo de lutas sociais e políticas. Entretanto, a própria interpretação do Estatuto da Terra foi feita de tal forma que se possibilitou que o processo de resolução da questão agrária, tal qual imaginava-se naquele momento, fosse montado sobre a idéia-chave de modernização do latifúndio. Tal associação, estreitíssima, entre propriedade da terra, bancos e grande capital (no mais, multinacional) abria caminho para a industrialização do campo, a formação dos CAIs e a indiferenciação campo/cidade [atropelando os pequenos camponeses e excluindo do debate comunidades tradicionais] (LINHARES & SILVA, 1999, p.186-187)
A grilagem se tornou, escancaradamente, a principal modalidade de aquisição de terras no País. Foi um período de aumento do fluxo do capital internacional, incentivando a grilagem de terras com venda garantida a estrangeiros, com conhecimento e participação de membros do poder público, consagrando as redes de solidariedade compostas por grileiros, empresários, funcionários públicos e capital internacional; a exemplo do Bradesco no caso das terras dos Avá Canoeiro, da Tellus S/A no Matopiba, da C. R. Almeida no Pará, da Celestial Green Venture e comunidades amazonenses etc.
O enfraquecimento do regime militar e o retorno do regime democrático trouxeram à tona a extrema violência que compôs o repertório de técnicas da grilagem no período, com ampla repercussão nos governos que sucederam o período ditatorial. Entretanto, apesar dos crimes cometidos em parceria com o Estado, os senhores do latifúndio ainda seguiam influentes no meio político
Ao mesmo tempo que a Constituição de 1988 criou os mecanismos necessários para se proceder a uma grande reforma agrária no país (definia claramente a desapropriação de terras por motivos sociais e o pagamento das terras com títulos da dívida pública), o próprio presidente da República capitaneava uma ampla frente conservadora, o centrão, de bloqueio a qualquer mudança estrutural da sociedade brasileira (LINHARES & SILVA, 1999, p.196)
A pressão por reformas sociais seguia aumentando. Mais organizados, os trabalhadores rurais, agora assessorados por advogados e parlamentares, passaram a exigir de pecuaristas e madeireiras, na justiça, a apresentação dos títulos que dariam direito às expropriações dos posseiros. De acordo com Linhares e Silva (1999) a resposta veio rápida; por todo o país, “jagunços assassinavam líderes sindicais, advogados e padres envolvidos na defesa dos sem-terra”. (p.196-197).
As denúncias foram tão assustadoras que o período seguinte foi marcado por uma série de iniciativas de combate à grilagem, a exemplos das diversas CPI’s que trataram direta ou indiretamente do assunto (CPI da ocupação de terras públicas na região amazônica (2002), CPMI da Terra (os dois relatórios de 2005), CPI do Extermínio no Nordeste (2005) e CPI da Biopirataria (2006)) e da publicação do Livro Branco da Grilagem (INCRA, 1999).
Já nos anos 2000, sob o avanço do neoliberalismo em terras latinoamericanas, a grilagem recebeu novo incentivo – desde que enquadrada no amplo espectro da “posse mansa e pacífica” – com a certeza da regularização das terras. Sob o governo Lula, o Programa Terra Legal, criado em 2009, premiou a grilagem com a igualização jurídica de grileiros e posseiros.
Parcelando as terras em frações correspondentes aos limites legais, o grileiro conseguia o título da terra. Tal programa marcou a contrarreforma agrária ocorrida nos governos petistas (e continuada com o Golpe de 2016 e a ascensão da extrema direita neofacista), que transferiu “terra, patrimônio público, para grileiros e/ou grandes proprietários (e seus laranjas), colaborando para expansão do domínio do agronegócio no Brasil e fundamentalmente para a especulação fundiária e suas estratégias de extração de renda fundiária” (PRIETO, 2020, p.160) e possibilitou a criação de medidas provisórias, decretos, projetos de leis e leis – a exemplo Medida Provisória (MP) 759/2016 transformada na Lei n. 13.465/2017, da MP 910/2019 que caducou, mas acabou transmutada no PL 2633/2020 – com o objetivo de anistiar grileiros (OLIVEIRA, 2020; PRIETO, 2020).
A novidade nesse ínterim foi a possibilidade da grilagem verde, utilizando mecanismos que serviriam para regularização ambiental. O Cadastro Ambiental Rural (CAR) inaugurou uma nova modalidade de grilagem que pode ser praticada com menos intermediários e de dentro de casa, posto que é digital e autodeclaratório.
O Cadastro Ambiental Rural foi um mecanismo instituído pela lei 12.651/2012. Concebido como mecanismo de regularização ambiental, acabou se tornando instrumento da grilagem na medida em que passou a servir como comprovante de posse que muitos invasores usam para reivindicar as áreas griladas e colocá-las à venda, tentando dar aspecto de legalidade às transações (FELLET, 2021; OLIVEIRA, 2020).
Ligada à presunção da fiscalização da apresentação de comprovação da propriedade ou posse (note a quantidade de ações) na rede de relações práticas, o CAR autonomizou-se, se tornando ferramenta de grilagem. Unindo os programas, benefícios e autorizações ligados ao CAR com a aceitação como prova de propriedade, o resultado é que o registro está sendo utilizado como regularização prévia de interesses do latifundiário, ou seja, um tipo de acordo para negociar terra, soja ou gado, ou para possibilitar acesso a financiamentos públicos e privados em áreas rurais, aquecendo atividades econômicas e a especulação imobiliária rural, formando verdadeiras redes de solidariedade e acelerando processos de expulsão de povos tradicionais de seus territórios (OLIVEIRA, 2020; Redação RBA, 2020; DALLABRIDA & FERNANDES, 2020).
Hoje diversos procedimentos de regularização fundiária utilizam o CAR como forma de comprovação de posse, o que demonstra a autonomização para além do simples desvio, se tornando regra que propicia a fraude. O cadastro garantiu apenas parte dos benefícios previstos no texto da lei, desburocratizando a regularização ambiental ao passo que criava um banco de dados de produtores rurais sem avançar na mesma intensidade para comunidades tradicionais (a exemplo da já citada exigência de uma “área líquida” para as comunidades tradicionais). Pelo contrário: o que se assiste é, em alguma medida, a flexibilização para o primeiro grupo e a criação de entraves para o segundo. As comunidades, apesar de possuírem um módulo específico dentro do cadastro, não obtiveram benefícios com a regularização ambiental e se viram cada vez mais à mercê de conflitos socioespaciais.
Atualmente, a grilagem tem se fortalecido com o anúncio de terras roubadas na Internet, expandindo a rede de solidariedade. Não é raro que se encontre em oferta terras “aguardando titulação” ou “com registro no CAR” à venda. Quando a transferência é efetivada, o grileiro tem a chance de se distanciar da fraude, "passando o problema adiante". Para tanto, não é raro que a área grilada seja fragmentada e vendida para diversos compradores, aumentando o lucro do grileiro e encobrindo a fraude.
Nos aproximando mais do recorte espacial desta monografia, desde as pesquisas realizadas por Mari de Nasaré Baiocchi (1999), é sabido que as terras dos Kalunga começaram a ser griladas em 1942, quando se iniciou a expansão para o norte do estado de Goiás. A grilagem teria se aprofundado na década de 60, após a mudança da capital para Brasília, que fica a cerca de 300km do território tradicional Kalunga. Nas décadas seguintes, mais de duas dezenas de mineradoras, empresas agrícolas, pastoris e hidrelétricas (algumas citadas mais a frente no texto) também se apossaram de partes do território Kalunga.
As demandas dos Kalungas por seu território começam apenas em 1975, quase 30 anos depois do início do avanço da grilagem sobre o território. Neste ano, os Kalungas foram até o IDAGO (Instituto de Desenvolvimento Agrário de Goiás), em Goiânia, para fazer o primeiro requerimento de propriedade das terras que eles habitavam. A demanda dos Kalunga pelo reconhecimento do seu direito à propriedade das terras e consequente proteção do seu património cultural baseava-se na ancestralidade da propriedade e na afirmação da importância de preservar e proteger as comunidades tradicionais do Brasil. Até então, a preocupação normativa para com a proteção de espaços territoriais quilombolas era inexistente. Esta luta se intensificou com a chegada de Mari Baiocchi e sua equipe. Começava então a coleta de informações que resultou na primeira leva de publicações acadêmicas sobre grilagem do território Kalunga nos anos 90 (SOARES, 1995; MARTINS, 1997; SOUZA, 1997).
Durante a segunda rodada de entrevistas, entre setembro e novembro de 2021, em uma noite de chuva forte em Teresina de Goiás ouvi um dos relatos mais pesados associados ao tema. Estava reunido com representantes de três gerações da família Santos Rosa tentando rastrear os primeiros ocupantes das terras da Bonito. Dona Davina e Dona Bernardina estavam receosas em conversar conosco. Foi a intervenção de Ismail, filho de Davina, que possibilitou a conversa: “eles estão fazendo esse estudo para que não aconteça com o pessoal do Prata o que aconteceu com a gente”. Perguntei o que havia acontecido com a família e foi narrada a três vozes a guerra que aconteceu na zona rural de Teresina, território Kalunga, entre os anos 70 e 80.
A família vivia no campo, criando gado e plantando, até a chegada dos “gaúchos”. Vieram bem armados e em veículos, elemento novo para o lugar. Alegaram que as terras eram deles e que as famílias iriam sair por bem ou por mal. Instauraram um verdadeiro regime de terror, tornando comum a perseguição, tortura e assassinatos. Dona Davina narra que perdeu o esposo e um filho no período, assassinados na frente da família. Os gaúchos chegaram no entardecer e chamaram o esposo e o filho mais velho, conhecidos por impor resistência aos desmandos dos estranhos. O esposo de Davina negou ajoelhar-se na frente dos opressores dizendo que só se ajoelhava pelo seu senhor Jesus. Pai e filho foram executados a tiros na frente da família. Além das execuções, a família contou histórias de degolas e de pessoas que eram amarradas na “rural” (modelo de veículo) e puxadas por quilômetros nas estradas de terra. O regime de terror imposto pelos invasores só terminou quando assassinaram o filho de um dos comandantes de polícia de Goiás. Ismail recorda que depois desse assassinato não demorou para que chegassem batalhões inteiros em Teresina. O leitor não pense que os grileiros acabaram presos. A resposta militar veio na mesma moeda. O último dos gaúchos tinha por nome Divaldo Aquimédio.
Relatos como esse nos dão uma dimensão do que a grilagem de terras representa na vida das pessoas. Apesar de extrapolar os limites da Fazenda Bonito, esse breve histórico é importante para cravar que a grilagem não ocorre apenas em um imóvel ou em uma região; pelo contrário, é parte relevante da história social brasileira.
Pelo apresentado até então, já é possível distinguir ao menos dois impactos da grilagem: o econômico e o social. Para compreender o motivo pelo qual a grilagem coloca em risco também o patrimônio ambiental e cultural brasileiro é preciso observar a área alvo da fraude, analisando o que está sob e sobre a terra: as pessoas, as plantas, os animais, os costumes e saberes locais etc. A disputa pelas terras transcende o questão agrária, constituindo um embate cosmológico (de formas de ver, representar e interagir com o mundo), pois, como nos lembra Antônio Bispo dos Santos (2015, p. 41) na
matriz afro-pindorâmica a terra, ao invés de ser amaldiçoada, é uma Deusa e as ervas não são daninhas. Como não existe o pecado, o que há é uma força vital que integra todas as coisas. As pessoas, ao invés de trabalhar, interagem com a natureza e o resultado dessa interação, por advir de relações com deusas e deuses materializados em elementos do universo, se concretizam em condições de vida.
O mesmo autor nos lembra da luta secular do povo negro pela manutenção de modos de vida alternativos
É sabido que o povo da África, ao chegar ao Brasil, imediatamente se rebelou contra os colonizadores, deles escapando de várias maneiras: adentrando-se pelas matas virgens, reconstituindo os seus modos de vida em grupos comunitários contra colonizadores, formando comunidades em parceria com os povos nativos, em determinados casos organizados como nômades, outras vezes ocupando um território fixo. Para essas comunidades contra colonizadoras, a terra era (e continua sendo) de uso comum e o que nela se produzia era utilizado em benefício de todas as pessoas, de acordo com as necessidades de cada um, só sendo permitida a acumulação em prol da coletividade para abastecer os períodos de escassez provocados por irregularidades climáticas, guerras ou os longos períodos de festividades. (SANTOS, 2015, p.48)
Um exemplo dessas comunidade é o Quilombo Kalunga, originada do encontro negros revolucionários e população indígena, manteve-se apartada da sociedade que a oprimia por séculos (BAIOCCHI, 1999; DIAS, 2019). Os seus membros prosperaram pela força das tradições, impondo derrotas às investidas da modernidade e do estado que sempre teve inclinação favorável ao latifúndio (GUIMARÃES, 2009).
No Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga (SHPCK), o povo Kalunga desenvolveu um modo de vida particular, contrário a dominância funcional capitalista (HAESBAERT, 2010), em que “o uso da terra deve ser implantado em prol de todos que nela trabalham de forma respeitosa, retirando desta, apenas, o necessário para a sua sobrevivência, não se importando com o acúmulo de riquezas, nem com títulos de propriedades” (DIAS, 2019, p.51).
Não fosse esse modo alternativo de vida que identifica a comunidade e as próprias características do local, provavelmente não encontraríamos nos limites do território Kalunga uma das áreas de cerrado nativo mais preservado do país, de solo riquíssimo em minérios e de elevada taxa de nascentes por quilômetro quadrado. Além de uma orientação que prevaleceu por séculos voltada para a vida comunitária, existem ali técnicas de cultivo desenvolvidas ao longo dos anos, originadas de conhecimentos empíricos adquiridos pelos quilombolas através do trabalho nas roças; constatações que não ausentam a comunidade de contradições e conflitos internos, como veremos mais à frente.
Na primeira vez que fui a campo, em setembro de 2021, terminava todas as entrevistas que fazia com a seguinte pergunta: “qual a primeira necessidade dos Kalunga nesse momento?”. Em todas as entrevistas, resultado que eu não esperava, a resposta era variações de regularização fundiária (desde "ajeitar os papéis da terra" até "pressionar o poder público para titular todo o território"). Esse fato me chamou especial atenção porque até as pessoas mais simples - como a Dona Antonia, que não tinham energia ou água encanada - colocaram como primeira necessidade a regularização fundiária. Me lembrei em especial das discussões nas aulas de Sociedades Camponesas a partir da leitura de Chayanov (1976), sobre como os parâmetros ocidentais não são aplicáveis para comunidades rurais.
Eu esperava respostas como "energia", "água encanada" ou "esgoto". Talvez casas de tijolos. Mas a primeira necessidade apontada por todos os entrevistados eram os papéis da terra. Essa pergunta tornava imperativo questionar quais os efeitos da grilagem e das invasões no dia a dia?
O resumo foi dado por um depoimento riquíssimo de uma das lideranças comunitárias mais combativas entre os quilombolas: Damião. Para responder à pergunta ele fez um comparativo entre a liberdade dos fazendeiros e a liberdade dos Kalunga. Enquanto os primeiros almejam continuar expandindo suas terras para plantar soja, a liberdade para os Kalunga estava na possibilidade de mobilidade dentro do território: o gado é criado solto, para que possa escolher a área que lhe forneça melhor nutrição, bem como as famílias, que - pela ausência de cercas - podem buscar o melhor lugar para abrir suas roças e, no limite, se mudar para uma nova área quando a atual já não lhe é suficiente.
Me lembrei especialmente de Otávio Velho, em “Capitalismo autoritário e campesinato” (2009a), quando afirma que a divisão territorial simbólica é preservada e permite que todos tenham abundância de víveres. O direito de ir e vir, o uso das águas, caçar e pescar não se proíbe a ninguém. A vida flui entre núcleos familiares, a propriedade em grupo. O trabalho em grupo propicia uma convivência que nada tem a ver com o individualismo e a solidão do Homo-urbi.
Me parece, interpretando as respostas, que a primeira necessidade dos Kalunga é conquistar a liberdade. Baiocchi, ao mapear os significados da palavra “Kalunga” em “Kalunga: o povo da terra” (1999, p.41), destacou que um dos significados possíveis para o termo é a ideia de “um lugar sagrado que não pode pertencer a uma só pessoa ou família. É de todos prá’s horas de dificuldade”. Ou ainda, recordando o exemplo de Vercilene Dias (2019, p.16), quilombola da comunidade Kalunga de Goiás: “a luta pela regularização do território Kalunga se constitui, entre todas as lutas, a mais importante, pois, como costumamos dizer em nossas reivindicações, quilombola sem-terra não tem vida”:
Olhando por esse prisma, cada ato realizado por essa parcela “indesejada” da população, do mais corriqueiro ao mais estupefaciente, do alimentar a criação a autodeclaração de TICCA, torna-se resistência. Até mesmo a escolha do local e a forma de se dispor no território, como pontuou Dias (2019), com casas distantes para caso houvesse invasão, os moradores pudessem entrar cada vez mais para o interior avisando os demais; e Edison Carneiro (2019, p.42), que constatou, ao pensar a formação dos quilombos, que a hostilidade da floresta os tornava “mais fortificados por natureza do que pudera ser por arte”. Tal fato nos dá uma dimensão da luta histórica empreendida pela comunidade; pioneira até mesmo na sua faceta institucional.
Bárbara Oliveira Souza (2008, p.41) conecta a “descoberta” da comunidade Kalunga um contexto histórico mais amplo, com influência até mesmo na Constituinte, que - como vimos anteriormente - foi marcada por embates políticos:
A dimensão da invisibilidade, no período pós-abolição, é outro ponto importante do contexto que circunda as comunidades quilombolas. No imaginário nacional, quilombo é concebido como algo do passado que teria desaparecido do País com o término do sistema escravista. Essa dimensão de extinção é reforçada com a grande invisibilidade que impera sobre a questão quilombola no período pós abolição. Essa invisibilidade se espelha na realidade dos descendentes das comunidades quilombolas até recentemente: “Daí que a resistência negra dos descendentes de quilombos brasileiros deveu dar-se através do heróico, porque voluntariamente desumano, recurso da invisibilidade. Enquanto os índios, ainda que injustiçados, alcançam uma visibilidade no imaginário social, relativamente alta em termos de sua pequena presença demográfica atual, as comunidades negras rurais, igualmente submetidas a injustiças, tiveram que se tornar invisíveis, simbólica e socialmente, para sobreviver” (Carvalho, 1996: 46). No Brasil, a sobrevivência pela invisibilidade historicamente esteve presente. Exemplo disso é a “descoberta”, no início da década de 80, de uma comunidade negra, no meio do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, chamada Kalunga.
Em 2000, como mais um passo rumo a regularização do território, a comunidade recebeu a certificação quilombola da Fundação Cultural Palmares, requisito prévio para o início dos trabalhos do INCRA na regularização fundiária (BAIOCCHI, 1999; DIAS, 2019). Em junho de 2002 o Congresso Nacional ratificou a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), instrumento internacional que trata dos direitos coletivos dos povos indígenas, estabelecendo padrões mínimos a serem seguidos pelos Estados, reconhecendo os elementos de auto-identificação e o roubo de terras, a grilagem, desde o domínio colonial, com os prejuízos causados pela expulsão e deslocamento a impostos a populações específicas e a luta secular dos que não se dobraram ao monopólio da terra, ao trabalho escravo, etc.
Em 2004 foi celebrado o convênio entre o Estado de Goiás e a Agência Rural para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação, regularização, desobstrução e titulação das terras do SHPCK; convênio estendido posteriormente ao INCRA e a Fundação Palmares.
Em 2009, houve o Decreto Presidencial de 20 de novembro, que declarou de interesse social, para fins de desapropriação, os imóveis abrangidos pelo “Território Quilombola Kalunga”, situado nos Municípios de Cavalcante, Terezina de Goiás e Monte Alegre de Goiás, Estado de Goiás. Mais recentemente, o SHPCK foi reconhecido oficialmente como um TICCA (Territórios Indígenas e Áreas Conservadas por Comunidades Locais) por um registro internacional que é hospedado pelo Centro Mundial de Monitoramento da Conservação (CMMC) do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Essa internacionalização tem impactos na forma com que os conflitos locais se desenrolam.
Apesar disso, atualmente - segundo dados de Dias (2019, p.66-67) -, somente 24.532,25 hectares do território contam com títulos definitivos; uma área de 6.220,56 hectares espera para indenização; 6.618,47 hectares estão ajuizados sem Contrato de Concessão de Direito Real de Uso (CCDRU) e 22.330,02 hectares com CCDRU. Há ainda uma área com a posse suspensa de 484.00 hectares; uma avaliada com área de 11.105,00 hectares; uma com CCDRU na Procuradoria Federal Especializada (PFE) com área de 225.05 hectares; uma de Projeto de Assentamento Federal (PA), que foi implementado na fazenda Diadema, em terra devoluta do Estado de Goiás, com área de 5.321,79 hectares; além das glebas devolutas com área de 64.016,37 hectares.
Em recente atuação do Estado de Goiás, por meio do Despacho n.º 3.923/2018 da Procuradoria do Estado de Goiás, foi entregue no dia 6 de julho, pelo governo do Estado, escritura de Concessão de Direito Real de Uso de 75,2 mil hectares de terras ao então presidente da Associação Quilombo Kalunga (AQK), Vilmar Souza Costa, referente à Gleba Devoluta Moleque, com 3.682,5639 hectares, Gleba Vão das Almas, com 57.343,4438 hectares,e à Reserva Biológica Serra da Contenda I, com 14.207,0000 hectares (DIAS, 2019, p.66-67). Na tentativa de solucionar as questões conflituosas dentro da Comunidade Kalunga, o INCRA intenta emitir o título de forma coletiva em nome da Associação Quilombo Kalunga (AQK). A ausência da titulação definitiva tem ocasionado, a décadas, uma série de conflitos tanto em terras devolutas quanto privadas.
Souza (2018) chama atenção para os frequentes episódios enfrentados pelos Kalunga, desde invasões de suas terras por novos personagens, roças e casas ora queimadas e/ou derrubadas por tratores até visitas constantes de policiais com mandados judiciais expedidos por delegados e outras autoridades do poder público local; criando um ambiente que incentiva a reprodução dos modos de produção ocidentais, com o uso intensivo das paisagens vegetais e de agroquímicos. E o mesmo autor destaca que o modo de vida, de produção e a agrobiodiversidade local garantiram o sustento alimentar de muitas famílias kalungas durante as invasões das terras.
Sendo assim, o modo de cultivo dos seus alimentos, os conhecidos roçados, ou roças de toco, por meio do qual cultivam arroz, milho, feijão, gergelim e mandioca da qual sempre fizeram farinha; torna-se também método de resistência: como disse dona Clarina, moradora da beira do Paranã: “Na terra nós nasceu, na terra nós vive, na terra nós morre, a terra nós deixa. Nós não pode vender terra”.
O grilo "Fazenda Bonito"
É difícil mensurar a dimensão da fraude da Bonito. Até o momento em que esse texto está sendo escrito foram mapeados em um trabalho coletivo 234 matrículas do imóvel. Estima-se que para cada hectare da área total existam 4 fraudados. O caso desse grilo merece destaque por não parar de crescer. A ausência de documentos por se tratar de uma ocupação quilombola e a morosidade do poder público em dar fim ao problema, titulando a comunidade, são portas abertas para mais e mais fraudes.
Há aqui toda sorte de esquemas: registros paroquiais sem área delimitada, processos que se escondem magicamente dos técnicos, mortos que milagrosamente multiplicam negociam terras, irmãos criados em processos, sobreposições, títulos pena, herdeiros que descobrem ser donos da noite para o dia, oficial de cartório que transfere terras para si mesmo; folhas de livros de registro em branco, compras contestadas na justiça; polígonos de imóveis que mudam quando passam de pai para filho etc.; fraudes agravadas pela participação de alguns quilombolas e que se tornaram mais recorrentes após o reconhecimento da área como parte do território Kalunga.
Todo o conteúdo desta monografia está apoiado em milhares de páginas de processos, documentos oficiais, entrevistas gravadas, depoimentos obtidos ao longo de meses de pesquisa, expostos em fragmentos na monografia que originou essa síntese. Antes de detalhar essas questões, gostaria de apresentar a terra e quem a ocupa, a fim de demonstrar que não há aleatoriedade na escolha de terras para serem griladas.
O imóvel Bonito se localiza no noroeste do SHPCK, confrontando, ao norte, com o Rio Paranã; e, a oeste, confrontando da foz do Prata no Rio Paranã até sua nascente, com área de 37.843,9362 há. Habitado atualmente por mais de 100 famílias quilombolas, que, assim como os seus ancestrais, residem nestas terras há mais de três séculos, detendo a posse mansa e pacífica, sem qualquer oposição. Nasceram ali, foram criados e lá vivem, fazendo do local a sua moradia habitual, onde produzem para sua subsistência.
Há algumas dezenas de nascentes da área que corresponde ao imóvel, cercado pelos rios Prata, Paranã, Corrente e Ouro Fino; com predominância de vegetação que varia entre cerrado denso, cerrado típico (dominantes), cerradão, campos sujos, campos limpos e pastagens. Há 19 espécies localmente ameaçadas encontradas na região, dentre as quais a Griffinia nocturna, uma planta em floração listada como criticamente ameaçada no Centro Nacional de Conservação da Flora. Há também duas espécies de pássaros, Penelope ochrogaster e Harpyhaliaetus coronatus, que estão globalmente ameaçadas e constam como vulneráveis e ameaçadas na Lista Vermelha Nacional Brasileira e na União Internacional para a Conservação da Natureza – UICN. A Penelope ochrogaster é uma espécie endêmica da área e está presente em todo o território.
A aptidão agrícola das terras, seguindo a classificação de Valladares et al. (2007), varia bastante, com predomínio de terras sem aptidão agrícola, destinadas à preservação da fauna e da flora e aptidão restrita para silvicultura e/ou pastagem natural. Entretanto há uma boa quantidade de terras, cerca de um terço, que mesclam (1) aptidão regular para práticas agrícolas que requerem a adoção de um baixo ou nenhum nível tecnológico, onde não há aplicações de capital para manejo, melhoramento e conservação das condições agrícolas das terras e das lavouras. Assim as práticas agrícolas podem ser desempenhadas basicamente pelo trabalho braçal, podendo ainda ser utilizada alguma tração animal com implementos agrícolas simples; e (2) aptidão boa para práticas que requerem um nível tecnológico médio, caracterizado por alguma aplicação de capital e de resultados de pesquisas para manejo, melhoramento e conservação das condições agrícolas das terras e das lavouras. As práticas agrícolas estão ainda condicionadas principalmente ao trabalho braçal e à tração animal. Se usada máquina motorizada será para o transporte e beneficiamento da produção; ou (3) práticas agrícolas que requerem um alto nível tecnológico, caracterizado pela aplicação intensiva de capital e de resultados de pesquisas para manejo, melhoramento e conservação das condições agrícolas das terras e das lavouras como a aplicação de fertilizantes e corretivos agrícolas. A moto mecanização é usada nas diversas fases da operação agrícola.
Não é raro encontrar afirmações que vinculam comunidades tradicionais a um comportamento sempre harmônico com o meio ambiente, e muitos pesquisadores se chocam ao conhecer a realidade contraditória dos supostos “guardiões da natureza”. Na minha primeira incursão a campo, acompanhado de uma das lideranças locais da comunidade, Adriano Paulino, vários moradores perguntavam quando chegaria o trator para preparar as áreas de cultivo. A persistência daquele tema em várias paradas da viagem me indignou. Perguntei a Adriano se a AQK não tinha tratores e ele respondeu que não, que aguardavam o da prefeitura ou de um projeto financiado pela companhia elétrica.
Perguntei se a AQK não teria interesse em adquirir tratores para responder a demanda com mais facilidade, até propus que escrevêssemos um projeto de financiamento para aquisição das máquinas e o que ouvi foi surpreendente. Com a visão que só uma liderança local consegue alcançar, Adriano respondeu algo do tipo: “Interesse tem, mas eu não vou escrever esse projeto com você, não quero ser o responsável por acabar com o pouco que resta de cerrado conservado no país. O dia que a AQK tiver um trator, não vai restar um palmo de terra coberta por essa mata que você está vendo”.
Depois de refletir sobre essa fala de Adriano, conhecendo o regimento interno da associação, percebi que a comunidade instrumentalizou a conservação da vegetação nativa prevendo a proibição do uso de máquinas para abertura de roças com área superior a 2,5 hectares por família e determinando que é obrigatória a rotação de cultura em roçados abertos mecanicamente. Incorporaram à conservação inerente do modo de vida alternativo desenvolvido ali ao discurso ambientalista como ativo de valor, que veio a permitir, por exemplo, o reconhecimento como TICCA, o fortalecimento do turismo etc. A manutenção das práticas agrícolas desempenhadas basicamente pelo trabalho braçal, que requerem a adoção de um baixo ou nenhum nível tecnológico, onde não há aplicações de capital para manejo foi uma escolha da comunidade, que vive bem, com fartura (que tem um significado próprio diferente do que nós, ocidentais, atribuímos a essa palavra).
Na segunda visita ao território, depois de algumas apresentações de uma ONG que visa replantar árvores, ouvi que os Kalunga não queriam plantar “pau”, queriam plantar arroz, milho etc. Há aqui o choque, sintetizado por Foladori e Taks (2004), entre a falsa identificação romântica e politicamente mobilizada das práticas econômicas e rituais de grupos detentores de tecnologias de baixo impacto ambiental, de um lado, e as técnicas aparentemente similares descritas pelos modernos teóricos da agroecologia, de outro. Querer ensinar o Kalunga a conservar a natureza é como querer ensinar o padre a rezar a missa; não fosse o modo de vida local, não haveria tantas áreas conservadas. Temos o dever de aprender com o que Antônio Bispo dos Santos (2015, p.90) caracteriza como “relação respeitosa, orgânica e biointerativa com todos os elementos vitais, uma das principais chaves para compreensão de questões que interessam a todas e a todos. Pois sem a terra, a água, o ar e o fogo não haverá condições sequer para pensarmos em outros meios”.
O fogo também se encontra nessa situação dúbia: ao mesmo tempo que assistimos os incêndios criminosos se espalhando, a população local ainda pratica a “roça de toco”, que é tida por muitos pesquisadores como degradante. Se há alguma conclusão a ser tirada desses exemplos é que é preciso enxergar a agência dessas comunidades sobre suas próprias formas de interação com o meio ambiente, desenvolvidas conjuntamente, impactando e sofrendo os impactos das mudanças no espaço. Em todo caso, essa quebra de expectativas não exclui a valorização necessária dos conhecimentos e técnicas tradicionais que são criados e aprimorados nessa dinâmica que as populações locais estabelecem com o meio; lado a lado com a ciência gerada nas universidades, nos laboratórios, nas salas de aula; colocados em risco pela grilagem.
Como a proposta é verticalizar a análise, aqui já identificamos um dos fatores para a disputa que envolve a Fazenda Bonito. Há disponibilidade hídrica e terras com aptidão agrícola. Se Goiás já é um dos grandes produtores de soja e gado do país, imagine o que esses milhares de hectares significariam de incremento na produção; apesar de que tanto soja, quanto gado nos moldes da produção intensiva, não carecem de uma área com muitos requisitos; como ouvi de um produtor: “aceitando máquina, o resto dá jeito com implemento”. Há uma vasta gama de riquezas minerais no solo, sendo comum operações para combate de mineração ilegal.
Como destaca Costa (2013) e Dias (2019), imóvel em sua totalidade é utilizado pelas famílias Kalunga, local que para eles é sagrado, já que para os quilombolas o sentido de territorialidade permeia o conceito físico de terra; houve ali uma trajetória secular de conquista do povo Kalunga. Estas famílias têm uma ligação visceral com a terra, ali reproduzem seus modos de ser e viver, preservando seus costumes e ancestralidades. Ali construíram suas moradias, fazem sucessivas manutenções e reformas, e de lá retiram o seu sustento, através do manejo do solo que permite a conservação do meio ambiente e as investidas dos invasores.
Como nos lembra Souza (2018), é justamente a diversidade e a transformação dos sistemas de cultivo de roça de toco, ou seja, do modo de produção e a agrobiodiversidade local que garantiram o sustento alimentar de muitas famílias durante as invasões das terras por fazendeiros. Em sua dissertação, o primeiro capítulo é voltado para a grilagem, localizando indiretamente diversos elementos da rede de solidariedade e suborno: os frequentes episódios por eles enfrentados eram desde invasões de suas terras por novos personagens, roças e casas ora queimadas e ou derrubadas por tratores e visitas constantes de policiais com mandados judiciais expedidos por delegados e outras autoridades do poder público local (p.27); criando um ambiente que incentiva a reprodução dos modos de produção ocidentais, com o uso intensivo das paisagens vegetais e de agroquímicos. Não fosse esse modo de vida e de produção local, a batalha contra o latifúndio já estaria perdida.
O modo de cultivo dos seus alimentos são os conhecidos roçados, ou roças de toco, em que cultivam por 4 a 5 anos. Após este período esperam a regeneração da vegetação por aproximadamente dez anos, quando voltam a plantar. E assim vão cultivando arroz, milho, feijão, gergelim e mandioca da qual sempre fizeram farinha. A maior parte da produção é para o consumo próprio, sendo que a farinha de mandioca é um produto tradicional das famílias, cujos excedentes são comercializados nas cidades da região. Os pratos, característicos da culinária sertaneja e goiana, são baseados na dupla feijão com arroz. Os principais ingredientes são o arroz, o feijão, a abóbora, o quiabo, o maxixe, jiló e a mandioca. Entretanto, alguns produtos industrializados vêm ganhando força dentro dessa refeição, como é o caso do macarrão e o do óleo de soja, substituto barato e prático da banha e dos óleos artesanais.
O rebanho bovino e os equinos pastam nas pastagens naturais do cerrado e em várzeas nas margens dos córregos e rios, utilizando toda a área como pastagem nativa, questão vinculada por vezes à ideia de liberdade para os entrevistados. A carne vermelha nem sempre está presente nas mesas da comunidade. Quando visitei o território pela primeira vez, houve certa preocupação com onde a equipe iria comer, pois com a baixa turística decorrente da pandemia, a maioria dos restaurantes estavam fechados. Fomos informados de que seria preciso levar mantimentos, principalmente carne, mas não encontramos carne-seca (a única que aguentaria a viagem) de última hora. O que resultou em comida farta por onde passamos, mas nem sempre com carne no prato.
A área da Fazenda Bonito é usada integralmente pelo modo de vida da comunidade; as áreas que não são cultivadas servem de pastagem para o gado e podem vir a abrigar uma família que considere que sua morada atual já não provê o necessário, o que retoma a dinâmica do local sagrado da qual falei a alguns parágrafos.
Falar do gado Kalunga, Curraleiro, requer um estudo à parte, pois há uma história conjunta de desenvolvimento e adaptação posta em risco pela modernização do campo e invasões no final do século XX e começo do XXI, inserindo novas espécies no território. Os nomes de algumas das comunidades evidenciam a participação histórica da atividade pecuária na região, por exemplo: Curral da Taboca, Fazenda Sucuri, Boa Sorte e Saco Grande, entre outras. Em linhas gerais, o gado Curraleiro apresenta baixa exigência nutricional e a capacidade de pastejar plantas nativas, sendo criado na solta por já estar adaptado às condições naturais do Cerrado (NETO, 2016).
Dessa forma, a pecuária tradicional com gado Curraleiro não exige a derrubada de extensas matas para a formação de pastagens plantadas, contribuindo para a permanência de povos Kalunga na área rural, com a prática de uma atividade sustentável. De acordo com Aurélio Neto (2016), esse tipo de criação contribui para uma pecuária sustentável e para a exploração econômica de pastagens naturais, em áreas desfavoráveis à criação de gado zebuíno, fornecendo ao trabalhador rural carne, leite e animais de trabalho, sem necessidade de grandes investimentos na infraestrutura da propriedade. Criar na solta não pressupõe ausência de cuidado ou preguiça (tanto é que não abrange outras criações), mas constitui uma escolha da comunidade, diante das exigências do meio que ocupam.
Essa forma de ocupar dos Kalunga está diretamente ligada à noção de liberdade citada por alguns moradores. Recordo-me especialmente de Damião: enquanto fazendeiros almejam continuar expandindo suas terras para plantar soja, a liberdade para os Kalunga está na possibilidade de mobilidade dentro do território: o gado é criado solto, para que possa escolher a área que lhe forneça melhor nutrição, bem como as famílias, que - pela ausência de cercas - podem buscar o melhor lugar para abrir suas roças.
Sobre e sob os 37.843,9362 ha da Fazenda Bonito se encontram essas histórias, esses modos de vida, essas relações. Quando o grileiro ordena a abertura de picadas e o cercamento das terras ele fere cada um dos elementos dessa rede brevemente descrita aqui.
A grilagem marca a nação como um todo e também o início das reivindicações dos Kalunga junto a sociedade nacional e órgãos oficiais. Inclusive, no primeiro contato entre Kalungas e poder público, a abertura de estradas ficou vinculada a titulação das terras, pois se temia o que os grileiros poderiam fazer com seus próprios carros no território. Pode-se dizer então que desde a década de 80 o Estado já estava ciente do problema de terras no território Kalunga. Com a criação do Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga (SHPCK), em 1991, houve um compromisso legal com o combate à grilagem firmado nos objetivos da Lei Estadual n° 11.409.
Em 2008, a inspeção da Corregedoria Geral de Justiça no Registro de Imóveis identificou várias fraudes, a exemplo de folhas em branco nos livros de registro, registros feitos a lápis, folhas reservadas para matrículas sem qualquer registro, enxertos de registro, rasuras, duplicidade ou triplicidade de matrículas e multiplicação de áreas; constatando que “as irregularidades continuam sendo praticadas, apesar da mudança de comando à serventia” (Relatório n° 022/2008 extraído do processo n° 2427613/2008, p.22).
Há dez anos, o Superintendente Regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), o Sr. Marco Aurélio Bezerra da Rocha, INFORMAÇÃO/INCRA/SR-28/T/N°/2011 (fl. 26-28) no processo 54700.001356.2008-68, reconhecia a “grande complexidade de natureza dominial, com inúmeros conflitos e sobreposições de matrículas, além de graves inconsistências no que se refere ao registro dos imóveis”. Foi reconhecido um verdadeiro milagre de multiplicação de terras, em que – de acordo com o Sr. Marco Aurélio Bezerra da Rocha no processo acima mencionado (fl. 26-28) – “estima-se que para a área medida de 250.000 ha do Território Kalunga, existam aproximadamente 350.000 ha registrados, fora as áreas que venham a ser de propriedade do Estado de Goiás.
A Fazenda Bonito é indicativo dessa situação. Excluída da Ação Discriminatória, os registros paroquiais de sua origem apresentam graves falhas (ausência de delimitação da área, nomes diferentes). Já no final do século XX, fora reconhecido pelo INCRA, no processo 54700.001396.2000-81 através da PORTARIA/INCRA/P/N° 558/99 (fl.7), “enorme percentual de inconsistência em relação a origem e sequência dos títulos de propriedade e a dimensão das áreas”. É no OFÍCIO/INCRA/SR(28)DFE/GAB/N° 104/02 (fl.49), do mesmo processo, que ficamos a par do processo de multiplicação de terras que caracterizou a grilagem na Fazenda Bonito. Nesse ofício o INCRA informava que cancelou os cadastros dos imóveis com área acima de 10.000 há (dez mil hectares) e convocou os proprietários para apresentação de documentos faltosos, pois havia observado “fortes indícios de irregularidades na Comarca de Cavalcante/GO, todas relativas ao aumento da área dos imóveis”.
Na INFORMAÇÃO/INCRA/P/N°09/2010 (fl.116), parte do processo 54700.001396.2000-81, temos o detalhamento dos indícios:
1) Não há o quantitativo de área adquirida. O quantitativo de 1/4 de terras não especifica o quantitativo da área do imóvel registrado.
2) Houve tentativas de cadastrar no Sistema de Informações Rurais - SIR desta Autarquia, da Fazenda Bonito, com área de 19.190,0 hectares, em nome do Sr. Abrahão Simão da Silva (morto) de maneira irregular.
3) Consta no cartório de registro que o Sr. Abrahão Simão da Silva (morto), vendeu a área de "1/4 de terras", 9 (nove) vezes, o que acresceu a área do imóvel para 81.297,04 hectares.
Dos 35 processos administrativos de desapropriação referentes ao imóvel Bonito que tramitam na Superintendência Regional do INCRA SR-28, em 17 há mapa e/ou memorial descritivo dos imóveis rurais . Destaca-se que 4 desses imóveis, apesar das matrículas informarem que estão no imóvel Bonito, na verdade encontram-se fora do território Kalunga, sendo que 2 imóveis extrapolam os limites estaduais entre Goiás e Tocantins. Imagine a quantidade de sobreposições se todos os imóveis matriculados apresentassem informações cartográficas.
Chegou-se ao absurdo que um mesmo agrimensor elaborou um mapa do Espólio do Sr. Helano de Paulo e Souza com um formato e o do seu suposto herdeiro, Juvelan de Paula Souza, de outro. Outro fato absurdo é que um mesmo agrimensor assinou mais de 7 mapas e/ou memoriais entre os 17 processos, sendo que 3 estão localizados fora do Sítio Histórico. Destaca-se ainda que muitos são polígonos perfeitos em uma região acidentada, cortada por rios e vales, sem demarcação no campo, sem marcos de confrontação; imóveis que, via de regra, nem sequer seus ditos proprietários sabem onde estão situados.
Somente na parte norte do imóvel Bonito pude contar mais de 10 mapas, que constam de processos administrativos de desapropriação na Superintendência Regional do INCRA SR-28, que de alguma forma se sobrepõem. Mais alarmante ainda é o fato de que o processo nº 01/2014, que pede providências para corrigir estes atos, sumiu entre o Fórum da Comarca de Cavalcante e o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Destaca-se ainda que oficiala do Cartório de Cavalcante que denunciou toda a fraude perdeu o cargo.
Uma breve ressalva que precisa ser feita é que tanto o processo de regularização quanto os de grilagem ainda estão tendo desdobramentos durante a escrita dessa monografia, ou seja, o que apresento aqui é um retrato do momento. O trabalho não se encerra aqui, pois é provável que existam outras vias para além das que serão apresentadas; há mais de 200 matrículas da Fazenda Bonito! Mas acredito ser possível dar a dimensão do problema com os casos aqui narrados.
Até mesmo a ação discriminatória pode ser colocada em dúvida, por juntar a descrição do inventário de falecimento a um registro paroquial que não tinha determinação de área. As redes de solidariedade e suborno se mostram aqui extremamente arraigadas, articulando grileiros, agrimensores, juízes, oficiais de cartório, defuntos, pessoas criadas em processos etc. tudo isso em uma das áreas de cerrado mais preservadas do país. Outro agravante é o fato de que, durante a pesquisa de campo pude identificar a participação de quilombolas nos processos, vendendo benfeitorias ou trabalhando para os grileiros.
Na primeira ida a campo, junto à equipe da Agência Pública, entrevistamos não apenas as pessoas que se sentiam prejudicadas pelo processo de grilagem, mas pessoas que se aliaram direta ou indiretamente aos interesses do estranho. É preciso dizer que criar intrigas entre as comunidades locais ou mesmo forjar conflitos entre comunidades diferentes é uma antiga estratégia de grilagem, localizada por Almeida (1981;1982); em alguns lugares do país, com certo destaque para Amazônia, não é raro que pequenos posseiros e populações tradicionais entrem em guerra pela terra, pressionados por fatores externos; o que é sintomático da crise do regime fundiário brasileiro.
No caso da Bonito, a rede de solidariedade e suborno envolveu também alguns locais, despertando a raiva de outros. Quando estive ouvindo as histórias que os moradores contavam sobre os Kalunga que haviam vendido as benfeitorias me pareceu, à primeira vista, que havia um padrão: homens de fora do território se casavam com mulheres Kalunga e posteriormente negociavam as terras. Entretanto, quando entrevistei uma das ex-esposas, percebi que minha tese estava errada. Ouvi da jovem quilombola que a ideia de vender foi dela, que o invasor era uma boa pessoa, que traria empregos para a comunidade e que caso ela não quisesse, nem precisaria sair da terra, apenas receber o dinheiro (50 mil reais) e assinar os papéis.
Sejamos pragmáticos: quem negaria uma proposta como essa? Ganhar 50 mil reais para permanecer em casa, se assim desejar!? A entrevistada afirmou inclusive que ele compraria de quem quisesse vender, ou seja, o que havia aqui era uma expansão calculada da rede de solidariedade e suborno. Envolvendo os quilombolas, além da ocupação mansa e pacífica, o grileiro poderia vir a alegar que as terras estavam apenas arrendadas. Seguindo o lastro desse problema, alcançaremos em algum momento a discussão sobre propriedade coletiva ou individual, que marcou - nos anos 80 - o início das reivindicações dos Kalunga junto a sociedade nacional e órgãos oficiais: a escolha da propriedade coletiva tinha como um dos objetivos evitar a grilagem em suas terras.
E é demonstrativo de como a grilagem é um processo mutável, e a rede de solidariedade, flexível. Nesse caso em particular, o esquema se desenvolve sem violência física; não há, recentemente, pistoleiros na região; reflexo, em parte, do reconhecimento nacional e internacional que a comunidade conquistou. A trama aqui vai ganhando robustez na medida em que amplia a rede de solidariedade e suborno.
Outro caso de ampliação da rede de solidariedade encontra-se na negociação que um dos moradores Kalunga fez pela “exclusão” da sua terra dos marcos do grileiro. Na beira do Paranã, numa tarde quente, ouvimos de um senhor que ele havia trabalhado na construção da cerca por um pacto que fez com o invasor: se sua terra fosse deixada de fora, o quilombola e os primos fariam a cerca. E assim aconteceu. Já vimos o que essas cercas levantadas a mando de estranhos significam para o modo de vida local e como ferem os princípios de liberdade da comunidade.
Na segunda visita, topamos com o caso de um filho de criação que havia vendido a área da mãe na beira do rio Paranã, de onde ela buscava água. O argumento do filho é que se eles não davam conta de “usar” tudo, não tinha porque não vender. Tal visão entra em conflito com a liberdade Kalunga; o filho usa o mesmo argumento dos invasores e é respaldado pelo poder público, fortalecendo as redes de solidariedade: imputa-se a comunidade métricas ocidentais de uso/ocupação que nada tem haver com o modo de vida particular. Esse caso voltou a me perturbar semanas depois, enquanto estudava a grilagem verde no território.
A área total do território é de aproximadamente 262 mil hectares, e na consulta pública do CAR constavam apenas 43 mil (GO-5213509-0F73691564694F6F83503A10AE6B3951; dado verificado pela última vez em 16 de novembro de 2021). Buscando entender o motivo de constar uma área de apenas 15% do território junto ao INCRA, ao Serviço Florestal Brasileiro e a CONAQ, fui informado de que para comunidades tradicionais era exigido a descrição de uma “área total declarada do território” (os 262 mil ha) e uma “área líquida de propriedade” (os 43 mil ha). Ninguém soube me explicar exatamente como se definia a “área líquida” do território, se era da titulação definitiva ou um número arbitrário definido pelos Kalunga; fato é que tal exigência só existe para comunidades tradicionais. A recomendação da CONAQ era para que toda a área do território fosse declarada como área líquida, entretanto isso não ocorreu quando o território Kalunga foi declarado, estabelecendo essa divisão.
Trabalhando para solucionar o problema, descobri a existência de filtros automáticos que tem como objetivo estabelecer critérios mínimos para a inscrição no CAR (informados pelo Serviço Florestal Brasileiro em resposta a pedido de informação via Lei n° 12.527) – expressão da autonomia do cadastro – que barram as tentativas de retificação via sistema; especialmente o filtro que trata de sobreposições superiores a 30%, impedindo a correção. Como vários outros imóveis já foram declarados na área que compõe o território Kalunga (alguns, inclusive, com status "ativo", exemplos GO-5205307-C7593B47D924446BA8333515C3279EAE e GO-5205307-AE00527292424B189B251AFA9BC92538), a declaração total dos 262 mil ha resultaria em dezenas de sobreposições integrais ou parciais.
Na prática, isso significa que o território não aparece integralmente na consulta pública do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (SICAR), o que resulta na não contabilização da área total dos imóveis rurais sobrepostos e do quantitativo de imóveis rurais sobrepostos.
Comparando os dados do SICAR com os dados do Sistema de Gestão Fundiária (SIGEF), é possível notar que há dezenas de CARs de imóveis rurais declarados em área pública, sintoma de grilagem. Cabe destacar, porém, que declarações individuais podem ter sido feitas inclusive por quilombolas, o que resulta em outro problema para a comunidade, não refletindo a integralidade do território e reforçando os conflitos locais sobre a titulação coletiva ou individual das áreas ocupadas.
A professora Marcela Vechione chama atenção para o fato de que o cadastro não se ocupou dessa questão: “Não levar em conta essas formas distintas de uso pode gerar uma padronização do que deve ser a forma certa e adequada ambientalmente. E isso é perigoso porque pode mudar pouco a pouco a relação que se tem com a terra e com a importância de se ter a posse coletiva” (BARCELOS & BARROS, 2016).
Outra possibilidade, retomando a ideia de pilhagem, mas partindo de uma leitura de Clovis Moura (2001, p.318), é que por vezes a legislação ambiental acaba tendo um caráter excludente e as medidas administrativas de controle e vigilância que regulam atividades diárias promovem um outro reordenamento do espaço geográfico, diretamente relacionada aos impedimentos à livre utilização dos recursos naturais do território historicamente ocupado.
Para algumas formas de se relacionar com a terra, a exemplo do modo de vida Kalunga, simplesmente não faz sentido falar de módulo rural, área total declarada do território, área líquida de propriedade, propriedade individual da terra ou mesmo área de proteção permanente. Esse é um vocábulo que integra a rede de relações de um núcleo restrito de pessoas.
O resultado dessa escolha de palavras são conflitos como os apontados por Vechione, com quilombolas registrando CARs individuais dentro de áreas coletivas (quilombos); ou como o exemplo levantado pelo professor Treccani, que trata da velocidade com que populações tradicionais conseguem solicitar o cadastro, resultando em uma ação por vezes mais lenta do que a de latifundiários, levando a sobreposição de área ou simples não efetivação do registro (BARCELOS & BARROS, 2016). Voltando ao caso do filho que negociou a terra da mãe, o que merece destaque é que a ideia de usar a terra defendida pelo filho, que tem eco entre o argumento dos fazendeiros, e a concepção de uma “área líquida” exigida para declaração do CAR convergem sobre o mesmo ponto: não se considera a forma de ocupar dos quilombolas como válida.
Pensemos então na amplitude da rede de relações aqui exposta: de jagunços ao CAR, há diferentes elementos operando para a continuidade da grilagem do território Kalunga. Tudo começa com um documento, forjado ou incompleto, que mobiliza cartórios, juízes, servidores públicos, quilombolas; todos que direta ou indiretamente contribuem para a continuidade da fraude, sendo beneficiados seja com diárias seja com suborno. Qualquer elemento que seja retirado da malha de relações enfraquece a rede, e, em parte, é isso que estamos fazendo aqui.
Chegou de caminhonete e bem vestido, veio tratar da Bonito
Nessa rede de solidariedade e suborno, há uma peça chave: o Cartório de Registros de Cavalcante. Falar de cartórios de maneira geral nunca é simples, pois são nesses ambientes que as fraudes começam a ganhar corpo. Pouco ou nada vale um documento que não tenha sido registrado em cartório. No caso de Cavalcante, durante as pesquisas de campo e a partir de documentos obtidos via lei de acesso à informação, pude mapear dois períodos chave para o conflito que se desenrola hoje.
Já sabemos que grilagem não é uma novidade no território Kalunga; as primeiras demandas ao poder público vieram justamente no intuito de coibir a expansão das redes de solidariedade. Houve também iniciativas pontuais de combate a fraude, que acabaram descontinuadas. Hoje a regularização fundiária de todo o território se encontra estagnada em razão do mar de lama no qual os documentos estão imersos.
O Cartório de Registro de Imóveis de Cavalcante é elemento importantíssimo dessa rede de grilagem que se formou. O Relatório n° 022/2008 nos dá a dimensão do primeiro período: o da titular Erli Nunes Bandeira e do titular que a precedeu. Centenas de irregularidades foram rastreadas no período, atingindo outros cartórios em municípios vizinhos, justificando uma primeira intervenção federal no cartório em 2009 tamanha a confusão dominial dos últimos 60 anos.
O Diagnóstico sobre o procedimento de regularização do território Kalunga (2009), coordenado por Givânia Maria Silva, já destacava o problema da Bonito, pontuando como razões para ações de desintrusão e regularização fundiária: o reconhecimento do valor cultural pelo decreto estadual e o título expedido pela Fundação Palmares, a omissão do poder público caracterizada pela não continuidade das ações, a posição histórica em nível mundial da regularização fundiária do território Kalunga, o valor antropológico e sociobiológico do território, a preservação do cerrado e a ação de ocupantes não-quilombolas. Se estou escrevendo uma monografia sobre o tema é porque a situação não mudou muito. O mesmo relatório destaca que:
o território Kalunga é uma região de muitos conflitos fundiários, onde se destaca a seguinte problemática: um procedimento discriminatório em suas terras devido a excessiva sobreposição de imóveis e a falta de confiabilidade dos cartórios; um mercado de terras onde a especulação se encontra em alta devido aos interesses de mineradoras e outros empreendimentos, isto tudo ouriçado pela frustração da ação do próprio INCRA em ocasiões passadas. (2009, p.14)
Esse parágrafo é um excelente resumo do que a análise vertical da grilagem pressupõe, pois vai para além da fraude documental e começa a olhar para o território em si, encontrando as causas, consequências e elementos chave da rede de solidariedade e suborno instaurada. Vê-se também a centralidade dos cartórios no regime fundiário brasileiro.
Sabemos então que a situação fundiária do território era conhecida pelo poder público e que por mais de 60 anos o cartório de registros foi marcado por fraudes e irregularidades. Houve iniciativas de combate à grilagem, inclusive com a nomeação de interventores, entre eles uma senhora chamada Luslene Veloso, que entrevistei junto à equipe da Agência Pública.
Luslene chegou ao cartório de Cavalcante em 2009, no período de intervenção, marcando o início do segundo período. Como vimos, as fraudes no cartório chamaram atenção da justiça federal e dois funcionários eram investigados por indícios de fraudes e atividades irregulares. Luslene, mapeando as fraudes no cartório, dedicou especial atenção a Bonito, posto que começou a encontrar dezenas de matrículas que descreviam a mesma área, mas com proprietários diferentes. Os esforços de investigação resultaram em um levantamento inicial de 64 transcrições e 86 matrículas originárias da fazenda Bonito, a maioria com milhares de hectares de áreas sobrepostas e os demais problemas já citados.
Neste trabalho, Luslene identificou dez matrículas com origem em aquisições de áreas de Abraão Simão da Silva e que, a partir desses documentos havia mais e mais multiplicação de terras, como o caso Eustáquio. Abraão, que havia assinado a primeira transferência em 1967, já estava morto desde 1940 (se é que ele um dia existiu para além dos documentos). A oficiala identificou que entre os supostos proprietários da fazenda Bonito, havia empresas que deram as terras como garantia a empréstimos e financiamentos em instituições bancárias.
Entre as empresas que entraram com pedido de indenização está o grupo Dinâmica, com três áreas, uma delas com origem no espólio de Abraão. O valor total estimado em pagamento de indenizações para a empresa é de pouco mais de 7 milhões de reais, em valores de 2014. Duas das áreas que a empresa reivindica, as glebas 3 e 4 da fazenda Vista Linda, foram cedidas aos quilombolas em 2015. A empresa do ramo de serviços pertence à família Pedrosa, tradicional da política do Distrito Federal.
Entretanto, a dedicação de Luslene ao tema não agradava muita gente, o que resultou em um aumento da pressão sobre o cartório com dezenas de pedidos de documentos chegando, muitos ligados à fazenda Bonito. A oficiala começou a desconfiar que os pedidos que chegavam sem parar tinham o motivo de fazer com que detalhes dos papéis passassem despercebidos. Nesse imbróglio a Bonito tinha destaque, sempre com áreas gigantescas e proprietários ricos: “chegou de caminhonete e bem vestido, veio tratar da Bonito”, destacou a entrevistada. Tentativas de suborno eram corriqueiras, se pedia para "dar um jeito" nos documentos ou forjar do zero quando necessário, principalmente nos ligados a Bonito.
Os motivos do porquê da recorrência daquele imóvelnão estavam muito claros para a interventora, até a descoberta de que a Bonito fazia parte do território Kalunga que estava ainda em processo de desapropriação, com milhões dos cofres públicos sendo destinados a indenização. Essa descoberta de Luslene é representativa dos motivos da necessidade de se olhar para o território e para as pessoas que estão sobre esse território nos processos de grilagem; não há coincidências, as vítimas são sempre os "intrusos" de que nos fala Guimarães (2009).
Depois dessa descoberta e da continuidade das pesquisas, a oficiala enviou, em junho de 2014, um pedido de providências à justiça, constando diversos indícios que colocam o cartório e toda a documentação do imóvel sob suspeição. Já no primeiro parágrafo é informado que não há área exata descrita nos paroquiais e que, ao longo dos anos, foram registrados vários desmembramentos com áreas gigantescas em diferentes livros. Que empresas adquiriram parte do imóvel de forma suspeita para solicitar empréstimos. Que é comum que apresentem no cartório documentos com informação de registro que não existem. Que existem aproximadamente 64 números de transcrição e 86 números de matrícula de áreas desmembradas do imóvel Bonito. Que a sobreposição dessas áreas desmembradas é comum. Que a indenização por desapropriação para o Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga atraiu ainda mais especuladores, aumentando os conflitos no campo e a confusão dominial, colocando o cartório em situação de extrema insegurança jurídica, justificando o pedido de suspensão dos registros e averbações.
Um mês depois, em julho de 2014, a então juíza substituta da comarca de Cavalcante, Priscila Lopes da Silveira, bloqueou matrículas relacionadas ao imóvel Bonito. A decisão da magistrada travava (em teoria) novas matrículas, novas transmissões de posse ou alterações no teor de matrículas. Encaminhando os autos à Corregedoria e ao Núcleo Fundiário, aos cuidados do Dr. Eduardo Tavares, o processo desapareceu em posse do Poder Judiciário.
Alguns dias atrás me disseram que eu não poderia dizer que o processo desapareceu; que estava tramitando "sem que ninguém soubesse". Mas a questão é que havia pessoas buscando informações desse processo e nenhum técnico soube explicar onde estava; mesmo se estivesse tramitando em sigilo era dever do poder público informar tal situação, mas nem quando fomos pessoalmente ao fórum de Cavalcante souberam informar o paradeiro do processo. Só recentemente, com a Notícia de Fato autuada pelo procurador Daniel César Azeredo Avelino (com base, entre outros documentos, em relatório de minha autoria) é que descobrimos que o processo foi juntado a outro. Oito anos de dúvida!? É preciso dizer que a continuidade dos processos de grilagem está diretamente ligada a essa confusão intencional que se faz no antro do judiciário.
Retornando ao depoimento de Luslene, se as pressões durante a investigação já eram grandes, com o pedido de providências registrado e a rede exposta, tudo piorou. Deu-se início a uma onda de brigas e ameaças que ultrapassaram as paredes do cartório e atingiam até mesmo pessoas do núcleo íntimo da oficiala.
As ameaças se transformaram em denúncias na Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Goiás e em mandados de segurança contra ela e o cartório, desgastando a servidora e a equipe. Em 2019, Luslene foi exonerada do cartório sob circunstâncias muito estranhas. Narra a ex oficiala que ela foi exonerada por acúmulo de função pública, mas trabalhava apenas no cartório. Depois que tomou conhecimento do processo, descobriu que havia sido nomeada para um cargo de uma prefeitura em uma cidade vizinha e nunca foi informada de tal nomeação. Vê-se aí com clareza que as redes de solidariedade e suborno transcendem limites municipais.
Com certeza não pude expor a totalidade dos casos de corrupção e irregularidades sobre a Bonito; aqui há apenas fragmentos de uma rede dinâmica e arraigada que transcende limites municipais, estaduais, temporais etc. Espero que essa monografia sirva de exemplo para que se aprimore a forma de analisar a grilagem de terras, raiz da estrutura fundiária brasileira. Que essa leitura seja um reforço para a denúncia da origem criminosa de inúmeras propriedades Brasil afora.
Se o grileiro vem, pedra vai
E aqui encerramos a nossa análise vertical do inconcluso caso da Fazenda Bonito. Espero que tenha ficado demonstrado como as redes de solidariedade e suborno estão presentes no espaço e na vida das pessoas, articulando uma série de elementos viventes ou não. Me despeço do leitor com uma súplica para que o tema não caia no esquecimento, como desejam os poderosos que sustentam a estrutura fundiária brasileira.
Ao longo do texto vimos o que está sob e sobre o território, os interesses que esses elementos mobilizam e os riscos aos quais estão expostos. Vimos como a rede engloba novos elementos, gerando novas articulações, como o CAR e alguns quilombolas. Vimos a grilagem no cotidiano das pessoas.
Resta dizer, sem sombra de dúvidas, que a grilagem é um instrumento de poder não apenas do grileiro, mas do Estado, para além de governos, dada a continuidade da fraude que só no caso em análise ultrapassa 80 anos sem solução definitiva. O atraso e a omissão aparecem como formas de acobertar, incentivar e encampar a grilagem, possibilitando que mais e mais elementos sejam integrados à rede.
Na bibliografia fica nítido que há décadas a grilagem vem sendo conhecida, pesquisa e denunciada, sem que sejam tomadas medidas capazes de combatê-la. Pelo contrário, são criados elementos de ampliação dessa rede, como o programa Terra Legal (2009) e o CAR (2012). Fica difícil fugir de uma dessas conclusões: incompetência ou cumplicidade. Pelo que foi dito até aqui, acredito que a minha preferência está nítida. A grilagem é, por séculos, ferramenta de apropriação de terras e sua consequente incorporação ao sistema capitalista dentro de um projeto econômico definido e planejado em que não há espaço para formas alternativas de ocupar.
Mas, se o sistema é tão voraz, porque ele não devorou toda a terra de uma vez, retardando esse processo por todo esse tempo? Porque, assim como os Kalunga, há quem lute para conservar o modo de vida e o direito conquistado sobre o local que ocupa. E, nesse sentido, é importante reconhecer que falam de um quilombo, descrito por Edison Carneiro (2019, p.47) como
um acontecimento singular na vida nacional, seja qual for o ângulo por que o encaremos. Como forma de luta contra a escravidão, como estabelecimento humano, como organização social, como reafirmação dos valores das culturas agricanas, sob todos estes aspectos o quilombo revela-se como um fato novo, único, peculiar - uma síntese dialética.
Mesmo sem os recursos do latifundiário, os "intrusos" não se dobraram diante das condições opressivas instituídas na colonização e revalidadas nos regimes administrativos seguintes, constituindo importante instrumento de luta contra o latifúndio. Com seus modos de vida particulares criaram brechas entre as frentes de expansão capitalistas no campo.
Me recordo de dois casos da comunidade Kalunga, o primeiro em que um jovem chamado Joca se juntou com os primos e parou o trator que estava abrindo as picadas para Juvelan. Sem violência, somente uma conversa franca entre dois trabalhadores. A raiva e a punição não devem cair sobre o capataz que ergue as cercas ou no tratorista que abre as picadas, mas em quem dá a ordem e financia a operação. Na ponta, o sangue derramado nessa guerra é de uma mesma parcela da população, vítima de um sistema excludente, no qual ou se aceita um salário de fome ou entra para a lista de vítimas do conflito.
Não sei se com esse esforço, que transcende essa monografia estando presente nos relatórios enviados ao MPF, nas notas técnicas divulgadas, nos estudos feitos para a AQK, nas reportagens acompanhadas etc., pude mudar a vida de muitas pessoas, mas definitivamente mudei a minha. Espero que essas folhas aqui contidas sejam parte de um movimento maior de luta por justiça social. Se o Estado atua em benefício do latifúndio, transformando posseiros e populações tradicionais em trabalhadores pobres, que a fome seja a nova consciência.
Se o grileiro vem, pedra vai
De cima deste morro ninguém sai
Ao grileiro nós vamos resistir
Todo povo daqui vai descer
E uma ordem geral partir
Que é botar o grileiro pra correr
(Centro Popular de Cultura - CPC, 1962)
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