PROVA
II - INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA HISTÓRIA
1-
É no fim o século XIX que se inaugurou um
paradigma de suma importância para a história: a Escola Metódica (ou
ramkeana). Nessa escola de pensamento vigorava-se ideias de erudição
acompanhadas por uma busca incansável da nacionalidade. Se preocupavam com uma
história narrativa, sem conexões generalizantes, sem subjetividade e sem
intencionalidade.
Aparentemente inocente, a Escola Metódica acabou atuando de forma
extremamente historicizante, ditando uma versão do passado fixa e imutável.
Além disso, afastou a história das demais disciplinas das humanidades e se
focou em nichos que aclamavam eventos específicos e pontuais, exaltando grandes
homens e perdendo-se nos mitos de origem. Outro ponto relevante é que, para os
metódicos as fontes, limitadas a documentos de preferencia oficiais, falavam a
verdade por si só, não exigiam uma interpretação do historiador. Quando se
inventariasse um número enorme de documentos seria possível falar de uma
“História” una, fechada e acabada da humanidade.
Na metade do século XX as incoerências do paradigma ramkeano começaram a
ser expostas e questionadas. Com o fim da Primeira Grande Guerra havia um clima
favorável à inovações intelectuais e ao intercambio de ideias nas universidades
europeias, como aponta Peter Burke, em 1991. É nesse ambiente de tranquilidade,
em Estrasburgo, que um grupo interdisciplinar extremamente atuantes inaugura
indiretamente uma nova escola de pensamento: a Escola dos Analles.
Encabeçada por Marc Bloch e Lucien Febvre, os Analles compuseram
inicialmente uma revista que tinha por objetivo apresentar aos leitores uma
história social, com predomínio no campo da história econômica, observando os
eventos e os “grandes homens” na longa duração e buscando problematizá-los,
dialogando com as demais ciências humanas e em especial com a sociologia de
Émile Durkheim, dessa forma adensando da história enquanto saber.
É o sucesso da revista que mostra a fragilidade do paradigma anterior. O
que ficou conhecido como “Primeira Geração” dos Analles moldou uma história que
se preocupa em formular problemas, que recusa a pratica historizante, que
aproxima o saber histórico dos demais saberes, que não observa o momento, mas
sim a longa duração, o cunho social. E é com essas premissas que se iniciou uma
“história da sensibilidade” com o foco na profundidade, nos problemas, uma
história que tinha o indivíduo como agente histórico, uma história carnal que
gera prazer estético.
2-
A Escola Metódica da erudição, da passividade e da história narrativa, teve reflexos em todo o ocidente, incluindo o
Brasil, mas antes de apresentar seus impactos no país tropical é necessário
apresentar as características que estruturaram o corpo metódico de discussão.
Como afirma Guy Bourdé, em 2018, o embrião metódico surge durante a terceira
república na França (1870-1940). É o período em que se criou e se
institucionalizou a escola gratuita, obrigatória e laica com um objetivo muito
claro: formar, desde jovens, soldados republicanos.
Dentro das grandes universidades francesas estavam se consolidando as áreas
de conhecimento para além da filosofia, é o período de disciplinarização das
diversas humanidades como a Ciência Política e a Sociologia. Para além das
universidades, é o período em que as monarquias e o catolicismo, os até então
grandes construtores de identidades coletivas, entram em crise e tornou-se
necessário discutir algo novo para aglomerar grandes contingentes de pessoas
tão diferentes. É o período dos estados nacionais.
Voltando à França, nas grandes universidades, olhava-se para a história,
uma disciplina ainda em construção, na esperança de uma “proposta de
unificação”. E ela é atendida pelo paradigma metódico, um paradigma que tinha
por princípios a objetividade, a
imparcialidade, a negação as reflexões filosóficas, a passividade do
historiador e um caráter literário. O seu principal objetivo era formar uma
coletânea de erudição. E a principal pauta era a construção nacional.
Talvez a principal causa da profissionalização da história estivesse nessa
pauta. Era preciso conferir verdade ao que o historiador afirmava, por essa
razão a História ganha autoridade. E aqui pode se localizar a maior
contribuição da escola metódica para o saber histórico: a disciplinarização e
profissionalização da história. Com o lugar garantido nas universidades
europeias, em especial nas universidades francesas, a dispersão do paradigma
cientificista tornou-se mais fácil.
É relevante ressaltar que o período descrito acima é paralelo ao darwinismo
social e as teorias eugenistas de superioridade racial. E é acompanhada desses
pressupostos que a Escola Metódica chega ao Brasil. Todavia aqui não haviam
grandes universidades então a pauta da construção nacional se alojou em outro
berço.
Lilia Schwarcz, no artigo “O espetáculo da miscigenação”, apresenta uma
síntese do período. O Brasil havia passado pela Guerra do Paraguai (1864-70),
pela Lei do Ventre Livre (1871), pela fundação do Partido Republicano Paulista
(1873), pela Lei Áurea (1888), pela Constituição Republicana (1891), pela
Revolta da Vacina (1904), pelas Greves Gerais (1907). É em meio a essa serie de
acontecimentos que o paradigma metódico começa a ser difundido. Pela ausência
das universidades, a construção nacional fica a cargo dos Institutos Históricos,
das academias e dos grêmios brasileiros. Localizados em São Paulo, Rio de
Janeiro, Belém, Salvador e Recife, estão sob tutela de médicos e advogados
filhos dos grandes oligarcas da época. Eram os responsáveis por definir padrões
morais para todo o Brasil.
O estudo da história ficou restrito a uma elite que partilhava o ódio aos
“outros”: negros e indígenas. No período destacam-se nomes como: Arthur de
Ramos, Nina Rodrigues, Herman von Ihering, Emílio Goeldi e Sylvio Romero, todos
influenciados pelo teorico racialista Arthur de Gobineau. O que chama atenção é
o fato de discutirem uma identidade nacional em que não se enquadrava a maior
parte da população brasileira: almejam um brasileiro branco e católico, que
orgulhavam da origem ibérica.
3-
Dando continuidade a discussão anterior e avançando um pouco mais no tempo,
chegamos ao período Vargas no Brasil e a eminência da Segunda Grande Guerra no
mundo. É o auge do pensamento eugenista em todas as áreas dos saberes. Na
psicologia, por exemplo, é o período em que se popularizam no Brasil os
manicômios e os tratamentos por eletrochoque e afogamento, na Europa
discutia-se a lobotomia. É importante citar não só os manicômios mas também os
presídios, pois eram os lugares para os quais eram enviados os indesejados, os
que não se enquadravam no projeto nacional de identidade ou se incomodavam com
ele.
Getúlio Vargas promoveu uma “redescoberta” do Brasil, como afirma Ângela de
Castro Gomes, em 2007. Um oligarca que caçou seus iguais, um caudilho que
promoveu a industrialização, um ditador que disseminou a cidadania. É em meio a
tantas contradições que se busca construir uma imagem nacional e para tal
tarefa destacaram-se Gilberto Freyre, Sergio Buarque de Holanda e Caio Prado
Junior, a matriz historiográfica brasileira.
Tentavam pensar o Brasil através dos seus problemas e é com uma visão
saudosista que o preso do racismo científico Gilberto Freyre coloca sua
interpretação de Brasil. Em “Casa Grande e Senzala” o autor lembra da
colonização e afirma que está no
patriarcado a unidade nacional. Enxerga na miscigenação a solução para
os conflitos entre brancos e não-brancos e uma fonte de “orgulho nacional”. Freyre
criou o paradigma culturalista brasileiro e, como afirma Jessé Souza, hoje
muitos são freyrianos sem o saber. Todavia fez tudo isso com certo tom de saudosismo,
como se a antiga política oligárquica fosse a solução brasileira e não o motivo
de seu atraso, como colocam os demais autores.
Sergio Buarque de Holanda (S.B.H.), paulista e advogado de formação,
escreve “Raízes do Brasil” onde afirma que os portugueses estariam mais aptos
para colonizar o Brasil já que não tinham o “orgulho de raça”. Diferentemente
de Freyre, S.B.H. foca nos métodos de produção para concluir que o brasileiro
herdou a preguiça dos portugueses e desenvolveu uma cordialidade que inibe o
progresso já que não possibilita delimitar espaço público e privado, muito
diferente dos protestantes norte-americanos. Posto isso, Sergio Buarque dá o
ponta pé inicial para o que conhecemos hoje como “complexo de vira lata”. Sendo
assim, não há saudosismos aqui, para Buarque de Holanda a opção é romper com o
passado colonial.
Mais radical que S.B.H., oligarca de berço e anti-oligarca de convicção, é
Caio Prado Junior. O progressista que apoia a Revolução de 30 e se decepciona
com Vargas, escreve “A formação do Brasil contemporâneo”, onde localiza o
gigante dos trópicos como ainda em uma processo de transição capitalista que se
iniciou com a vinda da família real portuguesa. A defesa de Prado Júnior se faz
em um país autônomo e industrial, com um sentido nacional e não mais europeu (a
agenda de Vargas). Tal feito só seria alcançado com o rompimento total com o
passado colonial e uma inversão completa da sociedade.
A partir da leitura de Bernardo Ricupero, de 2008, e de Jessé Sousa, de 2017, é que fora
elaborado os resumos acima e conclui-se que de comum aos três autores
observamos o protagonismo português, a indiferença quanto ao nativo e a defesa
do patriarcado como unidade nacional. É valido lembrar que história é poder: do
artigo já citado de Schwarcz, é apropriado abstrair que se discutia raça para
não se discutir os problemas pelos quais o país passava: mais da metade da
população era não-branca e todo esse contingente estava fora alheio ao Brasil
almejado pelos pensadores da época. Talvez daqui parta a afirmação de José
Murilo de Carvalho de que no Brasil os direitos sociais são visto como dádivas,
como presentes. Discutiram os “problemas” brasileiros para não discutir a
ausência de direito dos brasileiros.
REFERENCIAS
Textos da disciplina e anotações pessoais sobre as aulas.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. 2003. O espetáculo da miscigenação. Rio de Janeiro:
Editora Fiocruz.
CARVALHO, José M. 2001. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira.
SOUZA, Jessé. 2017. A elite do atraso. Rio de Janeiro: Leya.